O Ensino a Distância e a questão da acessibilidade - 17/08/2007
Lucy Gruenwald
"Cursos por correspondência": esta modalidade de ensino surgiu na Alemanha, em 1890, por causa da necessidade do preparo profissional e cultural de milhões de pessoas que, por vários motivos, não podiam freqüentar as escolas regulares. Inúmeros países, desde então, adotaram o ensino a distância como uma opção a mais para ministrar cursos de nível médio, técnico, ou superior, de idiomas, de corte e costura, supletivos, entre tantos outros.
Antes de aparecerem os recursos tecnológicos, a comunicação entre aluno e professor dava-se unicamente por meio de material impresso distribuído pelos correios. As lições eram enviadas ao aluno que, por sua vez, retornava as respostas das questões e os trabalhos solicitados via correio também. Qualquer dúvida relacionada ao curso era respondida por carta.
Com o desenvolvimento da tecnologia, outras mídias passaram a ser usadas como apoio à educação: vieram as fitas de vídeo, os programas de televisão (telecursos), os computadores e os CD-ROMs.
Atualmente, com a popularização da internet e com a sua capacidade de transmitir rapidamente grandes arquivos de som e imagem, abre-se uma enorme possibilidade para a área de treinamento e educação. Surgem os cursos on-line ou e-learning. O que assistimos é essa possibilidade se abrindo por meio de multiformatos, coexistindo, desde as lições impressas até as aulas virtuais.
Por conta da crescente complexidade em diversas áreas do conhecimento, a educação passou a ser "continuada" e já não termina mais ao recebermos um diploma. É preciso manter-nos informados e atualizados por toda nossa vida produtiva. A internet tem facilitado esse processo e causado uma grande revolução na maioria das profissões, pois o aprimoramento profissional passou a ser vital para muitas pessoas que precisam e querem continuar no mercado de trabalho.
As organizações, por sua vez, estão passando também por grandes transformações: empresas que se fundem, que se globalizam e que tanto funcionário quanto cliente está disperso geograficamente; empresas que precisam disseminar suas metodologias de trabalho entre seus funcionários e parceiros, que precisam se adaptar às mudanças tecnológicas etc .
Esse perfil moderno fez que o treinamento tenha se tornado uma atividade importante dentro das empresas - muitas delas criando suas próprias Universidades Corporativas com cursos a distância, já que tempo e mobilidade também se tornaram um problema para a maioria das pessoas.
O momento é bastante propício para a oferta de treinamento via internet. A maioria das empresas já possui um parque tecnológico significativo e acesso adequado à rede; escolas e universidade também estão, cada vez mais, proporcionando estes recursos para seus alunos, professores e funcionários.
Com a popularização da internet e sua capacidade de transmitir arquivos de som e imagem, abre-se uma enorme possibilidade para a área de treinamento e educação
Para muitos educadores, o ensino a distância ainda é controverso: umas vezes louvado e outras, abominado. Uma das desvantagens apontadas é que essa modalidade de ensino não é eficiente para alunos que não trabalham bem independentemente, que não têm disciplina e persistência nos estudos, apesar de ser eficaz para o aluno autodidata ou aquele que prefere manter o seu próprio ritmo de aprendizado (mais lento ou mais rápido).
De qualquer forma, o ensino a distância é uma modalidade de educação que está crescendo em todo o mundo. Muitos alunos, ao saírem da escola ou da faculdade, possivelmente encontrarão este ambiente de treinamento nas empresas e, por isso, quanto mais preparados estiverem, melhor.
Vamos, então, tentar entender esta tecnologia
Antes de mais nada, definiremos o termo "distância". "Distância", no acesso à internet, pode ser em qualquer lugar do mundo ou mesmo ao seu lado.
Não é preciso estar a quilômetros de distância da sua escola, empresa ou universidade para se fazer um curso a distância. Com softwares voltados ao e-learning, o professor tem a possibilidade de enriquecer seus cursos presenciais construindo páginas Web não só com textos, mas também com animações, imagens, vídeos, som, material multimídia, bem como links de referência para toda Web.
E-learning significa também poder estudar a qualquer hora e em qualquer lugar, independentemente da presença física simultânea do aluno e do professor.
E com relação às pessoas com deficiência?
Cursos a distância têm uma vantagem competitiva imbatível para públicos grandes, dispersos, porém, ele se torna fundamental e, às vezes, a única oportunidade, quando pensamos em alunos com algum tipo de deficiência.
Com as tecnologias assistivas que surgem continuadamente no mercado, os computadores estão cada vez mais ao alcance desta população que pode receber um espaço de aprendizado nunca antes visto na história. Além do mais, alunos com deficiência podem estudar de maneira muito mais independente, um problema fundamental para o seu desenvolvimento e auto-estima.
Com o material dos cursos ou das aulas disponibilizadas na internet, alunos cegos, utilizando leitores de tela, poderão ter acesso, por exemplo, às notas de aulas, sem a necessidade da ajuda de uma outra pessoa.
Alunos com baixa visão, que têm dificuldade em ler o material impresso, poderão usar softwares ampliadores para ler textos ou analisar melhor as imagens.
Alunos com deficiência podem estudar de maneira muito mais independente, um problema fundamental para o seu desenvolvimento e auto-estima
Alunos surdos poderão acompanhar as aulas com mais facilidade sem precisar se valer da linguagem labial - o professor, muitas vezes, fica de costas para os alunos, certo? - ou de um intérprete de LIBRAS, que é custoso para a escola. Por meio de recursos de interatividade - e-mail, chats, fórum, formulários -, que são possíveis de se estabelecer em cursos via internet, alunos com deficiência auditiva poderão participar de discussões tão bem quanto os seus colegas.
Os recursos de interatividade podem, ainda, servir de motivação de aprendizado para qualquer aluno, não só aqueles com deficiência, pois permitem que o participante tenha chance de expressar suas opiniões, até mesmo os mais tímidos!
Alunos com deficiência motora, que não conseguem, por exemplo, segurar um livro ou virar páginas, poderão acessar o material digital por meio de mouses especiais adaptados ou de tecnologias assistivas de reconhecimento de voz. Aulas de laboratório, que são uma grande barreira para estes alunos, poderão ser vivenciadas por meio de animações e interatividade em aulas disponibilizadas em páginas Web.
Uma dificuldade que nem sempre é levada em conta, talvez por não ser muito aparente, mas que atinge muitos alunos, são os transtornos de aprendizagem ou de leitura. Alunos dislexos, utilizando os mesmos leitores de tela, poderão compreender melhor os textos disponibilizados pelo professor na internet.
Alunos com comprometimento intelectual, e obviamente qualquer outro, poderão voltar e repetir as lições e exercícios tantas vezes quantas acharem necessário.
O problema, entretanto, é que só o uso de tecnologias assistivas por alunos com deficiência não basta para tornar um curso on-line acessível. É preciso que os seus conteúdos sejam criados e disponibilizados segundo os padrões de acessibilidade.
O primeiro passo para se fazer um e-learning - a ser utilizado tanto por pessoas com ou sem deficiências - é escolher o "Sistema de Gerenciamento de Cursos a Distância" que será utilizado pela instituição. Existem vários pacotes no mercado, porém, é importante que, no momento da escolha, a instituição leve em conta o quesito "acessibilidade" do software, caso contrário, os alunos com deficiência poderão ter dificuldade em participar do curso e ficarão mais uma vez excluídos.
É preciso que os conteúdos das tecnologias assistivas sejam criados e disponibilizados segundo os padrões de acessibilidade para tornar um curso on-line acessível a alunos com deficiência
Existem, no mercado, softwares gratuitos e outros (bem) pagos para este trabalho, porém, é importante que, na hora da compra, seja levada em consideração a acessibilidade da ferramenta. O comprometimento do fabricante em relação à acessibilidade também é fundamental, pois a acessibilidade digital ainda não está consolidada, e muitas mudanças ainda estão ocorrendo na Web para que as tecnologias assistivas consigam transformar conteúdos em formatos acessíveis e que pessoas com deficiência possam navegar por ela e acessá-la tão bem quanto outra sem deficiência.
O segundo passo é preparar o conteúdo (páginas Web) de modo acessívelseguindo as recomendações internacionais do W3C - World Wide Web Consortium. Este conjunto de recomendações contém 65 pontos de conformidade, porém, para o e-learning, apenas alguns são relevantes.
Por exemplo, uma recomendação muito importante é a que diz respeito à utilização de multimídia. A o introduzir vídeos explicativos em suas aulas, o professor deverá incluir legendas, close-captions ou áudio descrição. Deste modo, muitos alunos serão beneficiados: estudantes com deficiência auditiva, com deficiência visual, aqueles que não dominam completamente o idioma utilizado, aqueles com déficit de atenção ou com problemas intelectuais - que poderão ultrapassar suas barreiras de acesso utilizando simultaneamente o recurso visual e o auditivo.
O terceiro passo fica a cargo do aluno. Ele deve ter conhecimento e agilidade com a tecnologia de apoio que lhe for mais conveniente.
Acreditamos que, com estes três pilares atendidos, a inclusão do aluno com deficiência no ambiente escolar e profissional possa avançar consideravelmente e começar a se tornar realidade.
Glossário
E-learning: cursos que utilizam recursos da Internet através de páginas Web
Tecnologia assistiva: "qualquer coisa que melhora o desempenho funcional de uma pessoa com deficiência", o que faz um objeto tornar-se tecnologia assistiva é o fato de ele melhorar o desempenho de uma pessoa com incapacidade ou dificuldade no desempenho de uma tarefa específica (Rede SACI).
Legenda: textos disponibilizados juntamente com imagens de vídeos que descrevem diálogos sonoros. Assume que usuário pode ouvir mas que não entende a linguagem.
Close-captions: permite que pessoas surdas ou com baixa audição acompanhem, por meio de textos, não apenas os diálogos de uma apresentação de vídeo, mas também todos outros sons como a música e outros efeitos. O texto identifica a pessoa que está falando e a sua maneira de falar.
Áudio descrição: descrição verbal de detalhes visuais importantes destinado a pessoas cegas ou com deficiências visuais graves de forma que possam acompanhar melhor o desenrolar dos vídeos.
Leitor de tela: programa que utiliza tecnologia de síntese de voz para descrever o que está sendo apresentado na tela do computador.
Disléxico: pessoa com distúrbio ou transtorno de aprendizagem na área da leitura, escrita e soletração.
Referências
O que é educação a distância - José Manuel Moran
Gestão do Conhecimento e E-learning na prática - 39 casos
José Cláudio Cyrineu Terra. Negócio Editora
Barrier-Free E-learning Systems - EASI (Equal Access to Software Information)
Acessibilidade digital - Como as pessoas com deficiência conseguem navegar na Internet? - texto de Ana Beatriz Iumatti
Jovens com deficiência nas universidades - texto de Ana Beatriz Iumatti
Recomendações da W3C
Autor: Rede SACI
Lucy Gruenwald é colaboradora da Rede SACI
Fonte: http://www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/eaed6c5a-4c27-4162-a460-5f46afac5fe1/Default.aspx
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.