A Semana - Opiniões
Apostilas ou livros didáticos?
Qual é a escola que pretendemos construir?
“Concebidas originariamente pelos cursinhos preparatórios para exames vestibulares e hoje utilizadas em grande escala pelas escolas particulares de ensino fundamental e médio, as apostilas estão sendo cada vez mais adotadas pela rede escolar pública de São Paulo. Segundo levantamento realizado pelo Estado, dos 645 municípios paulistas, cerca de 150 vêm comprando material didático das grandes empresas privadas que atuam na área educacional. A previsão das autoridades do setor é de que esse número seja triplicado nos próximos anos. O setor de produção de material didático cresceu tanto que, só em 2007, duas empresas abriram capital na Bolsa de Valores.” (Fonte: Estadão)
Outro dia fui questionado por uma educadora quanto à qualidade de dois materiais didáticos apostilados. A escola em que trabalha tinha a intenção de utilizar um deles e ela resolveu me perguntar qual seria o melhor. Penso que o melhor é aquele com o qual o estudante consegue aprender. Sei que essa resposta é bastante simplista, mas penso que ela também é válida quando somos questionados acerca do uso de apostilas ou livros didáticos em redes de ensino, sejam elas públicas ou privadas.
Apostilas e livros didáticos são muito parecidos. Equivalem quanto aos conteúdos programáticos já que seguem os parâmetros definidos pelo MEC e também pelos estados e municípios onde são utilizados. Diferem no que se refere à linha pedagógica que pretendem seguir, mas nas mãos dos professores, invariavelmente acabam sendo utilizados da mesma forma, seja a proposta conteudista, sócio-construtivista ou qualquer outra orientação apresentada no material.
Ainda que exista uma preocupação por parte dos fornecedores de materiais apostilados quanto à formação dos educadores para o uso desses recursos pedagógicos - a graduação em pedagogia, magistério superior e nas licenciaturas em geral - ainda que apregoem e trabalhem com afinco as novas metodologias e linhas de pensamento da educação, pouco consegue fazer no que se refere a preparar os educadores do futuro para o real uso, em seus cotidianos de sala de aula, desses conhecimentos de vanguarda.
O que surge dessa formação é uma legião de professores com o conhecimento das teorias pedagógicas, mas que, confrontados com a realidade das escolas onde trabalham, quase nunca usam esses saberes e acabam acomodando-se na prática mais tradicional possível.
E que realidade é essa? Na rede pública, apesar dos esforços que temos percebido e verificado recentemente em algumas localidades, ainda de forma esparsa e isolada, sabemos ser marcada por condições inadequadas de trabalho como a pouca (ou nenhuma) valorização dos profissionais, estímulo inexistente por parte da comunidade ou dos gestores, falta de recursos (até mesmo de elementos básicos como carteiras para todos os estudantes) e até mesmo ausência de transporte ou merenda para os alunos.
Esse descompromisso e descaso das autoridades públicas, somado a certa descrença e evidente não participação nos compromissos da escola por parte dos pais e da comunidade, adicionados a fatores como a indisciplina e o desinteresse dos alunos... Fatores como esses acaba levando os professores e demais profissionais da educação a simplesmente “bater o cartão”, “tocar a vida”, “entregar apenas o peixe que lhes foi encomendado” e, dessa forma, dá-se continuidade ao mais convencional modo de “dar aula” que existe... A tradicionalíssima explanação de idéias repetidas de livros didáticos ou apostilas continua a acontecer pelo Brasil afora...
A resposta que dei a educadora que me questionou, tendo em mãos dois materiais didáticos apostilados, sendo um bastante convencional e conteudista e o outro com tendências e verniz sócio-construtivista, foi um pouco parecida com essa reflexão que estou desenvolvendo por escrito nesse breve artigo.
Disse a ela que, de forma consciente (assim como de coração), não teria hesitado em responder favoravelmente ao material sócio-construtivista se a mesma pergunta me fosse direcionada há algum tempo. Mas que hoje, em virtude daquilo que temos lido, estudado, percebido e analisado quanto a educação no Brasil, penso que talvez seja melhor adotar materiais conteudistas...
Ela não entendeu muito bem o que eu quis dizer com isso, por esse motivo, tratei de explicar que, se a maior parte dos professores educa de forma conteudista, o material sócio-construtivista nas mãos desses profissionais acabaria sendo utilizado do modo mais convencional possível e, sendo assim, não corresponderia aos anseios e necessidades que esses educadores possuem para o bom desenvolvimento de suas atividades.
Materiais sócio-construtivistas exigem complementação, pedem constante participação dos alunos, demandam interatividade, cobram pesquisas e enriquecimento cultural extra-escolar, sugerem e incentivam a participação da família na vida escolar do estudante, demonstram e levam os estudantes a ver a escola como extensão do mundo em que vivem. É necessário adequar-se a essa dinâmica de trabalho, em que o professor não é mais o centro das atenções, o arauto do conhecimento, o senhor de todos os acontecimentos da sala de aula...
Em contrapartida, apostilas ou livros didáticos conteudistas trazem em seu escopo todo o direcionamento de atividades, práticas, explicações, teorias e tarefas já implícito. Para os professores brasileiros, que em sua grande maioria trabalham dentro de um modelo mais tradicionalista, esses recursos constituem, via de regra, a alternativa mais adequada e eficiente para que suas aulas aconteçam de acordo com o que se planeja.
Para que ocorra o uso adequado de materiais mais progressistas não bastam apenas alguns encontros bimestrais ou trimestrais como alguns sistemas apostilados realizam. Nem, tampouco, a disponibilização de materiais e textos de apoio para os professores, sejam em papel ou através da Internet. A preparação deve ser intensa, realizada de forma perene, com cursos complementares dados pelos fornecedores dos materiais tendo como suporte real o acompanhamento, a supervisão e a participação dos gestores e as reuniões pedagógicas semanais nos colégios.
Qual material será utilizado é pergunta que só pode e deve ser feita a partir do momento em que exista uma clareza muito grande por parte dos gestores e mantenedores de uma escola quanto ao projeto pedagógico e as características do corpo docente existentes em sua unidade de ensino. Se irão ser utilizados livros didáticos ou apostilas torna-se questão irrelevante e secundária. O início da conversa deve sempre ser... Que educação queremos e estamos nos propondo a realizar em nossa escola? Pergunta que, diga-se de passagem, não deve ser respondida apenas pelos educadores, mas também pelos estudantes e por toda a comunidade...