Aprender com as Diferenças
Procrastinações públicas em comunicação para pessoas com deficiência
Fábio Adiron
Pediram-me para falar a respeito de políticas públicas, em especial as referentes à comunicação para pessoas com deficiência. Por isso, antes de mais nada. fui pesquisar para entender o que são, ou deveriam ser, essas tais de políticas.
Descobri alguns conceitos interessantes. Que políticas públicas se fazem através de projetos transdisciplinares, uma vez que envolvem a ciência política e também a administração.
Que elas existem para a garantia dos direitos sociais, que visam a resolução de conflitos em torno da alocação de bens e recursos públicos para atender o maior número de beneficiários possível.
Existem diferenças entre decisões políticas e políticas públicas. Nem toda decisão política chega a ser uma política pública. Decisão política é uma escolha dentre um leque de alternativas, já política pública, que engloba também a decisão política, pode ser entendida como sendo um nexo entre a teoria e a ação. Esta última está relacionada com questões de liberdade e igualdade, ao direito à satisfação das necessidades básicas, como emprego, educação, saúde, habitação, acesso à terra, meio ambiente, transporte etc.
Em tese tudo parece ser muito bonito. Exceto pelo fato que, não só na área de comunicações (mas de educação, da cultura, da saúde) as políticas públicas têm sido regidas pelos interesses da iniciativa privada e quase nunca no interesse público. Por isso prefiro chamar a minha fala de procrastinações públicas e, caso você não conheça o verbo procrastinar, ele significa a técnica sofisticada do que popularmente conhecemos como empurrar com a barriga.
O que não deixa de ser curioso, uma vez que, quando nos debruçamos sobre os aspectos puramente capitalistas desses problemas notamos que, em que pese o natural aumento de custos que essas políticas públicas podem criar para as empresas privadas, elas também trazem no seu bojo uma abertura de mercado de consumo que elas parecem não considerar que existe.
Peguemos um caso específico ligado à área das comunicações, uma vez que esse é tema desse encontro.
Em 27 de junho de 2006, através da portaria 310, o Ministério das Comunicações estabeleceu os recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência a serem implantados pelos transmissores de radiodifusão (que, por sinal, são concessões públicas).
Os recursos que deveriam ser implantados num prazo de 2 anos seriam a audiodescrição, a janela de LIBRAS e a legenda oculta (closed caption). No caso da audiodescrição isso implicaria na transmissão de 2 horas de programação diária com o recurso (a programação integral só teria audiodescrição depois de 11 anos).
Um dia antes da entrada em vigor do serviço. O Ministério da Comunicações adiou o prazo por mais 30 dias sob alegação da Abert que não teriam tempo para implantar o recurso. Claro, como costuma acontecer nesse país, os dois anos só serviram para esperar o prazo vencer. Depois foi colocado um novo prazo de mais 90 dias.
E depois de 2 anos e 3 meses...e Ministério abriu uma nova consulta pública a respeito. Pior uma consulta pública sem recursos de acessibilidade para uma das partes interessadas no tema. Claro que com objetivos meramente protelatórios, uma vez que úma consulta pública já tinha sido para embasar a portaria 310.
Claro que esse tipo de adiamento eterno atende apenas os interesses das empresas de radiodifusão.
No Brasil, segundo dados do IBGE, existem pelo menos 24,6 milhões de pessoas com alguma deficiência, sendo que 16,6 milhões (quase 70%) têm limitações visuais, são cegos ou possuem baixa visão. Só dois estados do Brasil tem população maior que essa (SP & MG) é o equivalente de toda a população do Chile. Dos 200 países do mundo, só 1/4 deles tem população maior que essa.
Portanto, o que acontece quando as empresas de radiodifusão, negam a essa parcela da população o direito de acesso aos seus programas
1. Contrariam toda noção de direitos humanos e de direitos constitucionais (art 227 $1, II) de acesso universal de bens e serviços. O que não deixa de ser curioso quando essas mesmas empresas gritam tão alto quando são atingidas naquilo que entendem ser seus direitos.
Pior, contraria a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, recém aprovada com status contitucional. O Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da Constituição, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, e o Decreto nº6.949/2009, que a promulgou.
2. Contraria todo o discurso de responsabilidade de social que arrotam nas suas programações. O que confirma a desconfiança de que, no modelo assistencialista fiscal em que vivemos, responsabilidade social só interessa quando carrega junto algum benefício fiscal.
3. Contrariam o direito democrático de acesso à informação, o que configura censura velada ou pior ainda, um modelo ideológico que pretende manter essas pessoas alienadas da sua cidadania (um modelo alías que interessa muito aqueles que exploram economicamente a tutela das pessoas com deficiência.
4. Contraria os interesses mercadológicos das próprias empresas que estão abrindo mão de um mercado de consumo imenso. Quando vemos uma empresa como a Natura colocando audiodescrição nas suas peças publicitárias, podem ter certeza que não é para ser só simpática com os cegos.
Enquanto as empresas de comunicação não perceberem o que estão perdendo ao patrocinar a exclusão, elas vão ficar se escondendo atrás de pseudo questões financeiras e tecnológicas. Cabe ao poder público efetivamente atender o interesse do que é de todos e não só de alguns.
A menos, é claro, que o poder público tenha como meta manter o apartheid em que nos encontramos hoje.
*Esse texto foi o que serviu de base para a minha palestra no Seminário Internacional Comunicação & Exclusão, promovido pelo Instituto MID e pelo SESC Vila Mariana, em Outubro de 2009
Fonte: Xiita da Inclusão (http://xiitadainclusao.blogspot.com/)