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Rosangela Gera Médica e mãe de uma garotinha cega de 4 anos que cursa a Educação Infantil, em uma escola regular na rede privada de ensino, Colatina-ES

Carta ao Grupo de Trabalho da Política Nacional de Educação Especial
Rosangela Gera

Prezados senhores, como mãe de uma criança com deficiência visual e 5 anos de idade que freqüenta a Educação Infantil de uma escola regular da rede privada de ensino, e como cidadã é que me dirijo a todos vocês, exercendo meu dever de contribuir com o processo de educação inclusiva, que considero o único caminho possível a existência de uma sociedade de fato inclusiva, bem como também exercendo meu direito de denunciar o que anda acontecendo dentro de nossas escolas regulares que matriculam crianças com deficiência e a despeito do que possa estar na lei, das políticas educacionais que foram implementadas, do tempo decorrido para que educadores se preparem para este novo modelo de ensino, apesar de tudo isso, a exclusão do aprendizado ainda é uma realidade difícil de ser combatida; a inclusão através da matricula dessas crianças e que pode ser averiguada em números não pode nos deixar tranqüilos porque crianças dentro da escola, todos sabem, não necessariamente significa criança aprendendo.

É sobre isso que queria falar a todos vocês....

"... uma professora do colégio Ursina da Fonseca (RJ) disse que lá estudam 4 crianças cegas e uma com baixa visão... Ela conta que esses alunos têm por parte da Direção do colégio e de sua área pedagógica, um tratamento especial que as deixa à margem das turmas: Assim, no momento do intervalo das aulas, durante as atividades recreativas, elas ficam separadas das demais crianças. No momento da merenda, elas são chamadas antes das demais e ficam igualmente separadas...” “... ficamos perplexos quando a professora do colégio nos revelou que a sua área pedagógica desconhece como proceder nesses casos...

" Relato retirado da lista de ex-alunos do IBC na Internet

"Mariana é uma menina cega de 4 anos, mora e estuda na zona rural de uma pequena cidade. Curiosa e alegre, tudo quer saber. Sua mãe conta que na escola a professora diz "ter medo de ensinar errado”, e por isso a Mariana não pega no lápis, nem participa das atividades, está lá para socializar. Em casa pergunta a mãe o que é o "a" porque ouviu a professora falando na sala de aula.

Este relato é meu, a mãe procurou a ajuda.

E a minha pergunta a todos vocês é: Como de fato, a Secretaria de Educação Especial do MEC ou que órgãos sejam responsáveis por este assunto dentro do Ministério da Educação pretende levar atendimento educacional especializado a essas crianças?

Ouvimos muito de professores da escola regular que não estão preparados e etc., não estão mesmo, mas essa não é a questão, sabemos que com informação e dedicação, todo professor poderá adquirir os conhecimentos de que precisa para atender as diversas demandas, sobretudo porque para situações especificas é previsto o atendimento educacional especializado complementar, e etc.

Gostaria de saber:

E os professores especialistas que trabalham ou trabalharam grande parte de sua vida profissional apenas com crianças com deficiência, todas juntas numa mesma turma, estes estão preparados?

Preparados para a diversidade que há dentro da diversidade maior, a de todos dentro da mesma sala de aula?

De que maneira estão sendo incentivados, ou estimulados pelo MEC a trabalhar junto com os demais professores?

Aprender o código braile é muito fácil, aprendemos pela Internet. Difícil é ensiná-lo a uma criança pequena, reconhecer pontos pelo tato na ponta dos dedos, saber quais atividades preparatórias são importantes, reconhecer que o tempo de uma criança cega reconhecer uma letra pelo tato é maior do que o de uma criança que enxerga reconhecê-la pela visão, isso é que é importante, é a professora especialista dando dica ao professor da escola regular para que ele leve em consideração este aspecto. Uma criança cega pode aprender a ler exatamente no mesmo tempo de uma criança que enxerga, desde que para isso as condições adequadas sejam oferecidas.

E quais são essas condições?

A professora da escola regular precisa querer aprender, e a professora que presta o atendimento educacional especializado precisa querer ensinar, precisa querer que aquele aluno cego freqüente o menos possível a sua sala de recurso, precisa querer sua autonomia, precisa desejar a disseminação do conhecimento que antes lhe era restrito.

Mas, será que conseguiremos este desprendimento? Os bancos universitários que formam educadores em todo o país precisam incorporar com obrigatoriedade urgente a disciplina Educação Inclusiva, não apenas ensinando o código braile ou LIBRAS para seus alunos como um "algo a mais" que enfeita o curso . Não! Não deve ser assim. Precisam ensinar de verdade a ensinar, demonstrando estratégias que ensinam como crianças cegas e surdas podem ser alfabetizadas, e o mesmo precisa acontecer em relação a outras deficiências.

Ora, se vamos a uma reunião da equipe pedagógica de uma escola e a orientadora fala para todos os pais como pretende ensinar seus filhos a ler e escrever, ela também precisa explicar a estratégia que utilizará para explicar o mesmo quando em seu público há um aluno cego, surdo, disléxico, ou com qualquer outra deficiência. Precisa saber como a tecnologia tem modificado o processo de ensino e aprendizado dessas pessoas. Este é o passo fundamental, se estamos falando sério sobre Educação Inclusiva, o professor tem que sair da faculdade com esta idéia, com a idéia de que qualquer aluno, por mais diferente que lhe pareça, tem o mesmo direito de aprender que os demais colegas e não há concessões para esta prerrogativa. Não há como escolher para que tipo de aluno irá lecionar, estando ele dentro da sala de aula, o professor precisa estar atento para acolher a todos com compromisso.

Vejam mais esse relato:

Lucas é um menino cego de 7 anos. Tem tudo para ser uma criança como outra qualquer, inteligente, esperta, feliz. Estudou 8 meses no IBC, aprendendo rapidamente o braile. Os pais desciam às 4 da manhã para chegar cedo ao Instituto. Não deu para continuar. Resolveram colocar o garoto numa escola especial perto de casa. Na sala onde estuda, os alunos com deficiência intelectual são maiores de 21 anos. A professora não sabe braile. Estou tentando ajudar seus pais na matricula em uma escola regular, onde poderá conviver com crianças da sua idade.

Relato da lista de ex-alunos do IBC.

Então, são essas crianças reais, as Marianas e Lucas do Brasil que estão por trás dos nossos números, são as histórias que as estatísticas não mostram... Tarefa árdua, sabemos!

A inclusão escolar, não é uma medida do governo brasileiro para reduzir os custos de manutenção e criação de instituições especializadas. Todos sabem que é um movimento mundial e em alguns países onde a legislação é mais antiga, cursa com melhores resultados.

Nós, pais de crianças com deficiência, sabemos que a Educação Inclusiva é a melhor maneira de inserir nossos filhos na sociedade, de prepará-los para uma vida o mais autônoma possível, é onde a vida pode ser reproduzida como é, sem a segregação que define para crianças com deficiência e sem, ambientes escolares distintos.

O professor do vizinho, do primo, do amigo, pode ser o mesmo, a vida se abre para muitas possibilidades e oportunidades de convivência, como tem que ser, como é para as crianças que não tem deficiência, é só isso, que nós pais desejamos, que nossos filhos possam ter a eles ofertado o que aos demais o são. É claro que muitos pais preferem escolas especiais para seus filhos, e geralmente o fazem como a segunda tentativa de escolarização dos mesmos, depois que a escola regular falhou com eles; fazem essa escolha porque ainda não temos uma Educação Inclusiva de fato em nossas escolas, com qualidade, vivemos uma tímida transição; a matricula pode ser garantida, mas o aprendizado...., este nem sempre .

Temos iniciativas, experiências positivas, modelos que nos alegram, mas, nós pais de crianças com deficiência não temos ainda a confiança e a certeza de que podemos dormir tranqüilos, de que podemos delegar a escola o seu papel, sem fazer intervenções, sem ficar extremamente vigilantes, tudo isso mais, muito mais do que precisam fazer os pais de crianças sem deficiência. Então no documento que este grupo entregou ao MEC em janeiro último, é citado:

“.... mesmo com essa perspectiva conceitual transformadora, as políticas educacionais implementadas não alcançaram o objetivo de levar a escola a assumir o desafio de atender as necessidades educacionais de todos os alunos...”

E muitas são as explicações para esta assertiva, apenas gostaria de ressaltar a importância das barreiras de atitude, o preconceito, a idéia de que alunos com deficiência devem estar em outro espaço escolar porque não são capazes de aprender; o estranhamento que a deficiência pode causar na sala de aula, enfim, este ainda é o fator primordial que precisa ser discutido, levado em consideração, e novamente nos bancos universitários é onde podemos ter nossos mais atenciosos ouvintes. E o outro ponto fundamental, passando é claro pela estratégia de levar o conhecimento especializado onde ele precisa chegar, é a fiscalização das práticas.

Toda escola com alunos com deficiência deveria ser visitada regularmente com a intenção de que se verifique o aprendizado, e o desenvolvimento daquele aluno inserido.

E como isso deve ser feito, cabe àqueles que tentam implementar a política educacional inclusiva no Brasil realizar, e que até o momento não obtiveram o êxito necessário e esperado, a despeito do quanto de valoroso já tenham feito neste sentido e que está me permitindo neste momento poder escrever este e-mail, nos termos que escrevo.

Enfim, certa que estou de que posso falar em nome dos milhares de mães e pais de crianças com deficiência, gostaria apenas de dizer que o mínimo que podemos esperar do trabalho deste grupo é compromisso, ética e responsabilidade profissional em todas as ações que desenvolverem em prol da Educação Inclusiva. Disso depende a possibilidade de escolarização dessas crianças.

Cordialmente, Rosangela Gera Colatina – ES 23/03/08

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