Sentir-se
culpado. Esse sentimento é um dos grandes sofrimentos
psicológicos, escondendo-se atrás de nossas
tristezas, frustrações,
insatisfações na vida, tédio e
angústias. Geralmente um apego ao passado, originando
sofrimento por ter cometido algum erro, tendo por núcleo do
sentimento de culpa as palavras “não
deveria”.
Surge a grande tortura da frustração pela
distância entre o que não fomos e a imagem de como
nós deveríamos ter sido. Percebemos
não sermos perfeitos. E, por não sermos
infalíveis, desenvolvemos um profundo sentimento de
impotência. Será mesmo? Será justo que
o sentimento de culpa é uma virtude?
Acredito que não, pois algo que nos faz gastar energia com
lamentação interior, por aquilo que já
ocorreu ao invés de gastarmos em novas coisas, novas
ações, novos comportamentos, não pode
ser vangloriada como virtude. Claro que diante de erros
momentâneos, reconhecê-los e pedir desculpas, isso
sim é uma bela virtude.
Mas estou falando daquele sentimento de culpa que se perpetua em nossa
mente, prejudica nossa vivência e relacionamento com outras
pessoas, esse sim é um comportamento considerado doentio.
Significa um auto-desprezo, não
aceitação de nossos limites e fragilidade
à frente das circunstâncias da vida.
Uma vingança contra nós mesmos, por
não termos preenchido a expectativa de alguém ao
nosso respeito, clara e explícita; uma expectativa
interiorizada no decorrer da vida. Ao nos sentirmos culpados, estamos
alienados de nós mesmos. Promovendo uma
recriminação interna; as vozes
recriminatórias de nossos pais, mães,
professores, ou outras pessoas ainda dentro de nós.
Sentimento de Culpa se refere à responsabilidade dada
à pessoa por um ato que provocou prejuízo
material, moral ou espiritual a si mesma ou a outra. Isso porque
nascemos em uma sociedade cheia de mecanismo visando controlar nossos
comportamentos e ações. Por meio da
Ética visa-se imprimir nossa conduta para sermos
“verdadeiramente” felizes.
Ela é resultado da Moral, conjunto de costumes e
juízos morais de um indivíduo ou de uma
sociedade, orientando a ação humana submetida ao
dever e com vistas ao bem. Sem contestar na maioria das vezes,
aceitamos esse conjunto de normas livre e conscientemente que visam
organizar as relações dos indivíduos
na sociedade. Delas podem surgir ações de
Moralismo, apego excessivo à letra das regras morais em
detrimento da atitude prática que consente em cultivar
apenas a perfeição moral sem se preocupar com o
bem a ser realizado.
Sem querer discutir religião e sim falar de Psicologia,
é no sentido religioso de culpa, pelo qual um ato da pessoa
recebe uma avaliação negativa da divindade, por
consistir na transgressão de um tabu ou de uma norma
religiosa. A sanção religiosa é um ato
social e pode corresponder a repreensão e pena objetivas.
De outra parte, a culpa religiosa compreende também um
estado psicológico, existencial e subjetivo, que
propõe a busca de expiação de faltas
ante o sagrado como parte da própria experiência
religiosa. O termo pecado está geralmente ligado
à culpa, no sentido religioso.
Todavia, mais do que nunca, ter uma religiosidade hoje em dia, em uma
sociedade tão sem valores morais e respeito ao
próximo, tornar-se cada vez mais funda mental para
suportamos essas cargas psíquicas. Carl Jung defendia a
religiosidade como uma forma natural, inerente à psique,
sendo um fenômeno universal, ela é encontrada
desde os tempos mais remotos em cada tribo e povo. Focando-a como um
instinto, Jung toma em seus escritos uma atitude positiva com
relação às religiões, na
medida em que elas recolhem e conservam imagens simbólicas.
O processo de identificação e
atribuição de culpa ocorre no plano subjetivo
(apresenta-se à consciência quando avaliamos
nossos atos de forma negativa, sentindo-se responsável por
falhas, erros e imperfeições) e no plano
intersubjetivo e/ou objetivo (quando a culpa é um atributo
que um grupo aplica a um indivíduo, ao avaliar os seus atos,
quando esses atos resultaram em prejuízo a outros ou a
todos).
A vivência desse Sentimento de Culpa gera um sofrimento
obtido após reavaliação de um
comportamento passado tido como reprovável por si mesmo,
tendo como base, do ponto de vista psicanalítico,
é a frustração causada pela
distância entre o que não fomos e a imagem criada
pelo superego daquilo que achamos que deveríamos ter sido.
A sensação de frustração
sempre é experimentada de maneira errônea e
momentânea como a incapacidade de vencer um determinado
obstáculo, não conseguir realizar o objetivo a
que se propôs. Ela será tanto maior quanto menor
for a segurança do indivíduo e quanto mais forte
for a atração exercida pelo objetivo.
A culpa é um sentimento como outro qualquer e que pode ser
“trabalhado terapeuticamente” ao se abordar este
sentimento com aquele que sofre, quando chega a ser considerado um
obstáculo por aquele que o sente, é resultado de
um inadequado crescimento pessoal, mas não é
considerada uma patologia, segundo dizia o psicólogo
humanista Carl Roger.
Todas as pessoas têm uma tendência à
atualização que se dirige para a plena
auto-realização; sendo assim, o sentimento de
culpa pode ser apenas limitação
momentânea no processo de
autorrealização.
Quando trabalhamos o sentimento de culpa dentro de nós
– sozinho ou com uma ajuda profissional -, é
primordial descobrir as convicções falsas que
existem, nossa expectativa perfeccionista da vida, ou produto da nossa
fantasia. Claro que não é possível
viver sem cometer erros.
Mas quanto maior a discrepância entre a realidade objetiva e
a nossa fantasia, entre aquilo que podemos nos tornar
através de nosso verdadeiro potencial e os conceitos
idealistas impostos, tanto maior será o nosso
esforço na vida e maior nossa
frustração.
Respondendo a essa crença opressora da
perfeição, atuamos em um papel que não
tem fundamento real em nossas necessidades, tornando-se falsos,
evitando encarar de frente nossas limitações e ao
desempenhar papéis sem base em nossa capacidade. Assim,
construímos dentro de nós um inimigo que
é o ideal imaginário de como deveria ser e
não de como realmente é.
As pessoas sempre dizem que suas vivências de culpa
vêem dos seus erros, pois há uma
relação em nossos paradigmas mentais que culpa
pressupõe erro. Acreditam que culpa é uma
decorrência natural do erro, que não pode haver de
maneira nem uma culpa sem erro. Isso é profundamente falso.
Uma coisa é o erro e outra é a culpa.
São duas coisas distintas, separadas e que nós
unimos de má fé, afim de não deixarmos
saída para o nosso sentimento de culpa. O erro é
o modo de se fazer algo diferente, fora de algum padrão de
algum modelo determinado – que hoje pode ser errado e
amanhã não. Pode ser errado em um país
e não no outro.
A culpa é o sentimento que vem de nós. Vem da
crença de que é errado errar, que devemos ser
castigados pelas faltas cometidas. Crença de que a cada erro
deve corresponder, necessariamente, um castigo. O sentimento de culpa
é a punição que damos a nós
mesmo pelo erro cometido.
O erro é inerente à natureza humana, sendo
necessário à nossa vida, uma
demonstração de como somos. Quando damos ouvidos
aos nossos erros, ao invés de nos lamentar por dentro,
teremos crescido pela autoavaliação do que pode e
o que não pode. Se a culpa é a vergonha da queda,
o autoperdão é o elo entre a queda e o levantar
de novo, o recomeço da brincadeira depois do tombo.
Autoperdoar por erros cometidos, por não ser perfeito, pela
nossa natureza humana, pelas nossas limitações,
é algo pessoal e intransferível. Isso sim
é uma virtude de alguém amadurecido. O ato de
restabelecer a nossa própria unidade, nossa inteireza diante
da vida e unir outra vez o que a culpa dividiu. É uma
aceitação integral daquilo que já
aconteceu, daquilo que já passou, daquilo que já
não tem jeito. É o encontro corajoso e amoroso
com a realidade.
Somente aqueles que já desenvolveram a capacidade de
autoperdão, conseguem energia para uma vida sadia
psicologicamente. A criança faz isso muito bem. O
perdão é a própria
aceitação da vida do jeito que ela é
nos altos e baixos, dizendo adeus ao passado, um sim a vida que nos
rodeia agora, uma adesão ao presente, sacudindo a poeira,
renovando a autoestima e da alegria de viver.
Fonte:
Blog do Emílio Figueira
(http://blog.emiliofigueira.com/2008/10/29/a-vivencia-da-culpa/#more-58).