Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Tropa de Elite X Educação
Lições do vencedor do Leão de Ouro em Berlim

Divulagação-Tropa-de-Elite

Inicialmente gostaria de parabenizar José Padilha, equipe de produção e elenco pelo merecido sucesso no Festival de Berlim, edição 2008, encerrado na última semana com a premiação de “Tropa de Elite” com o Leão de Ouro, o prêmio máximo daquele respeitadíssimo encontro internacional de cinema. [Faço mais comentários sobre o fato no Observatório da Educação (www.observatoriodaeducacao.com), através do blog “Escolhendo a Pílula Vermelha”, onde peço opiniões sobre o assunto - em postagem cujo título é “Leão de Ouro em Berlim para Tropa de Elite”].

E o crime se repete... Mais de dez, onze, doze... Milhões de espectadores que, em sua grande maioria, burlaram a lei para assistir o filme de José Padilha, “Tropa de Elite” em cópias piratas vendidas nos ambulantes do Brasil inteiro ou baixadas através da internet... Um filme que enaltece o trabalho de uma divisão especial da polícia carioca e que, ironicamente, é acessado de forma ilegal pela maioria de seus espectadores...

E os crimes se repetem... Inúmeras vezes ao ano... Chacinas de pessoas condenadas pelo poder paralelo... Mortes de inocentes que estavam no local errado na hora mais imprópria do dia... É o Custo-Brasil de que tanto falam os economistas... Está pela hora da morte viver em terras tupiniquins por esses dias... Literalmente está...

E a população, para onde corre? Abriga-se em suas residências e fica a mercê de balas perdidas, de invasões repentinas de seus domicílios, de notícias trágicas sobre seus filhos, vizinhos, amigos ou parentes? Ou busca o auxílio da polícia, criada para manter a ordem, a civilidade, a paz, preservar os direitos individuais e proteger os bens particulares? Será que essa polícia ainda existe ou ela se deteriorou tanto que somente restam nas corporações e delegacias um pouco daquilo que costumamos chamar de honestidade, dignidade e orgulho entre alguns representantes da lei?

Soldado-Bandido-Elite

E se a polícia estiver corrompida? Para onde correr? Para os braços da marginalia que controla o tráfico de drogas e garante “grana” e proteção para todos aqueles que lhes forem fiéis? Porque se ficar o bicho pega e se correr... O bicho come... Não é permitido ser neutro nessas horas... Não é possível ser inocente... O que está em jogo é a própria pele... A questão central dessa discussão é a sobrevivência numa selva muito mais hostil do que aquela povoada pelos animais...

Ferida aberta que não cicatriza, a violência crescente e estimulada pela impunidade, atenta contra todos os direitos fundamentais previstos nas Declarações Internacionais e nas leis do país estipuladas na Constituição Federal. Não podemos expressar livremente nossas idéias. Não nos é permitido ir e vir sem que nos sintamos ameaçados. Nossa integridade física corre riscos a todo instante. O que adquirimos com o suor de nossos trabalhos, depois de muitas horas, dias, semanas, meses e até anos de dedicação pode deixar de ser nosso em segundos. Nem mesmo o mais precioso bem que possuímos - nossas próprias vidas - parece nos pertencer ou alguma coisa valer no atual contexto.

“Tropa de Elite” e seu protagonista Capitão Nascimento (vivido nas telas com brilhantismo por Wagner Moura) vieram se somar às discussões e logo receberam a pecha de obra e personagem fascistas por parte da crítica e setores políticos que se consideram de vanguarda. Enquanto isso acontecia, o povo se aglomerava nos camelódromos do Brasil inteiro ou (mais modernamente, ainda que também de forma ilegal), baixava pelo YouTube suas imagens.

O filme popularizou-se rapidamente e seu personagem passou a ser visto como redentor e herói pela massa. Bandido que não tem dó nem piedade do povo tem que ser tratado com força, poder, balas e sangue quando necessário, eram os comentários que se escutavam das pessoas que já haviam visto o filme. Ah se todos os policiais fossem como o Capitão Nascimento... Ninguém se atreveria a ser bandido no país... Eram as afirmações de tantos outros.

Imagens-Topa-de-Elite

E o que dizer de tudo isso senão que realmente a barbárie é tanta, a bagunça é tamanha e a corrupção está tão disseminada que, infelizmente, qualquer candidato a herói truculento, do tipo Rambo ou Capitão Nascimento, disposto a fazer justiça a qualquer preço logo terá um lugar no pedestal do povo sofredor...

E há perspectivas de melhorar o quadro? Com os paliativos que existem e que são utilizados regularmente na política nacional não penso que seja possível reverter realmente à situação. Decência, honestidade, caráter, dignidade, ética e compromisso com o bem-estar coletivo não são conseguidos da noite para o dia. Bem diferente de seus antônimos – indecência, desonestidade, falta de caráter, indignidade, ausência de ética e descaso com a coletividade – que como podemos ver entre inúmeros representantes de nossa classe política, são conseguidos da noite para o dia da forma mais literal possível.

Para reverter a situação teremos que mexer nos alicerces e modificar parcelas consideráveis da cultura nacional, como por exemplo, abandonar o famoso “jeitinho” brasileiro e a tão conhecida “lei de Gérson”. Isso só se torna possível a partir do momento em que tivermos uma educação de qualidade. E o que exatamente significa essa expressão?

Diferentemente do que pensam as autoridades, qualidade em educação não se refere apenas a mais escolas, computadores, acesso a internet, distribuição de livros, quadras,... Significa, certamente, a incorporação de novos recursos como os citados a realidade das escolas – mas, não apenas isso...

Bandidos-Tropa-de-Elite

Qualidade em educação demanda melhor preparo dos docentes, com a atualização regular de suas práticas, avaliação e constante supervisão do trabalho executado nas escolas, incentivo a participação das famílias na vida escolar de seus filhos, valorização dos profissionais que atuam na área, projetos de leitura, aulas dinâmicas e motivadoras, temas significativos e relacionados à realidade de vida dos estudantes, utilização de recursos culturais e artísticos para a composição dos planos de aula,...

E creiam-me, enquanto isso não se efetivar, o culto a novos heróis no estilo do Capitão Nascimento, o envolvimento de nossas crianças e jovens com o tráfico de drogas, a disseminação da violência tanto nas periferias quanto nas regiões centrais das cidades, os casos não resolvidos de corrupção na política e todas as demais injustiças que reinam no Brasil continuarão sendo a regra e não a exceção...

Filmes como Tropa de Elite, Cidade de Deus, Central do Brasil e afins, que nos mostram o drama cotidiano de dezenas de milhares de pessoas oprimidas pela violência e que são, muitas vezes, criticados por parte da sociedade por mostrar as mazelas sociais de nosso país no exterior são obras necessárias para que percebamos os grandes dramas nacionais. Como o neo-realismo italiano, essas produções expõem as feridas e colocam o dedo fundo nas mesmas, pressionando-as...

Se isso incomoda você... Esses cineastas atingiram seu objetivo... O próximo passo é reagir e ajudar a tornar o nosso país mais justo... O que fazer para começar? Clame por uma educação pública de maior qualidade... Esse é o grande esforço que todos temos que fazer num primeiro momento...

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas