A Semana - Opiniões
“Temos uma escola de século XXI com a cara do século XIX”
Precisamos de meritocracia na educação
Não há atalhos para chegar ao pico da montanha...
“Veja
– É
mesmo possível transformar escolas de má
qualidade em bons colégios ou é melhor
fechá-las, como ameaça Michael Bloomberg,
prefeito de Nova Iork?
Eric Nadelstern é o CEO (Chief Executive Officer, ou em português, o chefe entre os executivos de uma corporação) da Secretaria de Educação de Nova York desde 2002, ou seja, durante a administração do prefeito Michael Bloomberg. Seu chefe, empresário destacado no cenário norte-americano, dono de um pequeno império na área de informações financeiras (sua empresa, a Bloomberg, com representação em vários países, inclusive no Brasil, é a 2ª maior do ramo no mundo), decidiu adotar na prefeitura da maior e mais importante cidade norte-americana do mundo uma administração eficiente como a de suas empresas.
A nomeação de um CEO para cuidar da educação é apenas a comprovação da migração de sistemas e modelos aplicados em empresas industriais, de serviços ou comerciais para o segmento da administração pública. O que Bloomberg resolveu fazer na educação também foi adotado na saúde, nos transportes, na limpeza pública, na cultura,...
E o que motivou o atual prefeito da “Big Apple” a decidir-se por essa postura ao tornar-se o responsável pelos destinos de uma das mais influentes metrópoles mundiais?
A constatação de que se esse sistema administrativo funcionava bem em suas próprias empresas e também na de inúmeros outros empresários bem sucedidos, por que não transferir essas práticas e conhecimentos para a esfera pública? Isso pode parecer bastante evidente, muito claro e óbvio quando dito dessa forma e após o exemplo de Nova York, que tem apresentado resultados muito bons em praticamente todas as áreas da administração municipal local.
Assim como é provável que outras cidades e prefeitos já adotem sistemática semelhante há algum tempo com resultados bons e, também, em alguns casos, ruins. Em termos de Brasil, por exemplo, Curitiba se destaca há alguns anos como administração pública modelo, em especial no que tange a obras e serviços públicos em determinadas áreas (como a de transportes coletivos). Ainda assim há diferenças evidentes e, o empenho na área educacional em Nova York é talvez a maior delas.
Há pedras e obstáculos e é necessário estar equipado...
No Brasil ainda não se estabeleceu no setor público e na educação em especial (e estamos longe de concretizar mínimos esforços nessa direção) a meritocracia, tão largamente utilizada na esfera empresarial privada. E em que consiste a meritocracia, nos conformes do Dicionário Houaiss, senão no estabelecimento de uma “sociedade, organização, grupo, ocupação, etc. daqueles que têm mais méritos (os mais trabalhadores, mais dedicados, mais bem dotados intelectualmente, etc.)” ou ainda de “um sistema de recompensa e/ou promoção (p.ex., num emprego) fundamentado no mérito pessoal”.
O próprio sistema público que preserva interesses corporativistas para agradar as bases eleitorais e perpetuar no poder seus representantes políticos nada mais é do que a comprovação de que entre nós realmente não impera a avaliação dos profissionais pelo seu esforço, dedicação, aperfeiçoamento através dos estudos, pontualidade, comprometimento, participação, freqüência,...
Dado esse comprovado recentemente através de pesquisa publicada na Folha de São Paulo (saiba mais sobre a pesquisa no link http://observatoriodaeducacao.blogspot.com/2007/11/professores-reprovados-por-faltas.html) que demonstra um grande índice de ausências entre os professores da rede pública paulista. De acordo com os dados auferidos, diariamente 1 em cada 10 professores de escolas públicas do mais rico estado da nação não vai trabalhar. Levando-se em conta que os professores paulistas da referida rede são mais de 300 mil, o contingente de faltosos por dia nas escolas públicas do estado é superior a 30 mil...
O mais interessante é constatar que muitos desses professores atuam paralelamente na rede pública e na privada e que, enquanto os índices das escolas do estado equivalem a 13%, nas escolas particulares esse índice não supera o 1%... E o que pesa nisso tudo? É justamente nesse ponto que entra a meritocracia, que as escolas privadas de certa forma já utilizam, já que operam como instituições que devem oferecer serviços qualificados e que, caso não sejam capazes disso, podem perder clientes e rendimentos enquanto na esfera pública não há essa preocupação.
Na rede pública, como os salários são considerados baixos, as condições estruturais inadequadas, os alunos mal educados, as famílias pouco cooperativas, os materiais pobres, a sistemática de progressão continuada e outros quesitos fundamentais deficientes, os professores não se sentem obrigados a ir além do básico... Tudo é fruto da constatação de que o problema é do sistema como um todo... Como se a própria atitude de acomodação e aceitação dos profissionais da educação também não fosse (ganho pouco e por isso, por que devo me esforçar, além do mais, isso não vai adiantar nada...).
Persistência e profissionalismo são quesitos fundamentais...
Não estou dizendo com isso que é aceitável o atual nível de rendimentos dos profissionais da área. Penso que é fundamental incentivar com melhores salários e condições, mas a esses estímulos devem ser adicionados elementos de cobrança, cooperação e supervisão constante dos trabalhos em educação. O que isso quer dizer, que os professores que quiserem melhores condições (e salários) têm que mostrar serviço e isso significaria, na prática, que suas salas e alunos (no geral) fossem melhor avaliados no IDEB, Saresp, na Provinha Brasil, no ENEM, no PISA; que esses mesmos professores deveriam fazer cursos para se atualizar e melhorar (realmente) suas práticas pedagógicas; que a presença e a pontualidade fossem fatores levados em consideração para o pagamento dos docentes e funcionários da educação,...
Aí sim avançaríamos e estaríamos aplicando, como prega Eric Nadelstern, a dinâmica e a lógica da sociedade e do tempo em que vivemos também a educação. Sei que a muitos educadores isso soa ofensivo, mas penso que quem não tem medo do trabalho, de se aperfeiçoar, de criar, de se arriscar e, principalmente, de enfrentar com fé, dignidade e coragem aos desafios de nossa estimulante profissão nada tem a temer, pois serão vitoriosos em seus esforços... Está mais do que na hora de sair do século XIX e chegar ao terceiro milênio...