O ensino universitário que não temos - 29/05/2007
Editorial
Estive pensando a respeito da vida universitária no Brasil e estou chegando à triste conclusão que, salvo honrosas exceções em termos de cursos, docentes e alunos, as universidades que temos por aqui não conseguiram constituir uma mentalidade acadêmica producente tal qual a que existe e vigora na Europa, no Japão, nos Estados Unidos ou no Canadá. Por que estou me referindo a isso?
Porque percebo claramente que a falta de uma vida acadêmica nos moldes mais tradicionais, próximo daquilo que vemos na França, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos ou na Alemanha (para citar apenas alguns exemplos) não permite aos nossos estudantes da graduação uma real imersão (de corpo e alma) no espírito de pesquisa, formação, estudos acadêmicos e aperfeiçoamento profissional, humano e técnico que as universidades deveriam lhes imputar.
E o que quero dizer com vida acadêmica? Refiro-me, nesse caso, a vivência acadêmica traduzida num compromisso que ao longo do prazo de um curso de graduação (qualquer que seja a área de especialização) leve o aluno a estudar, freqüentar a biblioteca da instituição, fazer pesquisas de campo, participar de aulas práticas com grande regularidade, ter aulas que lhes cobrem o máximo de aprofundamento e dedicação (é isso mesmo, acho que temos que ser mais rigorosos, afinal de contas estamos formando os profissionais do futuro), envolver-se com os eventos culturais e científicos promovidos nos campus e, até mesmo, viver nos locais onde estudam... De preferência sem ter que se preocupar com outras atividades que tenham que desenvolver paralelamente...
Como não temos essa realidade dominando o cenário nacional, exceto em alguns nichos específicos (como o ITA, alguns departamentos de universidades federais, pouquíssimas áreas ou cursos de instituições particulares) ou a partir da ação isolada de bravos profissionais que entendem a necessidade de modificar os rumos da graduação em nosso país, as perspectivas de um futuro melhor para as universidades e para o país continuam as mesmas, ou sejam, pouco promissoras... (As Universidades que não temos. Post no Blog Escolhendo a Pílula Vermelha - http://escolhendoapilulavermelha.blogspot.com – por João Luís de A. Machado – em 25 de Abril de 2007)
O ensino superior precisa ser
modernizado, superando o tradicionalismo que ainda reina em muitas
aulas e cursos, deixando para trás as estratégias
em que o educador é ainda o centro das
atenções e da ação em sala
de aula.
Escrevi as linhas acima em meu blog “Escolhendo a Pílula Vermelha” há pouco mais de um mês. Naquele momento a Universidade de São Paulo ainda não vivia o impasse entre os estudantes que invadiram a reitoria em luta por maior autonomia universitária e a direção daquela prestigiosa instituição. Enquanto professor universitário, acredito que a bandeira levantada pelos estudantes é até pertinente, não posso, entretanto, concordar com os meios utilizados para que tal proposição viesse a se tornar pauta na USP.
A autonomia universitária desejada pelos estudantes da maior e mais conceituada instituição do gênero no país não é, porém, a prioritária luta a ser desencadeada pela graduação brasileira. A autonomia poderia se tornar uma causa mais premente, necessária e justa a partir do momento em que tivéssemos uma universidade viva, atuante, integrada, realizadora e pulsante.
Isso não quer dizer que não existam no Brasil casos isolados de instituições que conseguem caracterizar-se da forma descrita nesses qualificativos e que atingem o status de verdadeiras universidades. Nossas universidades federais e algumas particulares que estão há mais tempo no mercado perseguem arduamente a aura de instituições reconhecidas pela qualidade de seus cursos e também por produtividade científica.
Não há como negar que a própria USP, a Unicamp, a UFRJ (Federal do Rio de Janeiro), a UFMG (Federal de Minas), o Ita (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) – apenas para mencionar alguns reconhecidos casos de qualidade no ensino superior brasileiro orientado pelo estado; ou ainda as PUCs (Pontifícias Universidades Católicas), apesar da grave crise que atormenta a PUC de São Paulo, a FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), o Mackenzie, a FGV (Fundação Getúlio Vargas), que representam o que há de melhor em termos de universidades privadas nacionais – têm como propósito consolidar a qualidade no ensino superior brasileiro.
Ainda assim, não podemos negar que falta no Brasil a cultura educacional universitária que existe na Europa e nos Estados Unidos. Dentro do formato utilizado nesses contextos, em que ocorre uma autêntica imersão nos estudos, que permite a formação plena e integral de profissionais capacitados e aptos a ingressar no mercado sem grandes sobressaltos, os estudos são prioritários, os professores são valorizados e instados a pesquisar, as instalações universitárias possuem os pré-requisitos essenciais para a efetivação do processo ensino-aprendizagem, há uma integração com o mercado, avalia-se com rigor o desenvolvimento dos estudantes,...
Os rumos da
educação demandam seriedade e comprometimento
real por parte das autoridades públicas nacionais.
Não bastam discursos através dos quais sejam
prometidas melhorias, é preciso efetivar essas
transformações...
No Brasil, por outro lado, sabemos que os investimentos em educação não são prioridade para os governos, apenas fazem parte de um discurso eleitoreiro através do qual os políticos querem consolidar a sua permanência em cargos e mandatos através dos quais se beneficiem ou auxiliem as pessoas que são próximas a eles. Dados recentes divulgados através dos jornais indicam que aproximadamente 10% do dinheiro destinado a obras e serviços públicos no Brasil são desviados para o bolso de corruptos...
Imaginem então o que daria para fazer se esse percentual elevado não fosse parar nas mãos desses criminosos de colarinho branco e se tornassem parte real das verbas aplicadas em saúde, transportes, habitação, saneamento básico, cultura, energia ou educação. Teríamos, por exemplo, bibliotecas atualizadas nas universidades públicas, computadores ligados a internet nas escolas de ensino médio e fundamental, salários melhores para os educadores, cursos de atualização para todos os profissionais que atuam nas escolas,...
Quando faço as colocações acerca da precariedade da universidade no Brasil, destacando problemas básicos como a infra-estrutura corroída de algumas instituições públicas (deterioradas pelo tempo, sem manutenção permanente), a falta de estímulo que muitas vezes reina entre os educadores (desvalorizados e sem incentivo para a pesquisa) ou ainda a não imersão dos alunos na vida universitária – o faço com “dor no coração”. Creio, sinceramente, que a via prioritária para que qualquer país se emancipe econômica, social, política e culturalmente passa pela educação de qualidade em todos os níveis.
Nesse sentido é preciso destacar que também as novas instituições privadas de ensino universitário surgidas nos últimos 10 ou 15 anos no país também devem repensar suas estruturas. Essas universidades ou faculdades estão focadas no oferecimento de uma infra-estrutura bastante qualificada em termos materiais – com instalações novas, boas bibliotecas, laboratórios de informática conectados a rede mundial de computadores – mas carecem de uma maior preocupação com a qualificação do corpo docente que possuem.
A porta de entrada para o
ensino superior de qualidade também passa pela
incorporação das tecnologias e pela melhoria da
infra-estrutura de atendimento a professores e estudantes, mas
é essencial que o trabalho dos educadores seja prestigiado e
que o corpo docente das instituições seja formado
por mestres e doutores.
Reina entre elas, infelizmente, uma mentalidade mercantilista em relação ao ensino. Por esse motivo se preocupam em oferecer um belo cartão de visitas (com computadores, muitos livros nas bibliotecas, laboratórios, quadras,...) e procuram economizar na contratação dos docentes. A qualificação real da universidade acontece a partir do momento em que, paralelamente a toda uma estrutura física e material bem constituída, a instituição ofereça os trabalhos de professores e pesquisadores titulados, ativos em pesquisa (pela própria instituição ou por outros centros de excelência na área) e que estejam participando com constância de palestras, seminários, congressos,...
O que se vê, em muitos casos, é que as faculdades e algumas universidades privadas contratam mestres e doutores apenas nos períodos em que serão avaliadas pelo Ministério da Educação (MEC) com a finalidade de obter uma nota que as coloque em destaque no âmbito geral das instituições do seu segmento. Passado esse exame do MEC, é praxe que esses docentes sejam dispensados ou demitidos para que em seu lugar sejam contratados apenas especialistas, que obviamente não possuem a mesma condição e qualidade de serviços a oferecer para os estudantes.
Não podemos também deixar de mencionar que aos estudantes compete encarar com muita seriedade os estudos na universidade, o que não ocorre em grande parte dos casos. A graduação não é uma continuidade do Ensino Médio. É a porta de entrada para o mundo do trabalho, onde os conhecimentos adquiridos na faculdade serão exigidos ao máximo e terão que ser complementados pela prática e pelo contato com o mundo em que vivemos.
A avaliação realizada no ensino superior, assim como os cursos, têm que ser mais rigorosos em suas cobranças de leitura, participação do aluno, aprofundamento, pesquisas e comprometimento. E os alunos têm que também partilhar, com maturidade dessas exigências (que caso não sejam feitas pela instituição e pelos docentes, deve ser cobrada pelos estudantes). Se a formação universitária for deficiente e mesmo assim os graduandos forem aprovados, o curso maior será pago por esses estudantes quando tentarem ingressar no mercado de trabalho, onde acabarão sendo irremediavelmente reprovados...
1 Geraldo Vicente de Mello - Taubate / SP
Estou pesquisando tudo que se fala em educacao para tentar entender o porque do alto custo da educacao em nosso País. Porque o governo não valoriza de verdade esta pasta?. Alguem pode me dar outra resposta que não seja a de que quanto mais ignorante a população, melhor para os governantes?
Mello
27/07/2007 19:54:38
2 Aline Cristine P. Ribeiro - Bauru
Concordo que os estudantes precisariam de condições melhores pra só estudar e se aprofundar. Porém, hoje o estudante precisa trabalhar o dia todo e estudar à noite. Ele tem que se preocupar com seu sustento, com sua profissão, com outros afazeres e não consegue se dedicar plenamente aos estudos. O meu caso foi assim. Além de tudo eu tenho dois filhos e cuido de casa. Me formei com muito esforço numa Universidade Pública. Creio que teria me saído ainda melhor se tivesse tido mais tempo para me dedicar e condições mais favoráveis. Hoje se um filho não trabalha e só estuda é considerado preguiçoso, folgado, que vive nas "costas dos pais". Não se consegue perceber a importância de se dedicar ao estudo integralmente, a importância de formar um profissional mais engajado, mais humano e menos capitalista. Um profisional que ama o que faz e se dedica. E não aquele que praticamente "compra" seu diploma.
04/06/2007 22:27:36
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