Carpe Diem
Cegos e cativos...
No deserto do universo
Eu desisto
Não existe essa manhã que eu perseguia
Um lugar que me dê trégua ou me sorria
Uma gente que não viva só pra si
Só encontro
Gente amarga mergulhada no passado
Procurando repartir seu mundo errado
Nessa vida sem amor que eu aprendi
Por uns velhos vão motivos
Somos cegos e cativos
No deserto do universo sem amor
E é por isso que eu preciso
De você como eu preciso
Não me deixe um só minuto sem amor...
(Universo no teu corpo, música de Taiguara)
Ouço a bela música ao fundo. Suas palavras adocicadas pelos instrumentos e, em especial pela voz afinada e melodiosa do cantor acabam por nos iludir. Fala de amor, da necessidade que temos de carinho, presença, conforto e preocupação sincera. Fala também de gente amarga, mergulhada no passado, que vive só para si e que só quer “repartir seu mundo errado”...
E onde residem os erros? O que nos leva a criar esse mundo de perspectivas amargas e sem amor? De onde vem esse deserto no universo, por onde perambulamos cegos e cativos? O que nos leva a cegueira e a escravidão?
Será que essas letras só tem sentido no contexto em que foram escritas, ou seja, no Brasil da ditadura militar, entre os anos 1960 e 1970? Ou a música preserva elementos e idéias que podem e devem motivar novas reflexões à luz dos acontecimentos desse novo milênio?
Fomos silenciados, com brutalidade, durante os anos de chumbo... Os porões e as baionetas tentaram impor ao país uma obediência cega... E hoje? O que mudou? De que forma é possível atentar para as palavras do compositor Taiguara e perceber sua atualidade, pertinência e sentido em pleno século XXI, quase 40 anos depois do surgimento dessa música?
A atualidade se revela na constatação de que hoje vivemos mais e mais olhando apenas para nós mesmos, fazendo o mundo girar em torno de interesses próprios, tornando os nossos umbigos o centro do universo. Não temos mais tempo real para o próximo.
Nem mesmo quando as pessoas declaram agir em prol de outros, em atitudes teoricamente fraternas, transparece (na maioria dos casos) a atitude sincera e o real engajamento, sem qualquer outro objetivo a guiar esses passos e ações...
Se não bastasse isso, não sabemos mais ouvir, queremos apenas impor nossas opiniões e idéias. Pouco importa se estamos certos ou não – o que vale é mostrar mais força e músculos para fazer valer o nosso rugido, em tom cada vez mais alto.
Velhos e vãos motivos desencadeiam guerras e confrontos. Sem trégua e diálogo, caminhamos num deserto que deixou de ser apenas literal, lírico e musical para se tornar a realidade de milhões... E se não bastasse à canção de Taiguara, também Saramago em seu Ensaio sobre a Cegueira tem nos alertado sobre o desolador cenário em que vivemos...
O que fazer? Há muitas coisas a se fazer... Escutar é uma delas, mas de coração aberto, deixando os rancores, o orgulho e a inveja de lado... Outra ação primordial é estender a mão sem que interesses materiais nos mobilizem a fazer isso... Doe seu tempo, faça o bem, ajude a quem precisa, isso tudo sem esperar ganho ou retribuição – sem que isso repercuta para você em moeda sonante ou votos, por exemplo...
Acima de tudo, precisamos recuperar a fé e a confiança de que o mundo pode ser melhor... Acreditar que a humanidade é capaz de praticar o bem e semear a bondade... E, especialmente, perceber que a força maior está no amor, na caridade, na misericórdia, na compaixão,...
Recuso-me a desistir... Ainda creio na manhã que tanto persigo... Confio num lugar que me dê trégua e me sorria... Em gente que não viva só pra si...