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Luís Campos - Blind Joker Salvador - Bahia – Brasil

Minhas Férias em Nazaré
Revista Cego a vista

As reminiscências da Odetinha e do seu irmão me fizeram lembrar as férias que passava em Nazaré das Farinhas, cidade do recôncavo baiano, na qual nasci, mas nunca morei, pois vim ainda bebê residir em Salvador.

As viagens, das quais lembro claramente, já eram uma "viagem". Elas começaram, salvo engano, quando eu tinha seis anos (1957).

Embora toda a família residisse em Salvador, meu pai viajava semanalmente a Nazaré, onde além de trabalhar, era vereador.

Lembro que ele ia para lá na segunda ou terça e retornava as sextas ou no sábado e isso até 1965, quando aposentou e ficou definitivamente em casa.

Minha madrinha, Vanda, residia em Nazaré. Sendo solteira, morava com a mãe, uma tia e duas irmãs.

Eu passava as férias de início de ano com ela e tenho gratas recordações. Para começar, a viagem era deslumbrante.

De marinete, apelido aqui na Bahia e talvez no Brasil, entre as décadas de cinqüenta e a de sessenta, daqueles ônibus com a frente de caminhão, íamos até a estação marítima, aqui chamada de "Baiana" (Cia. Baiana de Navegação). 

Ali, embarcávamos no navio (lembro do pequeno "João das Botas" e mais tarde dos navios Itaparica e Maragojipe, maiores e mais modernos, hoje sucateados).

Diariamente, o "João das Botas" fazia o trajeto, Salvador - São Roque, porto final para aqueles que se destinavam a Nazaré, Santo Antonio de Jesus e outras pequenas cidades que eram cortadas pelos trilhos da ferrovia.

Durante a travessia o navio parava no meio do mar, em um lugar do qual não recordo o nome, para que alguns passageiros saltassem.

Deste povoado à beira-mar, vinha uma canoa, encostava no navio e as pessoas embarcavam nesta, com suas mercadorias e ela retornava à praia.

Muitos passageiros aglomeravam-se à balaustrada do navio para ver esse curioso desembarque. E aí a canoa se afastava em direção à praia e o navio retornava a navegar.

Também havia no trajeto, um local no continente, que era chamado de "Loca da Sereia", onde se dizia haver sereias que encantavam os marinheiros e os levava para o fundo do mar. Eu ficava apavorado cada vez que passávamos por ali.

Quando o navio atracava em São Roque, antes mesmo de serem colocadas as pranchas de desembarque, alguns homens afoitos, pulavam do navio para o cais, desafiando o perigo (vez por outra, algum caía no mar chegando a morrer - afogado ou esmagado pelo navio), com o intuito de garantir um assento no trem que nos levaria até Nazaré e que já estava à espera, com a "Maria-Fumaça" resfoguelando e soltando suas "bufas".

Neste porto, havia montes de manganês, que era extraído nas redondezas e eu nunca soube para onde eram levados, nem se de trem ou em navios.

Mas a maior festa, não só para as vistas como para o estômago, era a "Feira de comilanças". Dezenas de mesas, em sua maioria, senão todas, cobertas com alvas toalhas de mesa, sobre as quais se via de quase tudo e que ficavam espalhadas ao longo dos trilhos, diante da estação férrea.

Do trem podia admirar-se o colorido das roupas e das comidas. Das mais tradicionais às mais exóticas iguarias, encontrava-se ali.

Amendoim cozido e torrado; siris e caranguejos; peixe frito, assado e de muqueca; feijoada, farofa, macarronada; acarajé, abará e acaçá; verduras, legumes e saladas; sucos e frutas da época; "guaranás e sodas" e cachaça e infusões chamadas "fôia-pôde".

Bolachas, biscoitos de goma, sucrilhos, queijadinhas; cuscuz, mingau e bolo de milho, tapioca e puba; bolo de laranja e de chocolate; pamonhas de milho e puba; arroz-doce, batata-doce e aipim cozido; mungunzá, lelê e canjica (curau) de milho; doces em calda e secos; cocadas e rapadura; pães variados; queijo, requeijão, leite e o tradicional "cafezinho"... 

Isso é o que ficava às vistas, pois nessa "feira" havia muito mais guloseimas para abrir o apetite de qualquer glutão.

O burburinho, o pregão dos vendedores, os falares com sotaque daquela gente, os apitos do trem e do navio, o canto dos pássaros, entre outros sons, eram música para meus ouvidos. 

O ir e vir de tanta gente em seus trajes de cores e modelos variados, seus andares e trejeitos, a visão do trem de um lado e do navio de outro, excitavam meus olhinhos de criança e davam corda à minha fértil imaginação.

Antes de embarcarmos no trem, eu e meu pai bebíamos mingau de puba e de tapioca, comíamos pamonha de puba e cuscuz de milho.

Meu pai sorria ao ver-me, como ele dizia: "encher a pança".

Já no interior do trem, abancávamos no "carro-chefe", como era chamado o vagão em que viajavam os funcionários da ferrovia, amigos do "chefe-do-trem", políticos e autoridades das cidades em que este passava. A viagem até Nazaré durava cerca de meia hora.

A paisagem era agradável às vistas. Campos floridos, árvores de copas frondosas, colinas verdejantes, pastos com Cavalos e vacas.

Cães, aves e outros animais enfeitavam o festivo panorama.

Homens, mulheres e crianças, ora trabalhando, ora sem nada fazer, sorriam sorrisos de bocas desdentadas, mas de alegria sincera, além dos acenos de braços cansados e mãos calejadas do rude trabalho na terra, que saudavam os passageiros, como a desejar-lhes uma viagem tranqüila. 

Alguns rios e lagoas completavam o colorido quadro que, através das janelas, corriam em direção contrária ao percurso do comboio. 

Após serpentear por planícies, atravessar um túnel aberto nas rochas e transpor algumas pequenas pontes, finalmente chegávamos à Nazaré, cobertos de poeira e fuligem.

Mais alguns passageiros descem, outros sobem e em poucos minutos a locomotiva sai bufando, rangendo suas rodas e expelindo uma grossa nuvem de fumaça negra e fuligem, arrastando vagarosamente seus seis vagões.

Nazaré é uma cidade histórica, situada no Recôncavo baiano, cuja tradicional festa é a secular "Feira-de-Caxixis", que ocorre a partir da Quinta-Feira Santa e acontece na Praça dos Arcos.

Nesta época se enche de turistas de todo o País, além de muitos estrangeiros que, sabedores da qualidade dos objetos cerâmicos feitos nas olarias da região, principalmente em Maragojipinho, distrito de Aratuípe, vêm para comprá-las, uns com o intuito de revendê-las, ganhando um bom dinheiro, outros apenas buscando uma figura exótica para suas salas. 

Outros, uma "miniatura" para amigos, filhos e netos, além daqueles que compram as "utilidades para o lar", como moringas, porrões, pratos, potes, panelas, frigideiras, bacias, canecas e até mesmo penicos.

Muitos destes "turistas" permanecem na Cidade após o término dos "Caxixis", pois tem início mais uma das festas tradicionais dessa nossa "festiva" Bahia, a "Micareta".

A Micareta é um carnaval "fora-de-época", que acontece em quase todos os municípios do Estado, entre março e junho.

As prefeituras locais contratam "Trios-Elétricos" e cantores famosos de Salvador para animar a festa.

Também há blocos, batucadas, caretas, "pipoca", além de muita bebida e comida... Num clima de alegria e "descompromissos"!

Outro dia conto mais!

Fim.

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