Carpe Diem
Cronos e Cairós
Bárbara Freitag
“Os gregos diferenciavam, como sabemos, entre dois conceitos distintos de tempo: cronos e cairós. O primeiro refere-se à passagem contínua do tempo (donde, cronologia) e o segundo conceito refere-se ao momento certo, maduro, para certos eventos. Há, também, no caso da psicogênese infantil, momentos certos (cairós) para promover o pensamento lógico, a moralidade autônoma e a competência lingüística. Sociedades que se omitem e não fornecem as condições materiais e sociais adequadas para as novas gerações nos momentos certos, perdem a oportunidade de criar cidadãos maduros, capazes de assumir com responsabilidade e autonomia suas funções na sociedade.”
(Bárbara Freitag, Socióloga Brasileira).
Batons e perfumes substituem as bonecas aos 8 ou 9 anos de idade. Telefones celulares se tornam presentes aos 10 ou 11. Se aos 12 ou 13 o menino ainda não “ficou” pra valer com nenhuma “gatinha”, tendo trocado beijos e carícias, ele passa a ser discriminado. Quando a menina tem 13 ou 14 anos espera-se que ela já tenha “experiências” e que freqüente “bailinhos”, festinhas e barzinhos...
A infância tornou-se uma chaga. Ninguém mais quer ter crianças em casa. A televisão apregoa através de exemplos em filmes, telenovelas ou noticiários que todos devem ser “espertos”, “descolados” e cada vez mais ousados. Brincar em parquinhos ou vestir roupas com símbolos da infância para quem tem 10 anos torna-se inaceitável. Surgiu até uma nova etapa do crescimento e evolução humana, detectada por especialistas, chama-se pré-adolescência...
O Cronos, medida de tempo dos gregos como nos ensina Bárbara Freitag, se sobrepõe ao Cairós. A passagem contínua do tempo supera a natural e impõe compromissos e realidades que não se relacionam diretamente ao que os corpos e mentes de nossas crianças acomodam, esperam, precisam e carecem.
Não há, ironicamente, tempo para a maturação. Aboliu-se a possibilidade de vivenciar etapas em que a aprendizagem e o crescimento acompanham as possibilidades físicas, intelectuais e afetivas naturais das pessoas. Precisamos ser adultos ou, ao menos, protótipos dos mesmos, ainda hoje... E como o tempo urge, parece que estamos sempre atrasados...
Não à toa as crianças começaram a ter enfermidades de adultos... Dores de cabeça inesperadas da superação precoce de etapas que a vida sempre nos ensinou a preservar, respeitar, reconhecer e admirar...
Não há muito espaço para os pequenos exercerem seus direitos de criança. E esses domínios não são apenas restritos no âmbito das cidades, escolas, casas ou demais áreas por eles freqüentadas... A imposição cultural nesse sentido é tão autoritária e premente que a alienação se estabelece também na cabeça de todos...
Os próprios pais e mães, educadores e autoridades, parentes e amigos próximos cobram, a todo instante, de forma consciente e inconsciente, que em lugar das crianças surjam os tais protótipos de adultos... Onde está o respeito ao Cairós? Será que algum dia devolveremos as crianças a possibilidade de vivenciar a infância com alegria, sem preocupações não condizentes a essa etapa da existência humana, com chances de amadurecer e se desenvolver no tempo certo?