Aprender com as Diferenças
 

A Vivência da Culpa - 09/04/2007
Emílio Figueira

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Sentir-se culpado. Esse sentimento é um dos grandes sofrimentos psicológicos, escondendo-se atrás de nossas tristezas, frustrações, insatisfações na vida, tédio e angústias. Geralmente um apego ao passado, originando sofrimento por ter cometido algum erro, tendo por núcleo do sentimento de culpa as palavras “não deveria”.

Surge a grande tortura da frustração pela distância entre o que não fomos e a imagem de como nós deveríamos ter sido. Percebemos não sermos perfeitos. E, por não sermos infalíveis, desenvolvemos um profundo sentimento de impotência. Será mesmo? Será justo que o sentimento de culpa é uma virtude?

Acredito que não, pois algo que nos faz gastar energia com lamentação interior, por aquilo que já ocorreu ao invés de gastarmos em novas coisas, novas ações, novos comportamentos, não pode ser vangloriada como virtude. Claro que diante de erros momentâneos, reconhecê-los e pedir desculpas, isso sim é uma bela virtude.

Mas estou falando daquele sentimento de culpa que se perpetua em nossa mente, prejudica nossa vivência e relacionamento com outras pessoas, esse sim é um comportamento considerado doentio. Significa um auto-desprezo, não aceitação de nossos limites e fragilidade à frente das circunstâncias da vida.

Uma vingança contra nós mesmos, por não termos preenchido a expectativa de alguém ao nosso respeito, clara e explícita; uma expectativa interiorizada no decorrer da vida. Ao nos sentirmos culpados, estamos alienados de nós mesmos. Promovendo uma recriminação interna; as vozes recriminatórias de nossos pais, mães, professores, ou outras pessoas ainda dentro de nós.

Sentimento de Culpa se refere à responsabilidade dada à pessoa por um ato que provocou prejuízo material, moral ou espiritual a si mesma ou a outra. Isso porque nascemos em uma sociedade cheia de mecanismo visando controlar nossos comportamentos e ações. Por meio da Ética visa-se imprimir nossa conduta para sermos “verdadeiramente” felizes.

Ela é resultado da Moral, conjunto de costumes e juízos morais de um indivíduo ou de uma sociedade, orientando a ação humana submetida ao dever e com vistas ao bem. Sem contestar na maioria das vezes, aceitamos esse conjunto de normas livre e conscientemente que visam organizar as relações dos indivíduos na sociedade. Delas podem surgir ações de Moralismo, apego excessivo à letra das regras morais em detrimento da atitude prática que consente em cultivar apenas a perfeição moral sem se preocupar com o bem a ser realizado.

Sem querer discutir religião e sim falar de Psicologia, é no sentido religioso de culpa, pelo qual um ato da pessoa recebe uma avaliação negativa da divindade, por consistir na transgressão de um tabu ou de uma norma religiosa. A sanção religiosa é um ato social e pode corresponder a repreensão e pena objetivas.

De outra parte, a culpa religiosa compreende também um estado psicológico, existencial e subjetivo, que propõe a busca de expiação de faltas ante o sagrado como parte da própria experiência religiosa. O termo pecado está geralmente ligado à culpa, no sentido religioso.

Todavia, mais do que nunca, ter uma religiosidade hoje em dia, em uma sociedade tão sem valores morais e respeito ao próximo, tornar-se cada vez mais funda mental para suportamos essas cargas psíquicas. Carl Jung defendia a religiosidade como uma forma natural, inerente à psique, sendo um fenômeno universal, ela é encontrada desde os tempos mais remotos em cada tribo e povo. Focando-a como um instinto, Jung toma em seus escritos uma atitude positiva com relação às religiões, na medida em que elas recolhem e conservam imagens simbólicas.

O processo de identificação e atribuição de culpa ocorre no plano subjetivo (apresenta-se à consciência quando avaliamos nossos atos de forma negativa, sentindo-se responsável por falhas, erros e imperfeições) e no plano intersubjetivo e/ou objetivo (quando a culpa é um atributo que um grupo aplica a um indivíduo, ao avaliar os seus atos, quando esses atos resultaram em prejuízo a outros ou a todos).

A vivência desse Sentimento de Culpa gera um sofrimento obtido após reavaliação de um comportamento passado tido como reprovável por si mesmo, tendo como base, do ponto de vista psicanalítico, é a frustração causada pela distância entre o que não fomos e a imagem criada pelo superego daquilo que achamos que deveríamos ter sido.

A sensação de frustração sempre é experimentada de maneira errônea e momentânea como a incapacidade de vencer um determinado obstáculo, não conseguir realizar o objetivo a que se propôs. Ela será tanto maior quanto menor for a segurança do indivíduo e quanto mais forte for a atração exercida pelo objetivo.

A culpa é um sentimento como outro qualquer e que pode ser “trabalhado terapeuticamente” ao se abordar este sentimento com aquele que sofre, quando chega a ser considerado um obstáculo por aquele que o sente, é resultado de um inadequado crescimento pessoal, mas não é considerada uma patologia, segundo dizia o psicólogo humanista Carl Roger.

Todas as pessoas têm uma tendência à atualização que se dirige para a plena auto-realização; sendo assim, o sentimento de culpa pode ser apenas limitação momentânea no processo de autorrealização.

Quando trabalhamos o sentimento de culpa dentro de nós – sozinho ou com uma ajuda profissional -, é primordial descobrir as convicções falsas que existem, nossa expectativa perfeccionista da vida, ou produto da nossa fantasia. Claro que não é possível viver sem cometer erros.

Mas quanto maior a discrepância entre a realidade objetiva e a nossa fantasia, entre aquilo que podemos nos tornar através de nosso verdadeiro potencial e os conceitos idealistas impostos, tanto maior será o nosso esforço na vida e maior nossa frustração.

Respondendo a essa crença opressora da perfeição, atuamos em um papel que não tem fundamento real em nossas necessidades, tornando-se falsos, evitando encarar de frente nossas limitações e ao desempenhar papéis sem base em nossa capacidade. Assim, construímos dentro de nós um inimigo que é o ideal imaginário de como deveria ser e não de como realmente é.

As pessoas sempre dizem que suas vivências de culpa vêem dos seus erros, pois há uma relação em nossos paradigmas mentais que culpa pressupõe erro. Acreditam que culpa é uma decorrência natural do erro, que não pode haver de maneira nem uma culpa sem erro. Isso é profundamente falso. Uma coisa é o erro e outra é a culpa.

São duas coisas distintas, separadas e que nós unimos de má fé, afim de não deixarmos saída para o nosso sentimento de culpa. O erro é o modo de se fazer algo diferente, fora de algum padrão de algum modelo determinado – que hoje pode ser errado e amanhã não. Pode ser errado em um país e não no outro.

A culpa é o sentimento que vem de nós. Vem da crença de que é errado errar, que devemos ser castigados pelas faltas cometidas. Crença de que a cada erro deve corresponder, necessariamente, um castigo. O sentimento de culpa é a punição que damos a nós mesmo pelo erro cometido.

O erro é inerente à natureza humana, sendo necessário à nossa vida, uma demonstração de como somos. Quando damos ouvidos aos nossos erros, ao invés de nos lamentar por dentro, teremos crescido pela autoavaliação do que pode e o que não pode. Se a culpa é a vergonha da queda, o autoperdão é o elo entre a queda e o levantar de novo, o recomeço da brincadeira depois do tombo.

Autoperdoar por erros cometidos, por não ser perfeito, pela nossa natureza humana, pelas nossas limitações, é algo pessoal e intransferível. Isso sim é uma virtude de alguém amadurecido. O ato de restabelecer a nossa própria unidade, nossa inteireza diante da vida e unir outra vez o que a culpa dividiu. É uma aceitação integral daquilo que já aconteceu, daquilo que já passou, daquilo que já não tem jeito. É o encontro corajoso e amoroso com a realidade.

Somente aqueles que já desenvolveram a capacidade de autoperdão, conseguem energia para uma vida sadia psicologicamente. A criança faz isso muito bem. O perdão é a própria aceitação da vida do jeito que ela é nos altos e baixos, dizendo adeus ao passado, um sim a vida que nos rodeia agora, uma adesão ao presente, sacudindo a poeira, renovando a autoestima e da alegria de viver.

Fonte: Blog do Emílio Figueira (http://blog.emiliofigueira.com/2008/10/29/a-vivencia-da-culpa/#more-58).

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