A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Inspiração para o Voluntariado - 28/08/2007
Editorial

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Menino cambojano envolvido com a leitura em Siem Reap.
(Foto de Becky Gray, para a Room to Read)

Assisti recentemente a uma reportagem da TV Globo em que eram apresentados alguns exemplos de trabalho voluntário desenvolvido por jovens em diferentes regiões do país. Na tela da televisão, como um poderoso recado para o mundo, jovens de norte a sul do Brasil demonstravam orgulho, satisfação verdadeira e estavam nitidamente se sentindo valorosos e úteis socialmente. Faziam trabalhos de defesa do meio ambiente, de apoio a instituições que cuidam de idosos, zelavam por crianças carentes, propagavam a cultura nacional ou visitavam hospitais atuando como versões juvenis dos doutores da alegria.

Tudo o que fazem repercute, e muito, não apenas para as pessoas e espécies as quais estão dedicando seu tempo, atenção e carinho. As boas conseqüências de seus belos atos também incidem para cada um dos jovens que se envolve diretamente em projetos sociais de voluntariado. Além de levarem música, diversão, conscientização, carinho e esperança para idosos, crianças carentes ou espécies em extinção, cada um desses garotos, garotas e jovens dá a si mesmo uma perspectiva de mundo futuro muito melhor e mais positiva.

Digo a meus alunos que temos que pensar sempre em cada ação, ato e prática que realizamos em nossas vidas, pois queiramos ou não, estamos e estaremos influenciando não apenas o nosso cotidiano, a nossa carreira ou mesmo as pessoas que nos são mais próximas como nossos familiares, amigos ou colegas de trabalho. A cada novo nascer do dia temos a nossa frente inúmeras chances de tornar o mundo um lugar melhor e, como bem nos lembram os chineses e orientais em geral, cada acontecimento que ocorre no mundo, como por exemplo, o plantio de uma nova muda de árvore ou a morte de uma borboleta, interferem (positiva ou negativamente) na vida de todos os passageiros dessa imensa nave-mãe que é o nosso planeta Terra.

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A comunidade atendida pelos projetos sociais da Room to Read é sempre envolvida nas ações para que sintam-se responsáveis pela manutenção e preservação daquilo que foi construído por todos. Na foto, mulher nepalesa ajuda a transportar material de construção para a escola da comunidade. (Foto de Stacey Warner)

Terminei de ler o inspirador livro "Saí da Microsoft para mudar o mundo", de John Wood, publicado pela editora Sextante. Por esse motivo irei utilizar esse exemplo para ilustrar o quanto podemos fazer individualmente para tornar o futuro mais promissor. Sem deixar de lembrar que uma pessoa motivada e engajada pode (e deve) conquistar e ampliar as redes de apoio ao voluntariado no mundo. A doação de uma ou duas horas por dia ou por semana em prol de projetos que lutam pela natureza, pela alfabetização, por campanhas de saúde ou pelo apoio a idosos e crianças carentes é também, um alimento para a alma e a celebração de um ensinamento filosófico e religoso consagrado há milhares de anos, ou seja, “faça o bem”.

Há várias lições ao longo da leitura do livro de John Wood. Em suas páginas entramos em contato com o projeto social desenvolvido pela ONG Room to Read (Sala de Leitura), que poderiam ser aproveitadas por muitos de nós, brasileiros e, particularmente pelos profissionais da educação, tão acostumados a reclamar constantemente de suas condições gerais de vida e trabalho e de utilizar as mesmas como subterfúgio para não promover mudanças mais do que necessárias e estratégicas na educação.

Basta apenas lembrar alguns dados divulgados por Wood em seu livro (para tanto reproduzo abaixo um trecho com informações sobre o Nepal) para que paremos por um instante de reclamar e nos mobilizemos...

"O Nepal é um dos mais belos países do mundo. É também um dos mais pobres. É difícil dar meios de sustento à população quando a maior parte do território é montanhosa e quase inabitável. É uma tarefa árdua plantar a quase 4.000 metros de altitude, e impossível a 5.000 metros. Uma medida da pobreza: os nepaleses têm renda per capita de U$ 400. Um índice mais revelador: paguem U$ 0,30 a uma família local e vocês terão uma cama para dormir à noite."

E o que torna a experiência da Room to Read diferente de tantas outras? A preocupação em auxiliar as crianças do Nepal, do Vietnã e de outros países pobres a ter acesso a escolas e livros? As metas de auxílio sempre elevadas e desafiadoras? O envolvimento de pessoas prósperas, mas não necessariamente milionárias como financiadores desse projeto? O trabalho em parceria com as comunidades, com o envio de material e recursos para a construção e manutenção de escolas e bibliotecas enquanto a comunidade se encarrega de construir e preservar os prédios e livros? A divulgação pública dos resultados e a propagação das experiências através da internet para ter mais credibilidade e conseguir mais pessoas interessadas em ajudar?

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A concessão de bolsas de estudo pela Room to Read somente para meninas tem como objetivo promover o acesso à educação as crianças do sexo feminino, que nesses países tem muito maior dificuldade para conseguir estudar do que os meninos. Nessa imagem temos meninas do Nepal beneficiadas com bolsas da instituição. (Foto de Nabidita Shrestha)

Acredito sinceramente que tudo isso, em conjunto, constitui um diferencial do trabalho de John Wood e de sua equipe da Room to Read, no entanto, o que mais me atraiu a atenção foi o compromisso de transformar as doações obtidas em recursos reais, transmitidos praticamente sem subtrações, para as comunidades auxiliadas. E o que quero dizer com isso? O custeio, ou sejam, as despesas da instituição não são altas e não há perspectivas de lucros pessoais ou institucionais. Com isso, se uma pessoa doa 10 mil dólares para o grupo com o intuito de financiar a construção de uma escola no Nepal, esse dinheiro torna-se realmente uma escola e não é desviado para outros fins...

Isso ocasionou, desde o surgimento da ONG Room to Read, no ano 2000, os seguintes resultados (informações disponíveis no website da instituição):

- 287 escolas já foram construídas.

- 3.870 bibliotecas foram abastecidas com milhares de livros.
- Mais de 1 milhão e 400 mil livros em língua inglesa foram doados.
- Quase 3.500 bolsas de estudo de longa duração (até o final dos estudos) para meninas foram concedidas (nos países asiáticos a dificuldade de acesso aos estudos é muito maior entre as meninas do que entre os meninos, por isso a instituição resolveu auxiliar a quem mais precisa, no caso as meninas).
- 136 laboratórios de línguas e de informática já foram criados (esse projeto do Room to Read é mais recente).
- 146 livros infantis com base na cultura local foram publicados, o que representa um acréscimo de 1 milhão e 300 mil livros para as bibliotecas dos países auxiliados.

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A inclusão digital também faz parte dos projetos desenvolvidos pela Room to Read. Na imagem um dos laboratórios criados pelo grupo em Tien Hoc Len, no Vietnam. (Foto de Rob Poor)

Sei também de projetos brasileiros, como por exemplo, aqueles desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna, pelos Doutores da Alegria ou ainda pela Fundação Gol de Letra, que também têm resultados notáveis na luta contra mazelas sociais que já deveriam ter sido extintas do país há muito tempo. E penso que há disposição e vontade de atuar voluntariamente no 3º Setor por parte dos jovens brasileiros e também de inúmeros adultos. A reportagem da Globo, por exemplo, noticiou que os 8 milhões de voluntários jovens equivalem somente a aproximadamente 40% dos jovens que gostariam de se engajar em ações e projetos dessa natureza.

De qualquer forma, penso que a experiência é tão importante e marcante que o livro deve ser lido por todos. E gostaria de conhecer, através de relatos como o do livro “Saí da Microsoft para mudar o mundo”, outras experiências desenvolvidas no mundo e, em especial, no Brasil. Quem sabe desse relato (e dos outros que porventura já existirem ou que venham a ser criados), não surjam brasileiros dispostos a também "mudar o mundo" para melhor, como Wood está fazendo!

Obs. 1) Aproveito esse editorial para pedir a todos aqueles que o lerem, que indiquem relatos de projetos sociais baseados no trabalho voluntário, em livros ou na internet, para que possamos conhecê-los e divulgá-los através de nosso portal; 2) As fotos que ilustram nosso artigo apresentam alguns projetos sociais desenvolvidos pela Room to Read e são cedidas para divulgação pela imprensa através do portal da entidade, estando disponíveis no link http://www.roomtoread.org/media/kit.html.

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