De Olho na História
Um país chamado Açúcar
História do açúcar
As moendas, acionadas pelo trabalho dos escravos ou a partir da
utilização de animais de tração (como bois ou cavalos) eram parte
constitutiva das etapas de produção do açúcar. Desse trabalho era
obtida a garapa (suco da cana), que posteriormente passaria por
outras fases em que seria transformado em açúcar mascavo ou marrom.
(ilustração de Jean-Baptiste Debret)
As colônias americanas, entre as quais o Brasil, provocaram uma verdadeira revolução nos hábitos alimentares mundiais a partir de sua incorporação ao mercado europeu, ainda no século XVI. A princípio devido as enormes quantidades de metais retirados das entranhas continentais localizadas no Peru e no México, especialmente a Prata proveniente de Potosí.
Com o passar dos anos, o sistema colonial foi se aperfeiçoando, modificando-se em virtude da escassez dos metais em determinadas regiões ou do esgotamento das minas em outras. O caso brasileiro se encaixa, mais propriamente, na primeira circunstância. O ouro encontrado em nosso território só seria descoberto a partir do final do século XVI, na região do Rio das Mortes, em Minas Gerais. Sua exploração se aprofundaria ao longo dos anos 1700, causaria grandes mudanças no perfil do país, levaria expressivos contingentes populacionais a se deslocar para o interior do país, deslocaria o centro de decisões políticas de Salvador para o Rio de Janeiro, promoveria alguns a uma efêmera riqueza, outros a uma eterna busca de prosperidade...
Antes de chegarmos ao século XVIII, entretanto, tivemos que nos adaptar as necessidades do mercado mundial, regidos pelas orientações provenientes da metrópole portuguesa. Já que não dispúnhamos de reservas de metais preciosos, coube a nós a atribuição de enriquecer os colonos que aqui se estabeleciam com outras riquezas, cuja repercussão mundial seria, certamente, maior que aquela provocada pelo brilho e valor do ouro ou da prata.
Nos tornamos produtores do “ouro branco”, o açúcar. Nossa história passou a ser regida, a partir do surgimento dos primeiros engenhos instalados no país, ainda nos anos 1530, pelo sucesso e pelo fracasso nas negociações desse produto no mercado internacional. Assistimos a um crescimento notável das áreas onde o açúcar se adaptou bem as condições de solo, clima, pluviometria e topografia.
As grandes fazendas onde se produzia o açúcar eram mantidas
a partir do trabalho escravo, produziam grandes quantidades
de açúcar mascavo que eram exportadas e refinadas na Europa
de onde eram revendidas para os consumidores finais.
O Nordeste se consagrou, a partir de sua área litorânea e proximidades, como o centro de decisões políticas e econômicas em virtude das grandes fazendas produtoras de açúcar estabelecidas na região. Seus portos recebiam anualmente grandes contingentes de negros africanos que serviram de mão de obra escrava para a produção continuada e crescente de açúcar. A demanda européia cresceu ainda mais em virtude da incorporação ao cotidiano, de bebidas como o chocolate, o café e o chá, adoçados com o açúcar que vinha, principalmente, do Brasil.
O mais importante, porém, ocorreu na utilização do açúcar como substituto do mel e do açúcar de beterraba como principal meio utilizado para adocicar alimentos e bebidas. O alcance dessa transformação foi tão grande que superou qualquer fronteira ou impedimento. Não foi barrado por qualquer uma das grandes religiões, não foi censurado por nenhum sistema político, não foi eticamente desconsiderado apesar de seu irresistível apelo que podia corromper mentes e corpos e, o melhor de tudo, foi adaptado, regionalmente a diversas tradições culinárias. Praticamente todas as escolas gastronômicas do mundo o adotaram de braços abertos, algumas com maior entusiasmo, outras com menor furor.
O Brasil, como maior produtor mundial de açúcar durante muito tempo, não poderia ser diferente do resto do mundo. A partir da matriz, a cana de açúcar, desenvolveu produtos e subprodutos que se tornaram marcantes na cultura nacional. Da rapadura e da garapa, passando pela cachaça (pinga, branquinha, caninha,...), desembocando nos doces feitos a partir de frutas nativas carregadíssimos de açúcar, sendo servido como aditivo a bebidas quentes ou frias (como os mencionados café, chocolate e chás ou nos sucos de caju, maracujá, laranja, limão,...), misturado a receitas tradicionais vindas da Europa ou aos pratos típicos da culinária africana,...
Nas principais cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro ou Salvador,
podiam se ver negras escravas vendendo doces e bolos tradicionais, feitos
com frutas típicas ou bem adaptadas a nosso país (como a goiaba ou a banana). (ilustração de Jean-Baptiste Debret)
O açúcar se tornou tão grande sucesso entre nós brasileiros que o sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, conhecidíssimo mundialmente por obras consagradas como “Casagrande e Senzala” e “Sobrados e Mucambos”, dedicou parte valiosa de sua pesquisa a desvendar os segredos de bolos, doces, sorvetes, geléias e sucos característicos da cultura brasileira (especialmente a nordestina), para produzir um livro que veio a se chamar “Açúcar”.
Nessa notável e indispensável obra, Freyre atreveu-se inclusive a sugerir que nosso país não deveria ter sido nomeado em homenagem a madeira daqui extraída nos primeiros anos de colonização portuguesa, o Pau-Brasil, cujo ciclo se esgotou rapidamente ainda na primeira metade do século XVI. Disse, do alto de toda a sua sabedoria e conhecedor da realidade nacional a partir de suas pesquisas e andanças por nosso país, que devíamos chamar nossa pátria de, simplesmente, “Açúcar”...
Links
- http://nascente.com.br/debret/ (imagens do Brasil Colonia/Império)
- http://www.fgf.org.br/ (Fundação Gilberto Freyre)
Livros Sugeridos
- Açúcar.
De Gilberto Freyre. Companhia das Letras.
- História da Alimentação no Brasil.
De Luís da Câmara Cascudo. Editora Itatiaia