A Semana - Opiniões
O fim do emprego
O futuro do trabalho no mundo globalizado
Fui demitido. Perdi o emprego em que estava trabalhando há 6 anos. Especialista numa área em que poucos profissionais possuem conhecimento e preparo para atuar, definitivamente não esperava que isso viesse a acontecer. Nem meus colegas de trabalho entenderam os motivos que levaram a instituição a tomar essa providência. Alguns, ainda perplexos, comentaram comigo que se isso estava acontecendo com um dos melhores profissionais da instituição, o que mais poderíamos esperar...
Minha esposa e alguns dos mais próximos colaboradores da empresa que atuavam próximos a mim até choraram. Tive que consolá-los dizendo que era só um emprego e que, certamente, outras propostas e oportunidades surgiriam em meu horizonte profissional. Por incrível que pareça, naquele primeiro momento fiquei menos abalado do que todos os demais. Como já disse, não que eu estivesse esperando, pois já estávamos fazendo planos com o departamento em que atuava para novas aulas e cursos no ano que iria começar...
Mas, como sabemos o quanto o mundo é competitivo (ou pelo menos deveríamos estar a par disso), e como a globalização tem redirecionado as energias e exigido custos mínimos e máxima produtividade, penso até que isso demorou a acontecer. Já havia ocorrido idêntica situação com outros profissionais de qualidade que, engajados em projetos da instituição, com aulas programadas para o próximo semestre, matriculados em cursos de especialização (mestrado, doutorado, pós-doutorado) ou ainda com publicações de trabalhos em congressos, seminários ou colóquios, da noite para o dia foram simplesmente “desligados” de suas funções, demitidos sumariamente...
Não que isso seja uma particularidade dessa instituição onde estive trabalhando ao longo dos últimos anos. Nem tampouco é possível encarar os acontecimentos como sendo derivados de alguma perseguição ou diferença pessoal. Tudo, a propósito, ocorre da forma mais impessoal possível. A despeito de todo o trabalho feito, do reconhecimento do público-alvo (no caso dos professores, os próprios alunos), da disponibilidade para reuniões e atividades extras, o que é avaliado não é a sua capacidade profissional e sim, o quanto você custa para a empresa.
O trabalho existe, mas a forma como as empresas estão contratando profissionais modificou-se, você já entendeu como isso está acontecendo? Prepare-se...
Num mercado altamente competitivo, onde os custos com publicidade são cada vez mais exorbitantes (para garantir visibilidade e retorno), em que é necessário dispor de infra-estrutura e recursos materiais de ponta, a mão de obra mais qualificada e de alto custo deixou de ser um diferencial no qual seja prioritário investir. Se é possível contratar outro profissional que faça o mesmo serviço, mesmo que sem a qualidade, especialização e profundidade da pessoa que o realizava anteriormente, porque pagar mais?
E essas conclusões todas são minhas?
Não. E nem tampouco são fruto de amargor, mágoa ou revolta com a instituição e as pessoas que continuam a trabalhar por lá. Pelo contrário, desejo a todos um ótimo ano e melhores realizações profissionais a partir de agora. Inclusive para a pessoa que receber a atribuição das aulas e projetos com os quais estive envolvido. Para mim tudo isso já são águas passadas e, novas perspectivas se abrem, é tempo de renovação.
As idéias que estou comentando quanto ao fim do emprego fazem parte do portfólio de estudos de especialistas, pesquisadores e estudiosos da questão do trabalho. São economistas, sociólogos, jornalistas, historiadores, educadores e muitos outros profissionais que estão se debruçando sobre o tema e que chegaram a conclusões para lá de interessantes, como as que apresentamos a seguir:
- O fim do emprego como concebido ao longo dos últimos 50 ou 60 anos é uma realidade. Poucos serão aqueles que ficarão por mais de 5 ou 8 anos numa mesma empresa. Carreiras duradouras, daquelas em que o sujeito trabalhava ao longo de toda a sua existência num mesmo emprego, serão raríssimas.
- A rotatividade profissional de qualquer trabalhador, que até recentemente era vista como um sinal de imaturidade, falta de seriedade ou mesmo de problema para uma empresa contratante, passou a ser encarada como acúmulo de experiências e de diversidade de habilidades e possibilidades funcionais.
O trabalho está migrando dos países ricos para as nações em desenvolvimento, como a Índia e a China, nos quais a mão de obra e custos tributários são mais baixos e a qualificação profissional é de bom nível.
- A alfabetização digital não é mais um pré-requisito obrigatório, tornou-se uma ferramenta básica, que se não fizer parte dos conhecimentos e instrumentos de trabalho de um profissional, irão condená-lo ao ostracismo.
- A disponibilidade para aprender novas funções e adaptar-se a situações de constante mudança do mercado, oriundas da disputa global em que estamos inseridos nos dias de hoje, também é critério importantíssimo para quem pretende trabalhar.
- De acordo com o consultor Ricardo Neves, em seu livro “O Novo Mundo Digital” [Editora Relume Dumará], adentramos um mundo em que o emprego, aquele vínculo entre empresa e empregado, que dá ao funcionário uma forte sensação de estabilidade, associada a fatores como os benefícios trabalhistas e principalmente o salário mensal, está dando lugar ao conceito de trabalho. E o que seria então trabalho? Seria, no caso, a vinculação a projetos e planos, ações e realizações de prazo variável (curto, médio ou longo), para as quais os profissionais seriam contratados enquanto “terceiros” para realizarem tais intentos, enquanto durassem essas empreitadas. E as garantias trabalhistas? São suprimidas, pois representam custos altos que as empresas precisam cortar. E os salários? São substituídos por honorários pagos aos profissionais que atuam como empresas, ou seja, que são identificados como pessoas jurídicas. O que se estabelece a partir de agora passa a ser o vínculo profissional free-lance, bastante conhecido dos profissionais que atuam na imprensa.
- Também é uma prerrogativa dos novos tempos que a tecnologia esteja cada vez mais incorporada ao cotidiano e que, em alguns casos, como já ocorreu em vários segmentos profissionais (em particular na indústria, na agricultura e até mesmo nos serviços), máquinas como computadores, robôs e sistemas sofisticados substituam trabalhadores.
O setor bancário, conforme dados apresentados na obra “O Novo Mundo Digital”, tinha cerca de 900 mil empregados no início da década de 1980, número reduzido para 300 mil nos dias de hoje em virtude da utilização das novas tecnologias, cujo custo é muito mais reduzido para os bancos.
- Outra situação bastante comum e que já está em vigor nos Estados Unidos e em países desenvolvidos é a transferência dos setores de produção mais pesada para países em que a mão de obra e os custos governamentais são mais baixos. E não pensem que isso significa a busca pelo trabalho desqualificado como outrora, os profissionais do novo milênio precisam ter boa formação (domínio da tecnologia, letramento, conhecimento de línguas estrangeiras, curso universitário,...). Os maiores exemplos de locais onde isso já está efetivado são a Índia e a China, que absorveram grande parte dos investimentos que se deslocaram do primeiro mundo em busca de custos mais baixos.
É por isso que, mesmo tendo perdido o emprego no final do ano passado, não acreditei, em momento algum, que fosse vítima de alguma perseguição interna da instituição. Entendi, desde o princípio, que os custos que significava para a empresa eram um pouco mais altos do que a média local e que, em virtude disso, fui mais uma vítima da competição globalizada...
O que fazer? Se preparar para o futuro – que não será tenebroso e sim diferente – estudando, se preparando, buscando novos espaços, virando a página e, dando a volta por cima...