Planeta Educação

Planeta Literatura

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O Diário de Anne Frank
Coluna Planeta Literatura

Foto-de-Anne-Frank-em-1940
Anne Frank em 1940

“Espero poder confiar inteiramente em você, como jamais confiei em alguém até hoje, e espero que você venha a ser um grande apoio e um grande conforto para mim.”

Anne Frank, 12 de junho de 1942

Poucos relatos ficaram tão conhecidos como o diário escrito por uma menina judia, recém-saída da infância, que não chegaria a maioridade por se tornar mais uma vítima da intolerância e da brutalidade do nazismo alemão.

Muito mais que um simples diário, os escritos de Anne Frank se tornaram um documento histórico. São registros de uma época de dor e profunda amargura em toda a Europa, principalmente entre os judeus que viviam na Alemanha e na Polônia. O medo de serem aprisionados e transportados para campos de concentração não permitia a Anne e seus familiares nem ao menos se deslocar livremente nos estreitos espaços nos quais haviam se escondido.

Havia uma grande expectativa por parte de toda a família Frank quanto aos movimentos da guerra e as eventuais vitórias dos aliados. Essa grande ansiedade era suprida com notícias da guerra, transmitidas pelas rádios européias, como a BBC inglesa.

“A maior surpresa foi dada pelo sr. Van Daan ao anunciar, à uma hora, que os ingleses haviam desembarcado na Tunísia, Argélia, Casablanca e Oran. – Este é o começo do fim – diziam todos, mas Churchill, o primeiro-ministro britânico, que provavelmente ouvira o mesmo em Londres, disse:- Isso não é o fim. Nem mesmo é o começo do fim. É talvez o fim do começo. – Você percebe a diferença? É claro que não há razão para otimismo. A cidade russa de Stalingrado, que há três meses está se defendendo, ainda não caiu nas mãos dos alemães.”

Anne Frank, 9 de Novembro de 1942

Imagem-do-Anne-Frank-Remembered
Em 1996 foi lançado o documentário “Anne Frank Remembered” em
que se tentava apresentar um pouco da vida dessa jovem notável.

Entretanto, Anne Frank foi uma exceção, num período de grande hostilidade, preservada em sua integridade pelo esconderijo, tendo a seu dispor parcos recursos, pôde escrever a respeito daquilo que estava acontecendo na guerra e relatar, passo a passo, momento a momento, as dificuldades pelas quais seu pequeno grupo passava.

Há passagens surpreendentes em que o estado de espírito do grupo se mostrava melhor, motivado por situações corriqueiras, do cotidiano, como a celebração de aniversários ou a obtenção de alimentos. Em outras passagens do texto, notamos a apreensão de todos quanto aos destinos dos judeus e as vitórias do Eixo.

De suas janelas, às escondidas, conseguiam acompanhar alguns dos acontecimentos que ocorriam na Holanda, ocupada pelos alemães.

“Assisti a uma tremenda batalha aérea entre aviões alemães e ingleses. Infelizmente alguns dos aviadores aliados tiveram de saltar de seus aviões em chamas. Nosso leiteiro, que mora em Halfweg, viu quatro canadenses sentados à beira da estrada, sendo que um deles falava holandês fluentemente. Pediu ao leiteiro que lhe acendesse o cigarro e contou que a tripulação constava de seis homens. O piloto morrera queimado e o quinto deveria estar escondido em algum lugar. A polícia alemã veio e levou os quatro homens perfeitamente sãos. Fico a imaginar como é que podiam estar com a cabeça fria e a mente clara, depois daquele apavorante salto de pára-quedas.”

Anne Frank, 18 de Maio de 1943

Como alternativa para o tédio que, muitas vezes parecia tomar conta do pequeno mundo em que haviam se estabelecido, os Frank aproveitavam para ler e se informar. Lia-se de tudo, a respeito de assuntos os mais diversificados possíveis. Depositavam nas leituras a esperança de que no futuro, esse conhecimento pudesse lhes ser favorável. Ao mesmo tempo, queriam se sentir úteis e integrados as parcas noções de humanidade que lhes restavam naquele período de nuvens negras que demoravam a se dissipar...

Varias-fotos-de-Anne-Frank
Essa sequência de fotos de Anne Frank nos mostra sua
evolução a partir de 1935 até 1942, pouco antes de sua família
se esconder no Anexo Secreto das perseguições dos nazistas.

“No momento, estou lendo O imperador Carlos V, escrito por um professor da Universidade de Göttingen; trabalhou neste livro durante quarenta anos. Em cinco dias, li cinquenta páginas; mais é impossível. O livro tem quinhentas e noventa e oito páginas, calcule agora quanto tempo vou levar para terminar. Há ainda um segundo volume. Mas é muito interessante!
Quanto uma menina de escola aprende num só dia! Primeiro traduzi um trecho do holandês para o inglês, sobre a última batalha de Nelson. Depois percorri, por alto a guerra de Pedro, o Grande, contra a Noruega (1700-1721). Carlos XII, Augusto, o Forte, Stanislau Lezinski, Mazeppa, Von Görz, Brademburgo, Pomerânia, Dinamarca e mais as datas de costume.
Depois fui parar no Brasil, li coisas sobre o tabaco da Bahia, a abundância de café e o meio milhão de habitantes do Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo, sem esquecer o rio Amazonas...”

Anne Frank, 27 de Abril de 1944

Em agosto de 1944, mais precisamente no dia 4, denunciados a holandeses nazistas, os ocupantes do Anexo Secreto, todos judeus, entre os quais Anne Frank e seus familiares, foram presos pela Polícia de Segurança Alemã e enviados para Auschwitz...

Imagem-de-um-predio-de-escritorios
Esse é o prédio de escritórios onde Anne Frank
e sua família se esconderam entre 1942 e 1944.

Apesar disso, prevalecem ainda hoje, as palavras marcantes daquela menina-moça, no esplendor de seus 15 anos, como um marco de resistência ao Nazismo e todas as violências representadas por esse regime. Como no trecho que segue...

“Realmente, é de admirar que eu não tenha desistido de todos os meus ideais, tão absurdos e impossíveis eles são de se realizar. Conservo-os, no entanto, porque apesar de tudo ainda acredito nas pessoas, no fundo, são realmente boas. Simplesmente não posso construir minhas esperanças sobre alicerces formados de confusão, miséria e morte. Vejo o mundo transformar-se gradualmente em uma selva. Sinto que estamos cada vez mais próximos da destruição. Sofro com o sofrimento de milhões e, no entanto, se levanto os olhos aos céus, sei que tudo acabará bem, toda essa crueldade desaparecerá, voltarão a paz e a traquilidade.”

Anne Frank, 15 de Julho de 1944

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas