Aprender com as Diferenças
 

Diálogos entre Leitores - 06/08/2007
Aprender com as Diferenças

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Fábio Adiron começa!
21/07/2007 Sobre matéria na Agência USP e Rede Saci

Prezada Ana, Prezada Márcia, Prezada Vanessa.

Sobre a matéria publicada na Agência USP de Notícia e reproduzida pela Rede Saci, sob o título "Escola regular não está preparada para receber aluno com deficiência" gostaria de fazer alguns comentários, e sugerir a publicação de um texto do Professor Miguel Lopez Melero da Universidade de Málaga sobre a questão de Educação Física e Deficiência.

Primeiro meus comentários:

1-A minha experiência conversando com professores nesses últimos seis anos têm demonstrado que muitos deles não estão preparados para lidar com a diversidade humana (e não apenas com a deficiência que é apenas um dos aspectos dessa diversidade). E aqui me refiro a professores de português, matemática... e educação física. 

Qualquer criança que não esteja dentro da expectativa do professor ou que não consiga aprender dentro dos parâmetros monocórdios da maioria dos professores é excluída e rotulada (criança problema, hiperativo, mal educado, caso perdido...).

2-Cada vez me convenço mais que esses professores não estão preparados é para serem professores. Eles esperam ter formação em "deficiências"... Que tipo de formação?? Saber o que provoca glaucoma congênito vai melhorar as estratégias pedagógicas dos professores. Saber a diferença entre mosaico e translocação vai mudar os resultados das tabuadas?

3-Isso não é culpa exclusiva do professorado, as escolas atuais não sabem nem fazer um projeto político pedagógico... Preferem comprar métodos de fabricantes de pedagogia de massa. Porque pensar em filosofia e valores pedagógicos é uma atividade que dá trabalho.

4-Não vou questionar a pesquisa, não tenho competência técnica para tanto, mas será que estabelecer valores médios de adiposidade ou resistência, não é a mesma coisa que medir inteligência usando o malfadado QI?

5-O que fazer com professores que "não gostam" de receber aluno X ou Y?? Na minha opinião, eles deveriam é procurar outra profissão, é inadmissível que alguém que foi formado para lidar com seres humanos afirme que não gosta de determinados grupos de seres humanos...Quem sabe eles não deveriam optar por uma profissão onde fiquem reclusos e não sejam obrigados a encontrar pessoas.

Abaixo, após os comentários dos colegas, segue o texto que sugeri.

Um abraço,

Fábio Adiron
Inclusão: ampla, geral e irrestrita.

Paulo Romeu comenta os argumentos do Fábio Adiron com a Marta Gil!

Marta,

Concordo inteiramente com os questionamentos do Fábio. Acredito que os professores, qualquer que seja a disciplina, qualquer que seja o nível ou etapa de ensino, precisam estar preparados para a educação inclusiva e descobrir formas de incluir os alunos com deficiência em todas as atividades.

No entanto, achei o texto do Mellero excelente do ponto de vista conceitual e teórico, mas muito pobre do ponto de vista prático. Todos concordamos que a inclusão não será completa se os alunos com e sem deficiência não participarem juntos de todas as atividades escolares, seja a Educação Física, a Alfabetização, a Matemática, o Português, a Geografia,..., mas de nada adiantam textos carregados de conceitos inclusivos se, ao mesmo tempo, não vierem acompanhados de exemplos práticos de como promover essa inclusão. 

O que mais tenho visto são professores interessados, mas muito mal preparados para por em prática os conceitos da educação inclusiva. Para os alunos com deficiência exclusivamente intelectual ou auditiva, realmente não vejo problemas em promover atividades físicas das quais eles possam participar, mas como permitir a participação de deficientes motores em atividades como ginástica, futebol, vôlei, basquete, handball, natação...? 

Excetuando a ginástica, a natação e o futebol (em que se pode usar uma bola com guizos), como permitir a participação de cegos nas outras atividades? Da mesma forma, não vejo motivos para que alunos cegos sejam segregados em classes de recursos, esse terceiro turno que os sobrecarregam e os deixam sem tempo para serem crianças e também brincarem como qualquer outra, para serem alfabetizados em braile, se exemplos como o da Laurinha, filha da Rosangela Gera, estão mostrando que é possível se fazer a alfabetização de forma inclusiva, ou para ensino de aritmética quando existem recursos como o Sorobã que permitem a materialização de conceitos abstratos como os de Matemática elementar, ou de Geografia em que se pode usar os mapas táteis, ou de qualquer outra disciplina explanativa em que se pode usar livros no formato DAISY, bastando que tenham descrições narrativas de fotos, ilustrações, gráficos e tabelas, explanações que também devem ser frequentemente usadas nas aulas ao vivo. 

Considero-me um discípulo do Melero, a quem tive o prazer de conhecer pessoalmente, mas, para a realidade brasileira, o que mais precisamos é de oficinas para mostrar aos professores como por em prática essa enxurrada de conceitos e como tornar realidade essa inclusão, que jamais poderá ser chamada de inclusão enquanto não for ampla, geral e irrestrita.

Abraços,

Paulo Romeu.

Tereza Villela envia seus comentários sobre os argumentos do Fábio!

Caros amigos:

Por alguns dias não acessei os e-mails da lista e só agora venho ler este. Concordo inteiramente com o Fábio Adiron, que como sempre escreve sobre educação e inclusão com muita propriedade.

Só acresceria uma observação e uma indagação minha às que ele já propõe: como estudante universitária com baixa visão, observo que uma grande parte dos professores dos cursos de licenciatura responsáveis pela formação acadêmica dos educadores também não está preparada, ou não faz nenhuma questão de se preparar para receber em suas salas de aula alunos com deficiência.

Na maioria das vezes, bastaria o bom-senso de olhar a singularidade de cada um, com suas potencialidades e limitações (todo ser humano as tem) e a partir daí buscar alternativas para que suas aulas sejam acessíveis; o professor tem um fator facilitador quando se trata de alunos com deficiência que estão no ensino superior: nós podemos contribuir mais ativamente do que os estudantes com deficiência que estudam nas séries iniciais do ensino fundamental na busca de alternativas aos professores universitários para que suas aulas sejam acessíveis, mesmo assim várias vezes temos que impor a eles essas alternativas pelo uso da legislação vigente em nosso país, por eles não se abrirem ao diálogo e não buscarem encontrar alternativas que favoreçam a aprendizagem de todos.

É verdade que os alunos egressos dos cursos de licenciaturas bem como os professores universitários não precisam ser “especialistas em deficiências”, mas existem sim alguns recursos utilizados para tornar as aulas, as salas de aula e os materiais didáticos mais acessíveis e é importantíssimo que eles conheçam para que possam utilizar e, assim, se esses recursos não forem suficientes, poderem ter subsídios para pensar em outros; Não podemos deixar isso apenas a cargo das salas de recursos ou de instituições que prestam apoio educacional especializado.

Então fica a pergunta: se parte significativa dos professores universitários de cursos de licenciatura não sabe ou não quer trabalhar com a diversidade humana em suas salas de aula, então, não se torna mais difícil exigir que o professor egresso desses cursos saiba ou queira saber?

Realmente, a retórica dos docentes em sala de aula, favorável à uma relação de ensino-aprendizagem como deve ser; que tenha o foco na diversidade e não na tentativa de homogeneizar os alunos com, ou sem deficiência soa inócua quando não coincide com a prática dos mesmos em sala de aula, já quando a prática coincide com o discurso, pode ajudar a construir um mundo menos desigual; a universidade, assim como a escola tem um importante papel nisso.

Quanto ao texto do professor Miguel Lopez Melero, é um rico material que nos leva a pensar alternativas para uma Educação Física de qualidade para alunos com ou sem deficiência; é um dos poucos textos sobre o assunto e que merece ser divulgado ao maior número de pessoas possível.

Muito obrigada ao Fábio Adiron por mais essa preciosidade.

Um forte abraço,
Tereza Villela

Luiz Alberto comenta os argumentos do Paulo Romeu!

Paulo,

Quando estava indo para o haras esta manhã, ouvi uma entrevista com um antigo reitor da Universidade Federal de Pernambuco, onde nosso companheiro Francisco Lima leciona. Ele dizia que temos falta de duzentos e cinqüenta mil professores para o ensino médio, especialmente nas matérias de matemática, física, química e biologia, e que a crise só não estourou porque somente 41% dos estudantes entre quinze e dezoito anos estão cursando este nível de ensino. Eu tenho a idéia de que não é que não haja professores preparados para isso ou aquilo. 

O problema principal é que simplesmente não há professores. O pagamento padrão para comissionamento no serviço público federal é R$7.000,00, exceto para professores, que precisam ter complemento de salário para atingir R$1.200,00.

Pergunto: quem em sã consciência quer ser professor?

Isso se chama de seleção às avessas em sociologia.

Dou um exemplo disso. Tentei implantar meu sistema de gestão de agronegócios em um laticínio de Santa Branca, a 20 km de S. José dos Campos. Tive de desistir, pois era a pior mão-de-obra que conheci. É que se pretendia pagar R$800,00 ao mês para um operador, enquanto um faxineiro na Embraer ganha R$1.300,00. É científico que a cana-de-açúcar não dominou o cenário do nosso estado porque dá lucro, pois há culturas que dão muito mais do que os R$1.200,00 por hectare ao ano pagos pelas usinas.

O problema é, quando houve a revolução industrial no estado, houve também uma migração intensa dos melhores cérebros, ou seja, quanto menor fosse a capacidade de aprender do indivíduo, maior seria sua probabilidade de permanecer no campo. Isso também explica o fato de toda a expansão agrícola dever-se aos gaúchos, catarinenses e paranaenses, pois essa migração não aconteceu, tornando-os reais profissionais do agronegócio.

Quem quer ser professor primário ou secundário, quando vender cachorros-quentes clandestinamente na Alameda Santos dá o triplo do rendimento por mês? É justamente por isso que se abrem faculdades de Pedagogia e Letras por todos os cantos, abrangendo os alunos que não teriam oportunidade de se deslocar ou manter-se nos grandes centros. Enquanto isso, nosso "math-gap" nos deixa para trás em relação a quaisquer países do mundo. 

Num cenário como esse, em que há analfabetos tentando ensinar outros analfabetos a ler, que se pretende que os professores procurem entender as necessidades individuais de seus alunos? Exceto o quinqüênio, não há promoção horizontal dos professores, a não ser no ensino superior, em que se pode ser mestre, doutor, ou livre docente, cabendo cargos de auxiliar de ensino, professor adjunto, ou titular, diferenciando-se rendimentos pelo grau acadêmico e pela situação de docência. Ser chefe de departamento é promoção vertical, mas todos continuam dando aulas, dedicando-se a transmitir o saber. 

No ensino primário e no médio, isso não acontece, sendo um professor apenas professor por toda sua vida profissional. Esta cegueira quanto ao que é uma carreira de ensino tem que vir antes de qualquer exigência que se faça, ou seja, primeiro precisamos atrair cérebros para o magistério, depois pensar em como eles devem absorver todos os aspectos do relacionamento com seus alunos, inclusive, os com deficiência.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva.

Artigo mencionado por Fábio Adiron.

A Educação Física e as Pessoas com Deficiência: Outro Modo de Culturização Para a Melhora da Qualidade de Vida.

Prof. Dr. Miguel Lopez Melero
Faculdade de Educação da Universidade de Málaga

I-Introdução

Considero esta conversa como um espaço para a análise, o debate e a reflexão sobre o papel que eu atribuo à Educação Física e ao esporte na vida e nas relações das pessoas com deficiência. Eu não sou um desportista, apesar de gostar muito de esportes e, portanto, não posso falar a partir deste âmbito.

Sou educador, e é partindo da educação que eu vou falar. E vou fazê-lo com relativa experiência já que, durante dois anos, os princípios do projeto de investigação que eu dirijo, conhecido como Projeto Roma (que é subvencionado pela DGICYT - Direção Geral de Investigação Científico-Técnica de Madri), originaram um modo diferente de conceber e de desenvolver a prática do atletismo em pessoas com Síndrome de Down, como meio de desenvolver processos cognitivos, autonomia e competências sociais para o seu desenvolvimento no "labirinto da cidade de Málaga”. 

Repito que eu não sou atleta e sim educador. Por isso não vou falar de diminuições do tônus muscular ou de alterações metabólicas, nem de disfunções da tireóide, nem de menores conexões sinápticas, nem de incapacidades motrizes, nem de faltas de capacidade... Vou falar de pessoas que têm direito de ser diferentes. 

Mas antes de começar o meu discurso, quero expressar o meu agradecimento mais sincero aos organizadores deste evento por me convidarem a participar dele, já que esta é uma oportunidade a mais de falar e de expandir a cultura da diversidade.

Investigações recentes manifestaram que a simulação adequada e a utilização de métodos educativos apropriados conseguiram o desenvolvimento de competências físicas e desportivas antes inacessíveis às pessoas com deficiência, por causa do critério da falta de possibilidades dessas pessoas. 

A superação, com base em dados científicos, desse determinismo e desse fatalismo paralisante no tratamento e na educação das pessoas com deficiência, fizeram com que as intervenções educativas tradicionais tenham mudado – do isolamento primitivo e da segregação em instituições fechadas para a integração social e escolar atual, participando ativamente do desenvolvimento da sua autonomia pessoa e social.

Suponho que todos aqui presentes, treinadores e entendidos do esporte e da Educação Física, já terão ouvido falar da integração escolar e social das pessoas com deficiência como algo necessário para mudar os referenciais da escola e da sociedade. 

Vocês, treinadores, suas famílias e a escola, conhecedores das condições inerentes às pessoas com deficiências, não podem dar as costas a esta realidade. E é por isso que estamos aqui hoje, para reconceitualizar os papéis da Educação Física e do esporte para as pessoas com deficiência.

Pois bem, o fato de que sejamos conscientes disso não é razão suficiente para estabelecer, desde a mais tenra idade, como vem ocorrendo durante tanto tempo, modelos educativos diferentes tanto no âmbito específico da educação física e do esporte como na aquisição da cultura escolar. 

Sob esse modelo pseudoeducativo se esconde uma série de prejuízos às possibilidades das pessoas com deficiências. Elas são consideradas como seres incapazes de aprender e, quando os profissionais (de qualquer área que sejam) se aproximam deles, o fazem partindo de que são seres inferiores, e com um modelo subnormalizante.

Fizeram-se profissionais não de Educação Física, mas de uma educação física subnormal e de segundo escalão. Não nos esqueçamos de que a Educação Física como disciplina é primeiro "educação" e depois "física". Assim, de acordo com o que já dissemos anteriormente, as necessidades básicas das pessoas que são objeto desta conversa são o reconhecimento e o direito de ser atendidas e educadas adequadamente como pessoas e não como "deficientes". Neste sentido, se vocês não têm isso absolutamente claro em suas mentes, não se metam a treinar essas pessoas.

Eles têm os mesmos direitos que o resto das crianças: manipular, conhecer, experimentar, brincar, relacionar-se, sentir, emocionar-se, desfrutar, rir... viver. Não estamos falando de caridade: estamos falando de direitos de pessoas.

A integração das pessoas com deficiência na vida escolar e social supõe uma profunda mudança na maneira de pensar do professorado e uma mudança no conteúdo e nos estilos de ensinar. No caso das disciplinas das quais falamos, a Educação Física e o esporte devem ser considerados dentro do currículo como matérias formativas e não complementares. 

Daí que a primeira mudança significativa da Educação Física dentro do currículo escolar é substituir o tradicional sentido de competitividade pelo da cooperação e da solidariedade. 

A Educação Física e o esporte devem desenvolver a autoestima dos alunos, e também a consciência de uma autoexigência sadia, respeitando a identidade, a singularidade e a diversidade de cada um deles. Esse sentimento de nobreza no esporte é um dos elementos relevantes em outras culturas, como a dos esquimós no Canadá e dos tagus da Nova Guiné, onde a cooperação e a colaboração no desenvolvimento de atividades esportivas são premiadas, e a competitividade é rejeitada.

As pessoas com deficiência necessitam adquirir e dominar o movimento como as demais crianças. Por isso, não há como eliminar de sua educação as atividades esportivas, nem as de Educação Física nem as idas ao campo ou à rua. Há isso sim, que dar a eles os apoios suficientes, tanto materiais como pessoais.

E vocês, os profissionais, terão que buscar os meios técnicos que tornem possível a sua participação na atividade desportiva. O fato de andar em uma cadeira de rodas, ou quando usa muletas ou tem um caminhar lento, ou não ouve ou não vê, não pode impedir-lhe que fique fora da atividade esportiva que esteja sendo realizada. 

O professor de Educação Física tem que saber mudar os estilos de ensinar para que não exista nenhum excluído. Vocês têm que buscar essas formas novas, e não pedi-las a mim como entendido em educação. Eu sei ensiná-los a criar cenários para que a aprendizagem se produza, mas não sei nada da atividade desportiva específica.

II-A Educação Física é muito mais do que saber praticar um esporte, é uma outra cultura.

No decorrer da História da Educação, podemos observar como a incorporação dos aspectos motrizes como elementos de valor pôde melhorar o âmbito intelectual, tanto nas dimensões neurológicas como sensoriais e de pensamento. O ser humano é uno e, portanto, não podemos separar o físico do emocional e do intelectual. 

Por isso, as experiências motrizes são tão importantes dentro do currículo escolar como o são as Matemáticas, a Literatura e a Física, para citar alguns exemplos. E os alunos têm que viver a Educação Física com o mesmo valor que vivem o resto das disciplinas do currículo.

Eu considero os professores de Educação Física e os treinadores como os profissionais que devem ter autonomia para desenvolver a sua profissão de modo cooperativo com o resto dos seus colegas. A partir dessa perspectiva, deverão receber uma formação teórico-prática dos diferentes tipos de deficiência e de suas possibilidades no mundo da Educação Física e do esporte. 

Deverão, no entanto, receber em sua formação inicial não apenas um conhecimento específico, mas sim um conhecimento do saber-fazer em um contexto integrado, e desenvolver a sua matéria diferenciando o que é uma competição de elite do que é apenas uma matéria a mais no currículo. 

É de competência desse professor o saber identificar as necessidades específicas das pessoas com deficiência e determinar as diversificações para cada caso, e não a exclusão da prática de determinado esporte.

A integração das pessoas com deficiência na vida escolar e social supõe uma mudança de pensamento e de conteúdo na área de Educação Física. Essa mudança se orientará no sentido de considerar a Educação Física e o esporte como potenciais de transformação da própria matéria e do próprio esporte. 

Por exemplo, o esporte é considerado e comumente aceito como algo intrinsecamente competitivo e que gera competitividade. A reconceitualização que a Educação Física vai experimentar é de, precisamente, evitar a competitividade como elemento de definição e, assim, desenvolver a autoestima e a consciência de uma autoexigência sadia, respeitando a identidade, a singularidade e a diversidade de cada uma das pessoas com deficiência. 

Essa é a minha maneira de pensar sobre a Educação Física, caso ela queira realmente cumprir seu papel dentro da escola. Ela deve ser uma disciplina não competitiva, mas cooperativa e solidária. Ao contrário de alguns autores que ressaltam que a competitividade na vida do ser humano alimenta uma maior produtividade e um desejo maior de perfeição em si mesma, o meu pensamento é de que o que ocorre é exatamente o contrário, e costuma-se confundir competitividade com ter êxito. Uma coisa é despertar a autoestima e a autoexigência nas pessoas com deficiência – outra é despertar o sentimento de que têm que derrotar as demais.

Minha visão, portanto, sobre a importância da Educação Física e do esporte, vem marcada, desde o ponto de vista psicocinético, dentro do que podemos denominar de "método natural" ou a "educação em movimento", como costuma afirmar Le Boulch, ao assegurar que devemos utilizar o movimento humano em todas as suas formas para melhorar as faculdades humanas, como a coordenação, a organização espaço-temporal e os processos cognitivos de atenção, processamento e planejamento. 

A partir do âmbito cognitivo e sob a influência vygotskiana, concretamente através da interpretação que faz J. Bruner, alguns autores, como Mosston, M. (1978) desenvolveram, partindo da educação motriz, uma teoria bastante aplicável a pessoas com deficiência e à qual chamou de "espectro de estilos e dissonância cognitiva", como os diferentes modos e ritmos de aprendizagem em todas as crianças. 

Mesmo que seus trabalhos sejam aplicáveis às pessoas com deficiências, ele não distingue, em suas considerações educativas, duas classes de pessoas (as deficientes ou não), mas diz que todas as crianças podem aprender, e a única educação válida para ele é aquela na qual todas as crianças, independentemente dos seus problemas, podem e participam efetivamente das atividades esportivas e motrizes de maneira lúdica.

Nessa mesma linha, Mosston está convencido de que, nos contextos de ensino e aprendizagem, o professor deve estabelecer situações diversas (e simultâneas, nós acrescentaríamos) que favoreçam a dissonância cognitiva, tais como modificação do contexto, provocando situações cognitivas nas crianças enquanto buscam uma solução para o problema proposto. Esse autor assegura que depois da superação da dissonância cognitiva há um aumento da atividade motriz e cognitiva.

É bastante interessante, nesse sentido, o pensamento de Cratty, B.J(1972), que desenvolveu uma teoria na qual tenta averiguar a relação existente entre a motricidade, as atividades escolares e a inteligência. Ele denomina esta teoria de desenvolvimento de "Teoria dos Quatro Canais". Os pontos essenciais são os seguintes:

1-A atividade motriz é um componente e não a única base do desenvolvimento das habilidades e destrezas humanas;

2-Quando se trabalha com crianças com problemas, há que se estruturar a atividade motriz, e não se pode desenvolvê-la de maneira indiscriminada com todas as crianças da escola elementar;

3-As áreas às quais as atividades motrizes podem ser de maior ajuda aos processos educativos são:

  1. Nas dificuldades que algumas crianças têm na escrita;
  2. Em ajudar algumas crianças a vencer problemas de autocontrole, a melhorar a atenção e acomodá-las às exigências de algumas tarefas de aula;
  3. Em melhorar algumas funções acadêmicas através da atividade motriz.

Nossa experiência no âmbito da Educação Física e do esporte, dentro do Projeto Roma, segue essa mesma linha. Tentamos fazer com que penetre (e não impor) o discurso da cognição e da metacognição no currículo escolar e nas provas esportivas que não sejam de elite. 

O mais importante é que a Educação Física e o esporte ajudem e favoreçam a organização e a representação mental de espaço, tempo, movimento, ritmo... É claro que existem objetivos a alcançar através da atividade esportiva! 

Mas eles não devem ser esperados no final do processo como prêmios (medalhas, no jargão desportivo), e sim encontrados na superação de todos os obstáculos do próprio processo de aprendizagem encontrados no dia-a-dia, e que existem desde que preparam a sua bolsa de material esportivo, tomam o ônibus ou vão andando sozinhos até o ginásio de esportes, compartilham os vestiários e façam à prova selecionada. Mas não podemos, de modo algum, pensar que o objetivo da Educação Física e do esporte está em competir e em vencer ao outro.

Eu sou dos que pensam que toda a atividade esportiva ou todo o jogo requerem um objetivo, e de que não há que esperar para o final da atividade para consegui-lo. Ele se encontra na superação de obstáculos durante o processo de realização, e eu não compartilho a opinião de que o objetivo seja o de vencer o companheiro. 

Por que há de haver vencedores e vencidos? Não há nenhum esporte ou jogo onde os participantes se esforcem para conseguir os objetivos de modo cooperativo? Se não há, temos que o inventar.

Temos que despertar a emoção pelo esporte e pela Educação Física, simplesmente por que esporte é cultura. Assim, todos os objetivos educativos fundamentais da Educação Física e dos seus profissionais serão a iniciação da criança nessa busca do conhecimento cultural e da tomada de consciência do próprio corpo (o conhecimento de si mesmo). 

Não me refiro aqui a tratar as crianças a partir da Psicomotricidade, nem a partir da Fisioterapia, que são disciplinas muito importantes em aspectos específicos – mas o são para todas as pessoas. Não alcançar todos esses sentimentos e essas vivências nas pessoas com deficiência é condená-las, a priori, a uma educação inadequada, que fomentará o isolamento por causa das suas "condições" de movimento. 

A Educação Física e vocês, como técnicos, devem despertar nessas pessoas o sentimento de que são competentes cognitiva, afetiva e culturalmente, e que suas alterações funcionais não são um obstáculo para levar uma vida desportivamente sadia.

Sabemos que a aquisição da cultura (qualquer manifestação cultural) se produz sempre e quando se desenvolvem nas pessoas duas vias de acesso à mesma. Essas duas vias são, por um lado, a linguagem como instrumento de comunicação e de relação permanente entre as pessoas e, por outro, o movimento como forma de aproximarmos do mundo dos objetos, para o seu conhecimento e a sua compreensão.

Desde a idade mais precoce, a família e a escola aprenderam que têm que ser lugares de descobrimento, de brincadeiras e de expressão de vivências que estimulem a criança com deficiência à vida de relação com o seu entorno. A Educação Física e o esporte, assim, têm que apresentar-se em um ambiente natural.

A criança com deficiência tem que aprender a relacionar-se com outros de sua idade e, por isso, precisa movimentar-se nessa riqueza relacional, tanto através da linguagem quanto através do movimento. Do contrário, produzir-se-á uma enorme pobreza experiencial, que a impedirá de adquirir a cultura.

Competência cultural e qualidade de vida devem vir através de sua própria experiência. As normas de um esporte ou prova atlética devem ser adquiridas em um ambiente natural de aprendizagem, como atividade que dê prazer, o que deve ser finalidade permanente na vida das relações. Saber que se faz algo com um objetivo evitará o aborrecimento, o tédio e a rotina para as pessoas com deficiência. 

Também o saber o "por que se faz" e o "como se faz" – ainda que se faça como movimentos trôpegos ou pouco vistosos – ou seja, conhecer a utilidade e a funcionalidade da atividade esportiva é muito mais importante do que a "maestria do especialista", por que esse conhecimento vai permitir desenvolver processos de atenção e de memória, já que desperta a curiosidade e a reflexão sobre o que está sendo feito. Tudo isso vai permitir, sem traumas, que a criança vá descobrindo o próprio corpo. 

Esse conhecimento e o controle do próprio corpo vão possibilitar que ela forme uma imagem de si mesma valorizando a sua identidade (autoestima), valorizando suas competências expressivas e de ação (comunicação), adquirindo segurança na sua competência afetiva, emocional e relacional (segurança) e, por fim, desenvolvendo hábitos de saúde e atividades da vida cotidiana (autonomia). 

Se a educação para as pessoas com deficiência deve procurar, nos seus primeiros momentos, a iniciação no conhecimento cultural e o descobrimento das possibilidades do seu corpo para o movimento, as etapas posteriores devem aprofundar-se nesses mesmos âmbitos.

Nessa área, há que partir do princípio de que todas as pessoas, independentemente de sua deficiência, têm uma dimensão criativa e de que é preciso saber como descobri-la. Há que saber valorizar muito positivamente as atividades esportivas que elas realizem, por mais insignificantes que possam parecer. 

Essa valorização deve ser feita em função das possibilidades, competências e sensibilidades de cada uma das pessoas com deficiência, potencializando a dimensão criativa e divergente das mesmas e jamais comparando ou estabelecendo critérios competitivos com as outras crianças. 

A partir dessa perspectiva, há que cuidar para que as atividades não sejam uma ocasião para despertar sentimentos adversos e negativos que provoquem uma exclusão das pessoas com deficiência da vida de relação esportiva. Estou de acordo de que exista uma finalidade nas atividades esportivas e de educação física? Claro que sim, e que elas devam estar dirigidas a:

  1. Estimular o desenvolvimento muscular necessário para alcançar desempenhos físicos equiparáveis aos das demais crianças.
  2. Conseguir o equilíbrio metabólico nas áreas deficitárias.
  3. Ser meios de integração, como componentes de equipes.
  4. Treinar e adquirir a disciplina esportiva necessária, aceitando e compreendendo as normas.
  5. Desenvolver a autoestima e a vida de relação social.

Evidentemente que sim, mas sem esquecer em momento algum que a Educação Física e o esporte têm que garantir para as pessoas com deficiência a competência cognitiva, cultural e social suficiente para garantir uma vida de qualidade, como para qualquer outra pessoa. Essa educação deve focalizar-se na autonomia como um sentimento e um estado de espírito profundo, e não como uma permanente preocupação com a (dis) função muscular.

A falta ou dificuldade de movimento deve ser contemplada no currículo como um fator a atender, nunca como uma impossibilidade insuperável de levar uma vida autônoma. O conceito de autonomia, como nós o entendemos, tem que restabelecer nas pessoas com deficiência o controle e o domínio do seu próprio corpo e, sobretudo, do seu estilo de vida. 

Isso significa que seja qual for a ajuda institucional que recebam essas pessoas, elas devem viver a sua diferença como um sentimento próprio e pessoal de que não há nada que as impeça de conseguir aquilo que se propõem. O conceito de vida autônoma acentua que o “problema” da pessoa com deficiência não está enraizado no próprio indivíduo e sim, fundamentalmente, nas respostas contextuais. 

Será, portanto, o contexto (familiar, escolar e social) que deverá mudar qualitativamente para que as pessoas com deficiência desenvolvam o seu estilo de vida com total direito, em uma sociedade aberta, plural e democrática. Todas as pessoas – e as pessoas com deficiência não podem ser uma exceção, têm direito à cultura, à diversão, ao exercício físico, ao lazer, ao tempo livre... em condições normalizadas. 

As atividades culturais oferecem oportunidades únicas e insubstituíveis para que as pessoas descubram a si próprias e aos demais. Por isso, rejeitemos qualquer manifestação cultural, esportiva ou da vida cotidiana que suponha marginalização. Atividades assim só buscam uma imagem social aparentemente sensibilizada (estética?), por que motivam a participação e o intercâmbio de atividades esportivas das pessoas com deficiência, mas sem mudanças profundas (ética) no pensamento nem nas atitudes dos agentes sociais. É uma mudança mais aparente do que real.

No entanto, o pensamento da cultura da integração, como potencial de transformação social, é muito diferente e penetra no mais profundo do ser humano, no mundo dos valores e na moral. Daí resulta uma tomada radical de consciência (não dogmática) nos pais, no professorado e nos dirigentes, que permite uma mudança profunda em sua gestão e em seu pensamento. 

O movimento da cultura da diversidade não supõe apenas uma mera mudança estrutural nas instituições, mas requer uma mudança profunda no ideológico-político, nos sistemas de gestão administrativa, nos conceitos psicológicos, nos princípios e nos sistemas educativos e nas relações de comunicação entre as pessoas. A partir desse último ponto de vista, é simplesmente uma alternativa educativa aos modelos existentes.

Em uma sociedade pluralista, se aceitarão as diferenças e as heterogeneidades das pessoas como potencial para que a sociedade avance e chegue a ser eticamente madura. É um discurso que transcenderá a filosofia da normalização sempre e quando a sociedade seja eticamente madura para oferecer a todas as pessoas com deficiência as mesmas oportunidades que o restante da humanidade tem de viver a sua própria vida com dignidade, e tenham consciência de si mesmas e de sua responsabilidade pessoal e social como pessoas ativas em uma sociedade aberta à diversidade.

Toda a sociedade democrática garante o direito de educação, de autonomia e de ter uma vida digna às pessoas. Ou seja, o reconhecimento da pessoa pelo que ela é e não por aquilo que a sociedade gostaria que ela fosse. As pessoas com deficiência são primeiro e substancialmente, pessoas. e, segundo e acidentalmente, são diferentes.

Isso tudo deve nos dar base para reflexões mais profundas – nós, ao menos, as fazemos – sobre considerar a cultura da diversidade como processo de troca de papéis e funções dos componentes que constituem a sociedade de final do século XX. 

Este é, para mim, o grande valor do trabalho do treinador e do professor de Educação Física, tanto dentro do currículo escolar como nos ginásios esportivos. O esporte é cultura e, no nosso caso, o esporte vai fomentar e desenvolver a cultura da diversidade.

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3 COMENTÁRIOS

1 Michella Queiroz - fortaleza
queria que alguem me mande exemplos de provas de 2 série, pois queria comparar com as minhas
19/04/2008 22:33:27


2 Mallú Dias - Paulista - PE
Procurando texto na área da incusão, acabei achando esse artigo... O debate sobre a questão foi de extrema importancia. Esse será mais um site para minha lista. Parabéns!
16/04/2008 18:24:32


3 Amanda Nascimento - Salvador
Eu como educadora á sociedade precisa de ser crítica a respeito da inclusão social pois depende de cada um. Muitas escolas não tem capacidade de incluir um aluno com deficiencia a sua estrutura física são de mal qualidade. E professores não são capacitados para trabalhar a inclusão com seus alunos.
06/12/2007 18:55:04


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