De Olho na História
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A Guerra do Fim do Mundo - 16/08/2007
De olho na História

'

Imagem-da batalha-do-avai
Batalha de Avaí ,na Guerra do Paraguai, tela de Victor Meirelles.

Liberdade afinal. Corria o ano de 1811 quando o Paraguai também se libertou do jugo espanhol e parecia (como tantas outras nações latino-americanas, entre as quais o Brasil) se preparar para uma nova etapa de sua história, dessa vez enquanto país emancipado. Ser livre não significa, no entanto, desfrutar de altivez e de consolidar localmente reais possibilidades de escolha sem a interferência alheia...

Vivia-se a crise do sistema colonial. Portugueses e espanhóis, que estavam explorando o continente americano desde o século XVI sem nada devolver de realmente valioso para os habitantes de suas colônias viam surgir movimentos locais liderados por grupos da elite, como os criollos (descendentes dos colonizadores espanhóis nascidos no Novo Continente), que já não estavam se contentando com as quimeras do farto e rico bolo de riquezas proporcionado pelas riquezas minerais e agrícolas produzidas desse lado do Atlântico.

Fatores externos também contribuíram para que o já decadente e deteriorado sistema político imposto aos americanos viesse a ruir. O período de domínio das tropas francesas sob o comando de Napoleão Bonaparte sobre a Península Ibérica, por exemplo, levou os espanhóis a arregimentar tropas que estavam em suas colônias americanas para auxiliar na luta contra o dominador francês na metrópole. Isso causou, obviamente, um nítido enfraquecimento dos grupamentos europeus encarregados de exercer a autoridade espanhola em suas colônias de além-mar.

A independência não garantiu, porém que os privilégios de alguns grupos elitizados que haviam se apoderado das rédeas políticas das recém libertadas nações latino-americanas (entre as quais o Paraguai) fossem mantidos. Mudaram apenas de mãos, deixando de beneficiar os chapetones (espanhóis colonizadores que vinham e eram nascidos na metrópole) em favor dos criollos. Isso motivou o surgimento em terras paraguaias de um líder centralizador, atuando como autêntico déspota, que a partir de 1814 alterou por completo o quadro político local com medidas diferenciadas por completo de tudo o que acontecia nas nações vizinhas.

Imagem-de-oficial-e-soldado
Oficial e soldado do Exercito Imperial em uniformes de campanha.
Desenho de Hendrik Jacobus Vinkhuijzen, 1867.

Era José Rodrigues de Francia, que por conta de seu comando de mão forte e autoritária passou a ser chamado pelos seus compatriotas de “El Supremo”. Francia sabia que para sustentar-se teria que contar com um forte apoio de base popular se quisesse se confrontar e vencer as elites locais e a forte influência da igreja sobre seus patrícios. Para que isso acontecesse, El Supremo realizou mudanças bastante radicais para o período, como por exemplo:
• Criou fazendas estatais, chamadas de “Estâncias da Pátria”, em que se praticava o trabalho comunitário; metade do produto auferido ficava nas mãos dos trabalhadores e os outros 50% destinavam-se ao estado.

• Desapropriou terras pertencentes a membros da elite e da Igreja Católica (terras que foram utilizadas para ratificar o sistema de fazendas estatais).

• Acabou com a escravidão no país.

• Diminuiu o poder dos religiosos católicos sobre a população assim como a sua influência no país.

• Iniciou e efetivou um pleno processo de alfabetização no país, fazendo com que o Paraguai fosse a primeira nação americana a praticamente eliminar o analfabetismo em seus domínios.

• Desenvolveu um modelo econômico baseado na produção agrícola que era independente da influência da Inglaterra, que substituíra os antigos mandatários coloniais ibéricos que exerciam autoridade política e institucional na região por uma dependência econômica.

Todas essas mudanças criaram um clima hostil ao país entre os vizinhos sul-americanos, como o Brasil, a Argentina e o Uruguai. Todos instigados pela potência econômica que sobre eles mantinha férreo controle, a Inglaterra. Para piorar a situação, os paraguaios não contam com saídas diretas de seu território para um dos oceanos que banham o continente americano, o Atlântico e o Pacífico. Por esse motivo existe a dependência do país em relação aos rios da Bacia do Rio da Prata, controlado pelos argentinos. A exportação de seus principais produtos agrícolas, em especial o tabaco e o mate, ficava então seriamente prejudicada e sujeita as taxações de Buenos Aires ou então a práticas de contrabando e transgressão dos territórios alheios.

Imagem-da-batalha-naval
Litografia representando a batalha naval de Riachuelo (1865),
um dos mais importantes combates navais da Guerra do Paraguai.

O falecimento de El Supremo levou ao poder a dinastia Lopez, inicialmente encabeçada pelo patriarca Carlos Antonio Lopez, posteriormente sucedido por seu filho Francisco Solano Lopez. Em ambos os governos a característica ditatorial e centralizadora se manteve, se bem que menos rigorosa, portanto suavizada. Os avanços do período de Francia mantiveram-se e fizeram o país crescer. Para que isso se efetivasse e continuasse a acontecer, os Lopez se propuseram a modernizar o país.

Mantiveram o isolamento em relação as influências das potências estrangeiras, em especial da Inglaterra, mas ao mesmo tempo iniciaram a construção de ferrovias, estaleiros e pequenas indústrias. Contaram com o apoio de profissionais europeus contratados justamente para o ensino de saberes que ainda não possuíam, notadamente os de caráter técnico. Trouxeram então arquitetos, engenheiros, projetistas, mecânicos e especialistas das mais diversas áreas oriundos de diferentes regiões da Europa, como a França, a Espanha, a Alemanha ou a própria Inglaterra.

O fechamento dos principais canais de comércio ao país não permitiram, no entanto, que todo o potencial que se criava dentro do país com todas essas medidas redundasse em pleno progresso. A pobreza ainda existia no Paraguai, se bem que diluída pelo fato de que ninguém passava fome, a criminalidade praticamente se extinguira e todos tinham emprego e rendimentos, mesmo que parcos e insuficientes para a tão esperada prosperidade.

O povo demonstrava satisfação e entendia os esforços e dificuldades dos governos paraguaios, servindo então como principal base de sustentação política e econômica da nação. Nem mesmo a desigualdade étnica que caracterizava as outras nações latino-americanas, em que os descendentes de africanos e de indígenas estavam sempre submetidos a condições de vida inferiores a da elite branca, era mais uma realidade no Paraguai.

A possibilidade de desenvolvimento para o país estava ligada ao uso das vias fluviais da Bacia do Prata, que estavam sob o controle dos países tutelados pelos ingleses, ou sejam: Argentina, Brasil e Uruguai. Apoiando-se nessa possibilidade de êxito, o último governante paraguaio dessa época de prosperidade social e política, Solano Lopez, mantém a política de seus antecessores e continua a investir na negociação de seus produtos, agrícolas e industriais, utilizando rotas controladas por seus vizinhos e inimigos.

Imagem-em-preto-e-branco-do-desfile-militar
Desfile militar em festejos da vitória na Guerra do Paraguai.
De Ângelo Agostini. Fonte: Bolsa do Rio XXI, 2000.

Se não bastasse isso, a venda de produtos paraguaios estava claramente atrapalhando os negócios da Inglaterra na região. A proximidade e o aperfeiçoamento técnico da nascente indústria do Paraguai criaram um competidor para as mercadorias “made in England” no próprio continente americano, uma espécie de quintal dos interesses da Grã-Bretanha (e que depois, durante o século XX, acabaria sucumbindo aos interesses e atividades de uma outra nação muito rica e poderosa, os Estados Unidos).

Estimulados e forçados a guerra pelo poderoso parceiro comercial (a Inglaterra) que os mantinha ativos e vivos no comércio internacional, e provocados pelas constantes violações de seus territórios pelos vizinhos paraguaios, a guerra entre a tríplice aliança e o país dos Lopez era questão de tempo. Argumentando também que o Paraguai era uma nação governada de forma tirânica, autoritária e despótica – o que poderia se constituir num péssimo exemplo para as demais nações da região – argentinos, brasileiros e uruguaios entraram então na Guerra do Fim do Mundo a que me refiro no título desse artigo, mais conhecida como Guerra do Paraguai.

Subsidiados a peso de ouro pelos ingleses, o que comprometeria seriamente as já abaladas e combalidas receitas desses países em sua relação com a “metrópole” inglesa e contando com o domínio das entradas e saídas de seu oponente, além de populações que somadas eram numericamente muito superiores ao contingente paraguaio, a vitória só não aconteceu mais rapidamente pela desorganização dos exércitos desses países e pelo tremendo esforço e dedicação dos paraguaios na guerra.

As últimas batalhas, por exemplo, foram pelejadas do lado paraguaio por crianças, idosos e mulheres, já que o efetivo de homens foi sendo aos poucos dizimado pelos oponentes. Quando a guerra acabou, com a capitulação dos paraguaios, as indústrias estavam destruídas, os campos ardiam em chamas, as vilas e cidades destroçadas e apenas 10% da população local era ainda composta por homens... O genocídio americano acontecera... A ousadia dos paraguaios, que buscaram tanto sua altivez, independência e soberania real, custara-lhes tudo o que haviam conquistado inclusive suas vidas... Melhor cair lutando pelos ideais que alimentam nossa alma do que se submeter ou se vender aos interesses alheios...

Avaliação deste Artigo: 3 estrelas
COMPARTILHE

DeliciusDelicius     DiggDigg     FacebookFacebook     GoogleGoogle     LinkedInLinkedIn     MySpaceMySpace     TwitterTwitter     Windows LiveWindows Live

AVALIE O ARTIGO





INDIQUE ESTE ARTIGO PARA UM AMIGO










7 COMENTÁRIOS

1 Miguel Petersen - Ponta PorãMS
João Luis de A. Machado, o sr. também foi mais uma vítima daquele livreco de ficção histórica do Júlio Chiavenatto,que nem formado em História é !! Favor ler o quanto antes, a magistral obra de Francisco Doratioto, Guerra do Paraguai Maldita Guerra !! esta sugestão vai para o sr. Manoel Messias Pereira e sra Beliza Berrmann !!
02/04/2012 20:19:02


2 Jorge Paulo da Rocha - Rio d Janeiro
Quem pintou o quadro da Batalha do Avay Riacho do índio, em 11 de de zembro de 1868 foi Pedro Américo e Não Vítor Meirelles.
19/01/2011 16:10:32


3 Flávio Maciel - DouradosMS
Tendencioso seu artigo, trata os paraguaios como vítimas. O Império do Brasil naquela época era pacífico, civilista e ordeiro, com efetivos militares praticamente inexistentes. Solano Lopes matou mais paraguaios que a Tríplice Aliança, justo a elite intelectual e social do país, que poderia a ele se opor, acusandoos de traidores a la pátria . Os paraguaios eram bárbaros terríveis. Sou natural de Corumbá, cidade que esteve sob o jugo desses assassinos por três anos. Páginas de atrocidades inomináveis foram aqui escritas, que nem estão nos livros, como o Massacre do Mangueiral. Ao fim da guerra, o Império evitou a quase total anexação do território do país pela Argentina. E hoje, eles estão novamente levantando suas cabeças a nos desafiar, sem que sejam dados motivos. Precisamos de mais patriotas de verdade. Chega de criticar o Brasil. VIVA O BRASIL! MORTE AOS SEUS INIMIGOS!
29/03/2009 21:57:35


4 josé - itaperuna rj
Muito esclarecedor, parabéns.
09/11/2008 10:28:02


5 Mario doomer - Brasília
Como voçe é ausente de isenção. O problema do ensino de história na América Latina é que o professor sempre está de um lado. Mas , nunca desligado de ideologias.
21/09/2007 08:47:27


6 Manoel Messias Pereira - são José do rio preto-sp Brasil
Magnifico o artigo. É preciso reconhecer a história e a sua importancia para o correto diagnóstico de uma realidade. Somente assim saberemos poreparar para o futuro.
06/09/2007 19:50:32


7 beliza behrmann - salvador
excelente documentário, muito instrutivo!!!
04/09/2007 10:47:16


ENVIE SEU COMENTÁRIO

Preencha todos os dados abaixo e clique em Enviar comentário.



(seu e-mail não será divulgado)


Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.