De Olho na História
Banana: A musa paradisíaca
A história de um alimento que se tornou ícone
Carmem Miranda, símbolo brasileiro de toda uma época (apesar de portuguesa de nascimento), carregava consigo a imagem das frutas tropicais em sua cabeça. A cantora e atriz tinha como destaque em seu lenço/chapéu as bananas e o abacaxi, entre outras frutas oriundas das regiões quentes do planeta.
O sociólogo Gilberto Freyre, um dos maiores expoentes da produção intelectual brasileira também incluía entre suas preferências gastronômicas o consumo dessa “fruta pequena e alongada, de casca amarela (quando madura) e polpa firme, saborosa e perfumada”, conforme apresentação feita pela autora Maria Lúcia Gomensoro em seu Pequeno Dicionário de Gastronomia.
Apesar de historicamente difamada a partir de sua associação com as republiquetas latino-americanas geridas por ditadores militares ou governos que atendiam aos interesses de grandes empresas multinacionais norte-americanas ou européias, a banana encontrou seu espaço na gastronomia internacional, tanto no prato dos trabalhadores mais simples das regiões tropicais quanto na mesa de famílias abastadas ou nobres de países de clima temperado e frio.
Há apenas uma variedade nativa do Brasil, a conhecida Banana da Terra, sendo que todas as demais - banana-prata, banana-figo, banana-ouro, banana-maçã, banana-nanica e banana-robusta – são originárias de países africanos ou do Extremo Oriente. Há menções a banana em escritos do poeta budista Pali, datadas do século VI a.C. assim como nos célebres poemas épicos indianos, Mahabharata e Ramayana.
Os principais agentes de transplantação da banana para outros continentes a partir de suas matrizes indianas, chinesas, indonésias e malaias foram os árabes que levaram essa fruta para a África. O trampolim africano foi importante para que a banana viesse a singrar o Oceano Atlântico e migrar para as Américas nas variedades que aqui não existiam. Essas variedades que não são típicas do Brasil foram aclimatadas e adaptadas ao nosso território ainda durante o século XVI, a partir de matrizes trazidas de outras colônias portuguesas (como os arquipélagos de Cabo Verde, Madeira ou Açores).
Uvas, abacaxis e bananas (ao fundo), faziam parte da indumentária de figurinos e shows de Carmen Miranda.
A musa paradisíaca (o nome científico dessa tão apreciada fruta) é o fruto das bananeiras, pertencente à família das musáceas e, de acordo com o Pequeno Dicionário da Gula, de autoria de Márcia Algranti, possui mais de trinta espécies apenas em terras brasileiras. Seu consumo pode ser feito ao natural, apenas sendo necessária a retirada de suas cascas, ou ainda cozida, frita, assada ou como compota.
Por suas qualidades nutricionais (é rica em hidratos de carbono, sais minerais, potássio e vitaminas A, B, C e E), a banane (grafia da palavra em francês e alemão) é utilizada como substituta dos pães ou da batata em alguns países africanos e centro-americanos.
Nessas substituições acaba sendo colocada em cozidos, pratos fritos, feita em caldas como purê ou ainda adicionando-se açúcar, manteiga e canela (em versão muito conhecida pelos próprios brasileiros).
No que se refere às produções gastronômicas internacionais a utilização do platano (nome da fruta em espanhol) está presente em preparações tradicionais de países como Cuba, Tailândia, Índia, Antilhas ou ainda de ilhas da Oceania, além, é claro, de estar freqüentemente em pratos africanos. Destacam-se então tanto na preparação de receitas salgadas (como farofas ou croquetes) quanto, principalmente, na elaboração de apreciadas sobremesas como bolos, tortas, sorvetes, recheios de folhados, flambados,.
No que se refere a sua história, os registros iniciais acerca da banana remontam a influência mulçumana sobre a gastronomia européia. No texto A cozinha árabe e sua contribuição à cozinha européia, de Bernard Rosenberger, há uma menção à musa paradisíaca como um dos produtos que passaram a fazer parte de um intercâmbio comercial e cultural entre a região do Oriente Médio, a partir da Pérsia, com a Europa, durante o século XIV.
Isso não significa, logicamente, que o consumo desse alimento tenha sido inexistente antes do período final da Idade Média. Há dados em outras fontes que registram o aparecimento e consumo da banana desde o período anterior ao aparecimento de Cristo na terra. Segundo alguns estudiosos sua existência remonta aos séculos VI ou V a.C. a partir de origens malasianas ou indianas.
A banana disseminou-se pelo mundo a partir de suas origens asiáticas e africanas.
(Acima: Obra de arte concebida pelo artista Doug Fishbone
Existe ainda uma lenda indiana que identifica as bananas como sendo os frutos que foram oferecidos a Adão na célebre passagem bíblica, o que, de certa forma, explicaria a identificação da mesma como sendo a “fruta do paraíso”, idéia essa reiterada a partir do próprio nome científico dessa iguaria.
Apesar de seu advento tão precoce ao mundo dos alimentos comestíveis identificados pela humanidade, a banana teve que esperar a chegada do século XIX para se tornar um produto disponível aos consumidores de todos os paralelos e meridianos. Sua ascendência tropical a condenou em todos os períodos históricos anteriores a manter-se afastada dos mais abastados e movimentados mercados mundiais, particularmente do europeu.
A oferta reduzida acabou, por sua vez, fazendo com que o fruto da bananeira não se se torna parte freqüente dos cardápios específicos de nações de climas temperados ou frios. Isso não quer dizer, obviamente, que ingleses, holandeses, alemães, franceses, japoneses ou norte-americanos a desconheçam ou que não apreciem seu sabor e suas possibilidades enquanto alimento.
A realidade é justamente inversa nessa equação da vida real. As possibilidades tecnológicas provenientes da Revolução Industrial permitiram que, a partir do advento dos trens, cargueiros, automóveis e aviões, as distâncias diminuíssem consideravelmente e que, como conseqüência disso, alimentos tropicais (como a banana ou o abacaxi) pudessem superar fronteiras com suficiente rapidez e em quantidades cada vez maiores para que viessem a ser oferecidas em mercados antes desconhecedores de sua formosa e deliciosa existência.
A queda no preço dos fretes também contribuiu muito para a proliferação do consumo de frutas como a banana, as cítricas ou o abacaxi pelo mundo afora. O que a princípio era apenas mais um negócio do ramo alimentício, tornou-se em alguns anos uma lucrativa fatia desse filão comercial. A banana e seus congêneres tropicais literalmente vieram a banalizar-se em mercados nos quais em épocas anteriores raramente existia.
O surgimento desse grande mercado motivou o surgimento de empresas de porte avantajado para suprir a crescente demanda dos principais mercados mundiais. Nas Américas foi criada a United Fruit, que utilizando-se das férteis terras, do clima quente e da mão de obra de baixo custo, produzia enormes quantidades de bananas, abacaxis, laranjas e outras frutas em países centro ou sul americanos e depois remetia essa produção para os Estados Unidos e o Canadá.
A modernização dos meios de transporte e comunicação tem permitido que frutas tropicais, como a banana, sejam disponibilizadas em mercados de países com clima temperado e frio, como os Estados Unidos. (Acima, obra de arte concebida pelo artista Doug Fishbone).
Na Europa as áreas de produção foram constituídas nos arquipélagos da costa atlântica (Cabo Verde, Açores, Madeira, Canárias) pertencentes a Portugal e Espanha. Nesses locais algumas companhias, entre as quais se destaca a inglesa Elder’s and Fyffe’s, extraíam com boa lucratividade e a pequenas distâncias do continente europeu, variedades de bananas e outros gêneros tropicais cuja procura aumentava consideravelmente em países como França, Inglaterra, Espanha, Itália,...
Se entre os europeus e demais habitantes dos países de clima temperado e frio do hemisfério norte o consumo das bananas popularizou-se apenas a partir do século XIX, a história do Brasil registra o consumo regular dessa fruta desde antes da chegada dos portugueses ao país. Trata-se, em verdade, de uma autêntica paixão nacional desde os idos de 1500, como nos atesta Luís da Câmara Cascudo em sua célebre obra sobre a História da Alimentação no Brasil, em que dedica todo um capítulo (O Caso das Bananas) a esse alimento.
A fruta mais popular no Brasil é a banana (Musácea). Crua, assada, cozida; com açúcar, canela, doce em calda e a bananada, compacta; assada, com queijo, cartola; farinha para as crianças; mingau; tortas. Com mel. Licor. Cozidas acompanham os cozinhados, feijoadas, lombos. Os guatós do alto Paraguai, Mato Grosso, fazem sopa de bananas verdes de que Max Schmidt ficou devoto. Banana com farinha não é só um pospasto mas quase uma refeição. É a fruta íntima e comum, fiel ao pobre, saboreada por todas as idades e paladares. Sem trabalho e sem complicações.
Com a produção circunscrita ainda hoje aos ambientes tropicais e subtropicais, os maiores produtores mundiais de banana encontram-se no hemisfério sul, entre os quais se destacam a Índia, o Brasil, o Equador, a Indonésia e as Filipinas. No Brasil são conhecidas mais de trinta espécies de bananas. O consumo é basicamente feito pelo mercado interno brasileiro.
A variedade mais produzida no mundo inteiro é a nanica, também chamada em terras brasileiras de banana-d’água, anã, caturra, cambota e banana da china. Além de saboroso alimento, a banana é ainda utilizada em algumas regiões do planeta de forma praticamente integral, servindo como material de construção, na confecção de cordas e barbantes, teto para abrigos como choupanas ou cabanas e ainda fornecendo outros elementos de sua composição como matéria-prima para atividades humanas (ao cortar-se a ponta do cacho há o fornecimento de água em quantidade suficiente para matar a sede; o coração da bananeira pode ser usado como alimento ou ainda enquanto combustível depois de secar ao sol).
Diante de todas essas evidências, vão ficando cada vez mais claros os motivos que levaram a banana a ter um nome científico tão sugestivo quanto musa paradisíaca. Trata-se, com certeza, de um alimento capaz de alimentar a alma, saciar os sentidos e adocicar o cotidiano ao mesmo tempo em que pode dar teto, matar a sede e, principalmente, dar graça e leveza a existência humana a ponto de fazer-nos sentir a própria essência do paraíso...