O ócio produtivo e o mundo - 07/08/2007
Editorial
Sou professor de história da gastronomia e um dos movimentos relativos à alimentação que mais me encantam é o chamado Slow Food, que prega a necessidade de resgatarmos o prazer contido nas refeições, desde o seu preparo, passando pela comunhão celebrada em torno de uma mesa quando nos reunimos para almoçar ou jantar e atingindo até mesmo a conversa que ocorre logo depois, regada por uma boa sobremesa, um cafezinho ou um cálice de vinho do Porto...
No Slow Food valoriza-se a companhia, a mão dos cozinheiros, o trabalho conjunto no preparo dos temperos e receitas, o lento refogar dos cozidos nas panelas, o bate-papo animado que rege os encontros nas cozinhas, a saborosa troca de idéias ao redor de uma mesa,...
Descobri que esse não é o único movimento internacional em prol de uma vida onde possamos desfrutar do ócio produtivo preconizado pelo pensador italiano Domenico de Masi (entre outros que abordam o tema). Há também o Slow Cittá, que busca recriar atmosferas de vida mais humanas e valorosas para os membros de uma mesma urbanidade. Nesse sentido advoga-se a idéia de que temos que almoçar em casa, ir ao cinema no final do dia, cortar o cabelo sem se sentir pressionado pelo relógio ou por qualquer compromisso, levar nossos filhos para andar de bicicleta nos jardins da cidade em que moramos,...
Vivemos para o trabalho de forma tão incisiva que o contexto atual é massacrante para todos. Valorizar a profissão, realizar com plenitude, crescer pessoal e profissionalmente, legar ao mundo contribuições que façam nossa passagem pela terra ser lembrada por quem é próximo ou distante e prosperar em virtude de tudo isso se relacionam a ter uma vida saudável, muito diferente dos padrões stressantes que prevalecem hoje.
Sofremos de insônia. Nos alimentamos mal. Não temos tempo para estar com a família. Nem ao menos encontramos espaço em nossas agendas para nos exercitarmos ou simplesmente para que possamos curtir nossos hobbies e passatempos preferidos. Há quanto tempo você não vê seus grandes amigos ou alguns de seus mais queridos familiares?
Passamos dias, semanas, meses e até mesmo anos sem que consigamos encontrar os entes queridos. Não estamos mais nos permitindo nem ao menos o desfrute tranqüilo e renovador de um bom período de férias. No ritmo em que estamos vivendo até mesmo os passeios e programas que realizamos em busca de realização e prazer parecem mais nos cansar do que nos legar as merecidas recompensas que buscamos depois de tanto trabalho.
A modernidade, que parecia prestes a nos redimir de todos os esforços excessivos que realizamos em prol do “progresso” e da prosperidade, com todos os seus mecanismos e recursos maravilhosos, ao invés de nos libertar, parece apertar ainda mais as amarras...
Nesse século XXI, plugados a internet por períodos longos do dia, ligados por telefones celulares com inúmeros e poderosos recursos que os fazem equivaler a autênticos computadores, ao alcance de nossos empregadores até mesmo quando gozamos nossos finais de semanas ou férias, estamos “trabalhando” 24 horas por dia.
O ócio produtivo de Domenico de Masi remonta aos gregos, que usavam o tempo livre para filosofar, fazer poesia, escrever peças de teatro, discutir a existência coletiva, praticar esportes, cozinhar, produzir arte ou simplesmente estabelecer laços e relacionamentos familiares e de amizade mais duradouros e consistentes. E nós nos preocupamos com isso nos dias de hoje? Como vão nossas famílias? E as amizades?
Para que possamos viver melhor, nos conformes do Slow Cittá, por exemplo, temos que repensar nossas vidas e nossas cidades. Morar em núcleos urbanos menores, gastar menos gasolina e sola de sapato, trabalhar em nossos projetos sem extrapolar o tempo destinado ao exercício de nossas funções e profissões para que possamos recuperar o tempo destinado a sermos pais, irmãos, amigos, filhos...
Quanto
tempo você tem para dedicar a sua família? Isso
também é qualidade de vida e se tornou um dos
objetivos do projeto Slow Cittá.
Há outras campanhas importantes, como a dos transportes verdes (que poluem menos, como os trens elétricos, as bicicletas, as caminhadas,...), a das conexões humanas (que não querem abolir a internet, mas valorizar os encontros presenciais e estimular as conversas de pelo menos 30 minutos por dia), ou ainda o do Slow Travel (que prega viagens nas quais não queiramos conhecer 20 cidades da Europa ou do Nordeste brasileiro em 20 dias, mas que nos dediquemos a gastar alguns dias para conhecer muito bem lugares fabulosos como Paris, Salvador, Londres, Natal,...).
Chega de leituras dinâmicas; valorizar as palavras e degustá-las exige tempo, maturidade e lega aos leitores uma visão muito mais ampla e rica do mundo em que vivem. O livro que nos conta a história do mundo deve ser lido página a página e isso requer que coloquemos a nosso serviço todos os sentidos que possuímos e que realmente apreciemos tudo aquilo que está ao nosso redor...
Obs.: Para maiores informações sobre alguns dos movimentos mencionados nesse artigo acesse suas homepages brasileiras ou internacionais apresentadas a seguir.
Slow
Food - http://www.slowfoodbrasil.com
Slow Cittá
- http://www.cittaslow.org.uk
Transporte Verde
- http://www.eta.co.uk
Slow Travel
- http://www.slowtrav.com
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.