Aprender com as Diferenças
A inclusão de crianças surdas ao sistema educacional
Por Mário Osava
Rio de Janeiro, 11 março (IPS) - Eduardo Monte, 51 anos, é um engenheiro brasileiro surdo. Consultor para várias empresas pequenas, ele também atua na área de projetos sociais no Rio de Janeiro.
Aos seis anos começou a sofrer de problemas de
audição, tornando-se mais surdo com o passar de
cada ano, e mesmo assim, conseguiu estudar em escolas normais. Para ele
foi uma experiência muito positiva embora tenha enfrentado a
eventual discriminação de professores que
não souberam lidar com alunos portadores de necessidades
especiais.
A experiência de Eduardo é uma rara
exceção no Brasil. Um estudo sobre a
educação dos surdos, realizado no ano 2003 pelo
IBGE, identificou apenas 344 alunos surdos matriculados nas
universidades brasileiras.
O Ministério de Educação (MEC) estima
que 80% das crianças e adolescentes surdos não
freqüentam a escola. Segundo o censo oficial de 2000, o Brasil
tem uma população de 182 milhões, dos
quais 5,75 milhões são surdos, equivalente
à população inteira da Dinamarca.
Deste total, 796.344 tinham menos de 24 anos. Já no censo de
2003, foi constatado que 56.024 surdos estavam matriculados nas escolas
primárias e secundárias do pais, com 2.041
formando-se do ensino médio nesse ano.
Para Marlene Oliveira Gotti, assessora técnica da Secretaria
de Educação Especial do Ministério de
Educação, muitos pais de família nem
sabem que os seus filhos surdos possuem o direito de estudar. "Das
poucas crianças que vão à escola", diz
ela, "muitas acabam desistindo porque não conseguem
acompanhar instrução em português
falado, já que o método mais utilizado
é fundamentado no oralismo".
A intenção da Política de
Inclusão Educacional do governo tem como objetivo reverter
esta situação e assumiu o desafio de proporcionar
"educação para todos" através da
inclusão de 30% de crianças surdas à
rede de ensino dentro dos próximos três anos. O
projeto visa instruir a Língua Brasileira de Sinais, ou
LIBRAS, para 27 mil professores e intérpretes em centros de
treinamento estabelecidos nos 27 capitais estaduais brasileiros. Ainda,
cursos de pós-graduação em LIBRAS,
reconhecida legalmente em 2002 como a língua oficial da
comunidade surda no Brasil, serão estabelecidos.
O projeto prioriza a inclusão de crianças com
deficiência auditiva dentro de salas de aulas normais com
já foi realizado com portadores de outras
deficiências. Atualmente, a maioria de alunos deficientes
recebem instrução em salas ou
instituições especiais.
Segundo Gotti, a imensidão do Brasil impossibilita o acesso
de alunos surdos às escolas especiais do pais, o quinto
maior em território do mundo. Muitos teriam que mudar longe
de casa para poder assistir a uma escola especial para surdos.
Ainda mais, o objetivo é tanto a
educação quanto a inclusão social. "A
escola representa a sociedade. Não podemos criar mundos
separados para aqueles que ouvem e aqueles que não" diz
Gotti. Para ela "a compreensão profunda do potencial do
deficiente auditivo pode acabar com o preconceito e a
discriminação, e esta compreensão
é produto da convivência e do conhecimento
pessoal."
Segunda a Lei, nenhuma escola pode rejeitar uma criança com
necessidades especiais, e todas as instituições
educativas devem adaptar para atender estas necessidades, diz Gotti.
A Federação Nacional de
Educação e Integração de
Surdos, FENEIS, tem questionado a eficácia desta
política, e apóia a criação
de escolas bilíngües (português e
língua de sinais) para atender às necessidades
desde a pré-primária.
Segundo Tanya Felipe, pesquisadora em lingüística e
assessora da FENEIS, a incorporação de
crianças surdas não proporciona
inclusão verdadeira. Ela cita a qualidade
precária das escolas e o fato que "nem os professores nem as
redes municipais e estaduais, responsáveis pela
educação primária e
secundária, querem estas crianças" diz ela para a
Inter Press Service (IPS).
O deficiente auditivo é visto como uma carga. Senta-se
silenciosamente no fundo da sala, sem contribuir nem aprender nada.
"Uma professora admitiu que nem percebeu que tinha um aluno surdo na
sala até o final do ano", citou.
"O projeto do governo inclui a criação de salas
de apoio para os deficientes auditivos, já reconhecendo que
as salas normais não conseguem dar conta do recado", diz a
lingüista Tanya. "Ao invés de dar `apoio` devem
ensinar em ambos idiomas, português e LIBRAS," frisou. "Os
surdos são diferentes de outros portadores de
deficiências pois possuem uma língua
própria, visual, sinalizada, com uma gramática
única e logo uma ‘cultura’ diferente",
anotou.
A maioria de crianças com deficiências auditivas
vem de pais ouvintes que não sabem a Língua de
Sinais, portanto, as crianças chegam à escola sem
linguagem nenhuma. Já que a criança chega
à escola sem saber nem a língua portuguesa nem a
Língua de Sinais "não podemos ter a
alfabetização como meta - ela tem apenas um ano
de idade em termos lingüísticos e não
seis ou sete" diz a especialista.
A doutora Tanya acredita que a criança precisa ter contato com a "comunidade dos surdos" para adquirir a linguagem através de interação social verdadeira, acrescentou. Mesmo assim, reconheceu que o projeto do MEC representa um "passo para frente", levando a educação para crianças surdas até o interior do país, e obrigando as escolas que anteriormente se esqueceram dos surdos a aceitá-los. "Agora", segundo ela, "a dificuldade é criar as condições em que o aluno surdo pode aprender."
A iniciativa do governo conta com o reconhecimento de
instituições federais como o INES (Instituto
Nacional de Educação de Surdos),
depósito de décadas de experiência. O
INES, com 600 alunos surdos, terá o primeiro departamento
universitário Português - LIBRAS, anunciou o
diretor Marcelo Cavalcanti.
O departamento começará a funcionar no final
deste ano. O Instituto já ministra cursos de LIBRAS para
professores de estados fora do Rio de Janeiro, na forma de
seminários promovidos pelos governos locais, "mas a
resistência inicial à política de
inclusão continua sendo uma barreira formidável",
diz Cavalcanti.
Para Eduardo Monte, o engenheiro surdo, a melhor forma de ensino para
um estudante surdo, seja numa escola normal ou especial "depende da
habilidade de cada um a se comunicar. Alguns conhecem mais a
Língua de Sinais enquanto outros são oralizados
(falam e lêem lábios), e outros são
bilíngües (falam Português e LIBRAS)"
No caso do Eduardo, a comunicação oral predomina,
devido, tal vez, ao fato de poder falar português antes de
perder a audição.
Fonte
Editora ARARA AZUL
Este texto pode ser reproduzido, livremente com fins educacionais,
desde que a fonte seja citada:
Home Page www.editora-arara-azul.com.br
Notas:
1) O
presente artigo de autoria de MÁRIO OSAVA, traduzido e
divulgado por AARON RUDNER através de
brasils@yahoogrupos.com.br no dia 25 de março de 2005,
publicado com texto original em inglês, no Jornal
USA Today,
encontra-se
disponível para leitura em E-BOOKS da Editora ARARA AZUL
(www.editora-arara-azul.com.br) a partir de abril de 2005. Segue a
este, mensagem de divulgação do mesmo.
2) O
Sr. MARCELO CAVALCANTI é vice-diretor do INES.
Mensagem de AARON RUDNER em http://br.groups.yahoo.com/group/brasils/ em 25/03/05
“Uma
amiga surda em Chicago encaminhou este artigo para mim. Foi divulgado
pela IPS, Inter Press Service, uma agência que fornece
notícias a jornais no mundo todo. O artigo original era em
inglês e eu o traduzi pois acho importante que todos tenhamos
conhecimento que os acontecimentos que vivemos aqui estão
sendo observados pelo mundo.
Aliás, que um
"país em desenvolvimento" tome atitudes como adotar a Lei de
Libras e implementar uma política de inclusão de
tamanha escala representa um marco na história dos surdos.
Por tanto, é tão importante que nós,
surdos e ouvintes envolvidos na comunidade de surdos, ajamos para que o
Brasil implemente uma política verdadeiramente inclusiva e
não apenas abandonar alunos surdos em escolas de ouvintes
como está sendo feito.
Assim como o Brasil olha para
fora, outros países também olham para
cá.
Os nossos passos
afetarão não apenas a vida dos surdos aqui, mas
no resto do mundo também. A minha amiga recebeu o artigo
através de um grupo servidor de notícias do mundo
surdo.
Assinar é
grátis e o endereço, caso queira assinar,
é:
USA-L_News@yahoogroups.com
Por favor, peço que
divulguem esta notícia.