Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

Flavia Maria de Paiva Vital Presidente do CVI AN e Analista de Gestão da CET/SP.

Estatuto da Pessoa com Deficiência:
A quem interessa?

No projeto de lei que prevê a criação de um Estatuto da Pessoa com Deficiência estão inseridos programas, serviços, atividades e benefícios, muitos deles ainda concebidos através de uma visão assistencialista e paternalista e por vezes até autoritária em relação às pessoas com deficiência.

Este projeto de lei, resultado de várias consultas públicas ao longo de alguns anos, como dizem seus defensores, ainda mantém em grande parte esta atitude tuteladora, vendo as pessoas com deficiência como não fossem capazes e com direito de fazer suas próprias escolhas, de tomar suas próprias decisões e de assumir o controle de suas vidas.

Retira a responsabilidade prioritária do Estado de assegurar a efetivação dos direitos humanos e fundamentais das pessoas com deficiência, quando compartilha esta responsabilidade com a família, com a comunidade e a sociedade.

Faculta ao Estado fazer convênios e parcerias com Instituições, Fundações e Organizações no que toca a saúde, educação e trabalho, não criando nenhum mecanismo de controle destas Instituições, em detrimento a qualidade dos serviços prestados.

Não avança para garantir um ensino de qualidade para todos e nem emprego digno às pessoas com deficiência, pelo contrário legaliza novamente a exploração da mão de obra deste segmento, permitindo o enriquecimento desmedido do que chamam de entidades qualificadas para intermediar.

Apesar de estar escrito que esta lei, caso aprovada, entraria em vigor decorridos 90 dias da sua publicação, ela não é auto aplicativa, e necessita de várias normalizações para poder entrar em prática.

É oportuno relembrar que a proposta do Estatuto da Pessoa com Deficiência nasceu fora da nossa representatividade.
O nome inicial do projeto de lei – que era Estatuto do Portador de Necessidades Especiais já é sintomático de que foi dado por pessoas que não nos representam.

Acima disto, reflete uma atitude de proteção assistida e de separação.
Ele é uma volta ao passado quando havia a necessidade de um instrumento com estas características para dar assistência à generalização da situação precária das pessoas com deficiência, mas sem abrir mão da incapacidade das pessoas com deficiência de conviver e competir com a sociedade geral.

Nos tempos atuais um estatuto específico para nós é um contra-senso e um retrocesso, se coloca na contramão da história.

O Estatuto é prejudicial no sentido de reforçar a imagem de inválido e coitadinho, levando a sociedade a continuar tratando a pessoa com deficiência como um ser desprovido de capacidade para cuidar de si.

Neste sentido, para a sociedade em geral o Estatuto da Pessoa com Deficiência se torna a comprovação desta suposta incapacidade e constitui uma espécie de oficialização da discriminação contra a pessoa com deficiência, ao separar esta pessoa das leis comuns.

Desde 1981, Ano Internacional das Pessoas Deficientes, começamos a exigir “participação plena e igualdade de oportunidades”, dentro da sociedade e não fora dela.

De lá para cá muitas ações reforçaram esta exigência.

O movimento foi autor de alguns artigos da Constituição Federal de 1988 e conseguiu aprovar inúmeras leis até hoje.
Em breve esperamos que o Brasil ratifique a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, maior demonstração de empoderamento das pessoas com deficiência em toda história mundial dos direitos humanos.

Quando a Convenção for incorporada à legislação brasileira, ela não apenas obrigará que as leis vigentes sejam revisadas e atualizadas, mas servirá de parâmetro para que as leis futuras venham a incluir a questão da deficiência entre seus artigos, diminuindo gradativamente a necessidade de leis específicas para as pessoas com deficiência, separadas das leis comuns.

A partir da Convenção todas as questões relativas às pessoas com deficiência deverão ser inseridas em leis comuns, que passarão a ser conhecidas como leis inclusivas, levando a sociedade a perceber que a pessoa com deficiência faz parte da população e é titular de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.

Portanto, a pessoa com deficiência estará inserida dentro das leis inclusivas, ou seja, nas leis que serão elaboradas após a Convenção ser incorporada a nossa legislação.

Deverá ficar claro que, nessas leis comuns, a pessoa com deficiência está incluída como titular de direito aos mesmos serviços oferecidos à população e que serão previstas especificidades de usufruto desses serviços somente quando às condições de uma determinada deficiência assim a exigirem.

Em tal contexto, não haverá lugar para um estatuto separado sobre as pessoas com deficiência.

Todas as eventuais vantagens de um estatuto da pessoa com deficiência não compensam a anulação do processo de amadurecimento, evolução e conquistas, desenvolvido pelo movimento das pessoas com deficiência nos últimos 30 anos, no Brasil e no mundo.

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas