Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

Luís Campos - Blind Joker Salvador - Bahia – Brasil

Uma Aventura no Rio
Parte II - Conto

"Brincar, Sorrir e Sonhar, são coisas sérias!"

Parte II - Conto

Quando alguns cegos se reúnem, ao se movimentarem em grupo, caminham em fila indiana. Os que vão atrás colocam uma das mãos sobre o ombro daquele que está à frente. A essa formação, cegos e videntes (como chamamos a quem enxerga) apelidam de trenzinho. Ao cruzarmos as ruas, especialmente em Sampa e no Rio, camelôs, ambulantes, vendedores de lojas e transeuntes, costumam brincar, entre risos e piadinhas:

- Piuiiiii! Piuiiii!

- Olha o trenzinho! Olha o trenzinho!

- Sai da frente do trem, gente!

Claro que também sorrimos com a pilhéria, afinal, é mesmo engraçado ver aquela "corda de caranguejo" e, como todos vocês sabem, geralmente somos bem-humorados!

E foi dessa forma que, pelas ruas do Saara, fomos guiados pela Cíntia.

Embora o trenzinho tivesse apenas dois vagões, éramos puxados por uma "senhora" locomotiva. E fiquei sabendo disso ao ouvir a primeira gracinha de um camelô:

- Uau! Que locomotiva!

- Piuiiii! Piuiiii!

Nosso comboio finalmente chegou ao destino. O restaurante da Rosa é pequeno, porém acolhedor. 

Eles servem um buffet de comida japonesa e brasileira de dar água na boca. Ao chegarmos, Evangel e Ednilson já haviam almoçado e não quiseram nos esperar. 

Disseram que mais tarde nos encontrariam no hotel e se mandaram... não sei para onde foram!

Rosa nos indicou uma mesa e, após o pedido do Reinaldo, foi servi-lo.

Cíntia, muito atenciosa, perguntou-me o que queria e fez meu prato.

Aguardei ela fazer o seu para começar a comer. Enquanto comíamos, conversamos sobre nossa viagem a Joinville, os dias que passamos em São Paulo e o que faríamos no Rio. 

Cíntia disse que não trabalharia pela tarde e ofereceu-se como cicerone.

Após o almoço fomos até a Cinelândia, pois Cíntia queria nos mostrar os belos prédios da Belle Époque, período em que o Rio queria ser uma Paris tropical.

Conhecemos o Teatro Municipal cujo prédio foi inspirado na Ópera de Paris e foi construído em 1909 com muito mármore e vitrais trazidos da Europa. 

Dali fomos até o Museu Nacional de Belas Artes, mais uma jóia da arquitetura. 

Cíntia disse que a fachada está sendo reformada e seu acervo guarda peças trazidas por D. João VI em 1808. 

Fomos ao Real Gabinete Português de Leitura, na Praça Tiradentes. Segundo Cíntia, ele disputa com o Hotel Copacabana Palace o título de prédio mais bonito do Rio de Janeiro. 

Ao passarmos pelo Bar Amarelinho, Cíntia sugeriu que provássemos o chope mais bem tirado da redondeza, segundo dizem. 

Depois, na Primeiro de março, visitamos o Centro Cultural Banco do Brasil, um prédio neoclássico que apresenta peças teatrais, mostras de arte e excelentes filmes.

Dali fomos até a Igreja da Candelária, construída em 1898. Tombado pelo IPHAN, o prédio da igreja tem a forma de uma cruz latina. 

Como já eram quase cinco horas da tarde, fomos à Rua Gonçalves Dias, pois Cíntia queria nos levar para fazer um lanche na famosa Confeitaria Colombo. 

Uma vez nesta, ela pediu dois "Chás Colombo", carro chefe da casa e que trazia cerca de dezessete iguarias, entre bolos, tortas, mini-sanduíches, salgadinhos, frutas secas e casadinhos, além do chá propriamente dito. 

Depois desse "lanchinho", não houve estômago para jantares. Antes de sairmos do local, Cíntia nos contou que a Colombo foi fundada em 1894 por dois portugueses. 

Seus enormes salões são também retratos da Belle Époque carioca, num estilo Art Nouveau do início do século vinte. 

Espelhos belgas, molduras, vitrines e móveis em jacarandá esculpidos à mão, bancadas em mármore italiano, lustres, vitrais e pisos também trazidos da Europa. 

Disse-nos ainda que, nos bons tempos, a Colombo, durante o dia, era freqüentada por pessoas ilustres da sociedade e também por jornalistas. À noite, os boêmios faziam da Colombo parada obrigatória.

Entre tantas celebridades que estiveram na Confeitaria Colombo, destacam-se figuras como Ruy Barbosa, Olavo Bilac, Chiquinha Gonzaga, Villas Lobos, Getúlio Vargas, Virgínia Lane, Juscelino Kubitschek, Lima Barreto e José do Patrocínio, entre outros. 

Ela só esqueceu de nos incluir nessa listinha! 

Mas fazer o quê? 

Conformado, disse-lhe que ela poderia nos colocar numa estação do metrô que iríamos para o hotel, mas ela disse que nos levaria e que não adiantaria nossos protestos.

E assim fez. Seu carro estava num estacionamento ali perto e assim fomos de carona para o Catete.

Além do conforto, teríamos a companhia da Cíntia por mais alguns minutos. 

Como isso é apenas um conto, digo-lhes que o trânsito fluía para carioca nenhum botar defeito e até invejar... mesmo sendo a hora do "rush", viu, Noviço?

Enquanto o carro atravessava as ruas da cidade, conversávamos:

- Em qual hotel vocês estão? - perguntou Cíntia.

- No Caxambu... no Catete! - Respondi.

- Sei onde fica! Até quando você fica por aqui?

- Até o sábado!

- Por que não fica mais alguns dias?

- Não posso! Tenho um compromisso em Salvador!

- E não pode adiar o compromisso?

- Já o adiei uma vez! Sou coordenador de aposentados de um Sindicato e teremos um almoço de confraternização no próximo dia vinte!

- Que pena! Gostaria de mostrar-lhes as belezas do Rio!

- Antes de perder a visão, Cíntia, vim ao Rio várias vezes!

- Mas eu não lhe mostrei a cidade! Hahahaha!

- Se eu a conhecesse, bem que gostaria!

- Que hora vocês voltam no sábado?

- Às vinte!

- Ah! No sábado, você tem algum compromisso durante o dia?

- Até agora não!

- Então virei pegá-lo às oito para darmos uma volta em Niterói!

- Legal! Tenho uma amiga em Niterói. Vou pegar o endereço dela com o Evangel e, se for possível, daremos uma passadinha na casa dela!

- Claro! Será um prazer!

Durante o percurso, Reinaldo não disse uma palavra. Se não estava dormindo, possivelmente pensava na "paixão" que deixara em Aracaju!

Logo chegamos ao hotel. Ela estacionou o carro e nos levou até o saguão. 

Sentamos um pouco numas poltronas que havia ali e trocamos algumas palavras antes que ela se fosse, sem esquecer, no entanto, de firmar nosso compromisso. 

Nos despedimos com beijinhos e eu e Reinaldo agradecemos a tarde maravilhosa que ela nos proporcionará.

No dia seguinte, sexta-feira, havia um recado da Cíntia na portaria:

"Tenha um excelente dia e divirta-se. Amanhã estarei aí às oito!"

Quando falei do recado aos sacanas, eles ficaram tirando sarro da minha cara!

Nesse dia pela manhã visitamos o IBC e à tarde fomos ao Méier.

Algumas vezes, nesses dois dias, andamos de metrô no Rio e fomos muito bem tratados por seus funcionários que, sempre simpáticos, nos guiavam pelas dependências das estações. 

Sem querer ofender aos paulistanos, o pessoal do metrô do Rio é mais caloroso e sorridente. 

O povo do metrô de São Paulo, com raras exceções, é "profissionalmente frio", embora se equiparem na qualidade do atendimento ao cego.

Lembro-me que também em Recife, quando lá estivemos em 2005, após o Encontro Dosvox em João Pessoa, fomos muito bem tratados pela turma do metrô local, bem como pelo cidadão da "Veneza Brasileira". 

Só para dar um exemplo, certo dia fomos visitar uma Entidade que dá apoio ao Cego e quando chegamos ao ponto que deveríamos descer, o motorista parou o ônibus e, saindo do volante, atravessou a rua conosco. 

Que maravilha, né?

Mas voltemos ao Rio de Janeiro, afinal, essa aventura está apenas a um dia de findar-se e ainda há muita coisa a relatar. 

De metrô, fomos até a Central do Brasil e, de trem, ao Méier. O trem demorou a sair, mas a viagem foi tranqüila. 

No Méier visitamos meu amigo Paulo e o comércio local, visando comprar alguma coisa "diferente". 

No fim da tarde voltamos de ônibus até a Tijuca e de lá, fomos de metrô até o Catete. Antes de chegarmos ao hotel, passamos num restaurante que havia nas imediações e jantamos. 

A sexta-feira foi embora e a saudade começava a bater no peito. 

Não a saudade de casa, mas a saudade do que se deixa para trás... daqueles dias em Joinville, em Sampa e agora na Cidade Maravilhosa! 

Ao lembrar-me que esqueci de avisar aos amigos das Listas que participo sobre minha presença em suas cidades nesses dias, fico retado e vou dormir pensando numa desculpa para o mico!

Mas ao lembrar que amanhã é sábado... durmo o sono dos justos e tenho um sonho maravilhoso!

Skype: lc_campos

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