Planeta Educação

De Olho na História

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Condições de Trabalho na Revolução Industrial
A saúde dos operários em risco constante...

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“O Progresso do Século”,diz a legenda ao referir-se a industrialização, ironicamente o empresário está de costas para o processo, ignorando as condições de trabalho, a contar seus lucros...

“O barulho e o movimento das máquinas, que são desagradáveis e confusos para os espectadores não acostumados àquela cena, não produzem o menor efeito nos operários habituados a essa realidade. As únicas coisas que fazem com que os trabalhadores das fábricas padeçam são o confinamento por longas horas e a ausência de ar fresco: isso os deixa pálidos, reduz o vigor físico deles, mas raramente os deixa doentes. As diminutas fibras de algodão que flutuam nos ambientes são entendidas, mesmo pelos médicos, como não prejudiciais aos jovens que ali trabalham.” [Edward Blaine, em seu livro “The history of cotton manufacture”, de 1835].

Entre num lugar muito barulhento e povoado por máquinas que sacodem e sacolejam a todo o momento, deixando no ar uma constante sensação de insegurança e de receio quanto a um provável acidente. Feche os olhos durante alguns segundos. A sensação de medo se torna ainda maior.

Agora pense numa outra situação. Imagine-se pai ou mãe de 3, 4 ou até 5 filhos. Você acabou de migrar da zona rural para a cidade, não possui conhecimentos técnicos que o diferenciem dos milhares de outros migrantes que acabou de chegar à metrópole. Tampouco pode contar com o apoio de familiares ou amigos para conseguir algum emprego razoável já que todas as pessoas que conhece estão em situação semelhante a sua.

Uma fábrica recém-aberta abre vagas para trabalhadores com pouca ou nenhuma qualificação. Precisam de mão de obra barata e sabem que há milhares de pessoas recém-chegadas à cidade que necessitam de trabalho para sobreviver. Quais são as condições de trabalho? Quanto será o pagamento por hora? Que tipo de função será necessário executar? E a jornada de trabalho, durará quantas horas? Essas são algumas perguntas que hoje qualquer futuro empregado em uma firma tem que fazer...

Se fossem feitas por um operário do período inicial da industrialização mundial ocorrida na Europa entre a segunda metade do século XVIII e XIX acarretariam sua imediata dispensa da fila de proponentes a uma oportunidade de trabalho. Por isso a adaptação a barulhos aparentemente insuportáveis aos ouvidos humanos e que, certamente, causam danos à audição – ou ainda a concordância em trabalhar com máquinas que tinham um altíssimo risco de acidentes, era a normalidade daqueles tempos.

“Uma das grandes causas de doenças em operários nas fábricas é a fumaça e o cal que estão continuamente voando (flutuando) nos arredores. Peles de animais são socadas em uma forte solução de cal. Esse produto se mistura com a lã e o cabelo. Tudo é depois colocado numa máquina de desfiar lã para extrair a cal e a poeira. A máquina, e tudo ao seu redor, são então cobertos com cal e poeira. O resultado é a dificuldade de respirar, a asma,...” [William Dodd, em seu livro “A narrative of William Dodd: A factory Cripple”, de 1841].

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Capitalista fecha as portas de sua fábrica e expõe seus trabalhadores a um ambiente escuro, pouco arejado, com temperaturas elevadas, máquinas perigosas e longas jornadas de trabalho.

Imagine-se então naquele mesmo ambiente descrito como barulhento e cheio de máquinas perigosas só que, além de tudo o que já foi demonstrado como prejudicial ou danoso a sua integridade física, adicione também os fragmentos de produtos e matérias-primas básicas utilizadas no processo de produção industrial no qual você participa...

A cal (ou óxido de cal) adicionado a partículas de pelos provenientes do algodão ou das peles de animais como carneiros e ovelhas flutuando pelo ar de recintos apertados, com pouca luminosidade, sem ar puro, com temperaturas elevadas e com todas as pessoas tendo que acelerar ao máximo o processo produtivo... Insalubridade total era a regra para que os baixos custos e a eficácia promovessem o máximo de lucratividade...

“Aproximadamente uma semana depois de ter me tornado um funcionário no moinho, eu fui acometido por uma forte e pesada doença da qual poucos escapavam quando se tornavam operários nas fábricas. A causa dessa enfermidade, que também é conhecida como ‘febre dos moinhos’, é a atmosfera contaminada produzida por tantas pessoas respirando em espaços confinados ao mesmo tempo, com o calor e o exalar de graxas, óleos e gases necessários para iluminar o estabelecimento.” [Frank Forrest, em seu livro “Chapters in the life of a Dundee factory boy”, de 1850].

O resultado não poderia ser mesmo outro… Doenças respiratórias eram comuns, acidentes que deformavam ou mesmo matavam os trabalhadores também eram comuns, enfermidades de outras naturezas também abundavam... Como os direitos trabalhistas ainda não eram leis estabelecidas nas nações européias o que acabava invariavelmente acontecendo era a demissão dos funcionários acidentados ou adoentados e o não pagamento de indenizações às famílias daqueles que haviam perecido.

Se já não bastassem as condições insalubres, as longas jornadas e os salários baixos, não havia qualquer seguro ou garantia aos operários e a seus familiares quanto a integridade física dos trabalhadores, nem ao menos era possível prever se ao final da extensa carga de trabalho essas pessoas seriam capazes de retornar vivas para suas pobres casas. Algumas empresas ainda tentavam amenizar a perda acidental de alguns de seus funcionários oferecendo a vaga aberta em primeiro lugar para filhos, cônjuges ou parentes muito próximos que residissem junto com a família do falecido ou aleijado...

“Os primeiros dias de setembro são muito quentes. Os jornais noticiaram que homens caíram mortos durante as colheitas nos campos e que muitos cavalos também haviam morrido nos dias de trabalho na zona rural ou ao longo das estradas. Isso ainda que a temperatura nesse período não tenha superado a média de 29° na maior parte dos referidos dias. Qual, então, deve ser a situação das pobres crianças que estão condenadas à labuta pesada por quatorze horas diárias, em temperaturas médias de 29°? Pode algum homem, com um coração em seu corpo, e uma língua em sua boca, conter-se de amaldiçoar um sistema que produz tal escravidão e crueldade?” [William Cobbett, em relato de visita a uma fábrica têxtil no ano de 1824].

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Crianças trabalhando em condições inadequadas, sem equipamentos de segurança, em máquinas que poderiam acarretar acidentes... Retrato típico da industrialização até a primeira metade do século XX.

E o que acontecia aos homens que se dispunham a abrir suas bocas e corações para brigar por direitos básicos e essenciais em seus ambientes de trabalho? Eram perseguidos, demitidos e amaldiçoados pelo sistema. Seus nomes passavam a ser malditos e isso acarretava a impossibilidade de conseguir novos empregos em outras fábricas – mesmo que essas empresas estivessem localizadas em áreas ou países distantes.

E isso não parava por aí... As conseqüências estendiam-se também para seus familiares. Isso quando a perseguição não se tornava ainda mais violenta, com a perseguição física aos amotinados e rebeldes... Pouco importava se a temperatura interna dos locais de produção fosse elevada, as roupas pesadas a aumentar o calor dos corpos e a pressão interna dos organismos, a respiração dificultada pelos resíduos de carvão, óleos ou matérias-primas, a luminosidade parca que também colaborava para acidentes, a falta de equipamentos de segurança ou ainda as máquinas perigosas... A morte também rondava fora da fábrica aos rebeldes...

“No último verão visitei três fábricas têxteis em companhia do doutor Clough, de Preston, e do senhor Barker, de Manchester, e nós não conseguíamos ficar por mais de dez minutos nas fábricas sem tossir e respirar com dificuldade. Como então é possível agüentar para aqueles que estão condenados a ali permanecer por doze ou quinze horas? Se nós levarmos em conta a alta temperatura do ar e a contaminação desse mesmo ar, isso se torna um problema que deixa minha mente muito confusa, como as pessoas que sofrem com esse confinamento suportam isso por tão longos períodos de tempo.” [Dr. Ward, em depoimento sobre as condições de trabalho em fábricas têxteis no ano de 1919].

Doze, quatorze ou até quinze horas de trabalho. Nas piores condições imagináveis (e muitas vezes inimagináveis aos nossos olhos de cidadãos do mundo do terceiro milênio). Como essas pessoas conseguiram suportar todo esse sofrimento? Como as autoridades puderam fechar os olhos a toda essa exploração? Será que o mundo realmente mudou muito de lá para cá? Ou será que, apesar das supostas melhorias nas condições gerais de produção e trabalho, você não continua sendo um escravo sujeito a crueldades...

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