Lições da Gastronomia - 14/11/2006
Aqui é o meu país...
Arroz, feijão, couve, torresminho, polenta, ovo frito, banana à milanesa,...
É para dar água na boca e lembrar com orgulho de nossa brasilidade...
Na semana passada tive a grata incumbência de mediar uma mesa de discussões que tinha como temática a globalização e seus efeitos sobre a gastronomia brasileira e mundial. Estive ao lado de Bettina Orrico (Editora de Gastronomia da Revista Cláudia, da Editora Abril), Josimar Melo (Crítico Gastronômico da Folha de São Paulo e Editor do site Basílico - www.basilico.com.br) e Ronaldo Lopes Pontes Barreto (Professor e pesquisador do Senac, autor de livros especializados na área de gastronomia).
O evento fazia parte de uma série de apresentações e debates organizados pelo Senac-SP em suas unidades que têm cursos de gastronomia, como Águas de São Pedro, Campos do Jordão, São José do Rio Preto, São Paulo (em Santo Amaro) e Taubaté. Foram realizadas palestras, workshops e discussões sobre o tema tentando envolver os estudantes e a comunidade. Ofereceu-se um pouco daquilo que há de melhor no segmento, tanto no que se refere a recursos humanos quanto materiais, logísticos e acadêmicos.
Tivemos um público de aproximadamente 70 pessoas assistindo ao debate em Campos do Jordão. Em sua maioria os espectadores eram estudantes da própria instituição ligados à área da gastronomia. Apenas esse fato já merece uma consideração. Temos que nos livrar dos “cabrestos” que nos limitam os olhares apenas ao que aparentemente se liga a nossa área de atuação e estudos. Olhemos além do horizonte estreito que demarca a profissão que escolhemos. Se não fosse assim os navegadores europeus que cruzaram o Atlântico, o Índico e o Pacífico jamais teriam realizado a ampliação do mundo conhecido e unido povos e culturas diferenciadas.
Participar de eventos que reúnam especialistas e estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento humano só nos propicia maiores possibilidades de crescimento e maturação das idéias, projetos, sonhos... Se há encontros sendo organizados em universidades e instituições de pesquisa ou estudo próximas de sua casa procure se informar sobre o que está acontecendo e participe! Isso é válido para universitários, estudantes do ensino médio e membros da comunidade em geral. Sempre há ganhos e raramente perdemos alguma coisa...
Participar de eventos acadêmicos e culturais promovidos por universidades e
institutos de pesquisa é importante para os estudantes e também para a comunidade.
Nesse sentido é de primordial importância que o calendário de eventos dessas instituições seja tornado público. Cartazes, folders, panfletos, divulgação pela Internet ou anúncios nas rádios e emissoras de televisão locais podem permitir que um público mais e mais amplo participe desses encontros.
Voltando a mesa redonda... Abrimos espaço para que cada um dos participantes pudesse apresentar suas considerações sobre a temática. Depois dessa introdução ao tema por parte de cada um deles, foram feitas perguntas pelo público que, encaminhadas à mesa, foram direcionadas aos especialistas.
Durante a fala de cada um deles o que pudemos perceber e sentir é que há um arraigado sentimento de amor a nossa pátria amada Brasil. Sem devaneios ou ilusões, sabedores dos descaminhos e erros grosseiros que ameaçam a integridade do país, especialmente os (muitos) percalços do mundo político, Bettina, Josimar e Ronaldo ainda assim conseguiram apresentar idéias que tinham o intuito de fomentar uma necessária paixão pelo nosso país entre os futuros profissionais da gastronomia (válida também para estudantes de todas as outras áreas de trabalho).
Falaram sobre a globalização que nos encarcera e remete de forma irremediável aos padrões culturais dos Estados Unidos. Mencionaram exemplos variados que abordavam o cinema, a música, a literatura ou a televisão. Procuraram ser mais detalhistas quando falaram especificamente da culinária e de seus segredos e variedades regionais ou mundiais. Certificaram-se que sua mensagem demonstrasse de que forma estamos nos tornando reféns de um padrão cultural sem que nem ao menos percebamos isso...
Ao que muitos articulistas ou estudiosos nomeiam globalização chamaram de americanização. Explicaram que, a partir da compreensão que possuem da palavra globalização, esse movimento teria ocorrido na Idade Moderna, quando os europeus promoveram a expansão marítima que os levou aos quatro cantos do mundo. O sentido real do vocábulo seria o daquela época porque, então, a humanidade promoveu um intercâmbio mais livre e menos direcionado de produtos e idéias. É claro que percebem a força e a penetração da Europa no imaginário mundial a partir de então, especialmente nas Américas.
Não podemos abdicar da gastronomia brasileira em favor da invasão dos padrões
alimentares dos Estados Unidos. Isso não significa que devamos hostilizar a cultura
norte-americana ou que devamos nos fechar a influências externas, temos apenas que
referendar nossa cultura, admitir as produções estrangeiras e promover
um rico
intercâmbio com todos os povos.
Mas não há como negar que a contrapartida para o que trouxeram de além-mar os fidalgos portugueses, ingleses, franceses ou espanhóis também aconteceu. Se aprendemos a produzir vinhos e azeites e a apreciar essas iguarias próprias da dieta Mediterrânea, demos ao Velho Mundo o chocolate, o tomate e as batatas (entre tantas outras contribuições originais americanas para o resto do mundo). Aprendemos e ensinamos, senão em medidas semelhantes ou aproximadas, ao menos tivemos a oportunidade de sacramentar uma relação de ida e volta em termos de mercadorias, práticas e teorias...
O mesmo raciocínio é válido quando pensamos na relação entre os europeus e os outros continentes. Diga-se de passagem que a Índia, a China, o Oriente Médio e o Japão, por exemplo, constituíam culturas ancestrais riquíssimas e mais evoluídas naquela época que a própria Europa.
Bettina, Josimar e Ronaldo ressaltaram que o nosso país, de dimensões continentais e inúmeras contribuições culturais, especialmente aquelas que fizeram surgir o nosso padrão étnico basilar, formada pelos portugueses, africanos e indígenas, possui grande originalidade em praticamente toda a sua produção cultural, inclusive na gastronomia. E o mais interessante é que, apesar disso, valorizamos mais o que vem do estrangeiro, particularmente o que é proveniente do chamado Primeiro Mundo (Europa Ocidental, Japão e Estados Unidos).
É muito mais comum do que se imagina a vergonha que muitos brasileiros têm de suas origens barrocas. Nos envergonhamos do feijão com arroz apesar de degustarmos essas iguarias diariamente com grande apreço por seu sabor, totalmente de acordo com o nosso paladar. Não valorizamos como deveríamos a farofa, os pastéis, o vatapá, o açaí, a garapa, os bolinhos de quermesse, o Bauru, o guaraná, o cupuaçu, a graviola, o caju ou a feijoada.
Queremos provar o nosso ingresso no mundo cosmopolita e, por esse motivo, desprezamos o que se associa as nossas raízes, ao nosso sangue e a nossa história em favor daquilo que é importado, mesmo que isso não seja condizente com nossas reais preferências. Dizemos que gostamos de algo apenas porque tantas outras pessoas estão assumindo tais preferências. Há, por incrível que pareça, inúmeras pessoas que são incapazes de admitir que gostam de um bom prato de arroz, feijão, farofa, couve, banana a milanesa, bisteca de porco e ovo. Mistura caipira e tropeira que fez e faz a alegria de milhares de brasileiros simples, do interior do país.
Temos que desbravar o nosso Brasil e descobrir suas grandes riquezas.
Para isso
nada melhor que viajar e ver o cotidiano de suas cidades,
aprender os sabores típicos e a simplicidade de sua cozinha doméstica,
perceber os valores, a arte, a pureza e grande diversidade
cultural que encontramos em nosso país.
Nesse sentido é válido lembrar que os participantes desse debate também destacaram a necessidade de ler, estudar, pesquisar e viajar. O diferencial de um profissional, em qualquer área do conhecimento está justamente em sua capacidade de aperfeiçoamento e, o cabedal de informações que se pode acumular ao desenvolver todas essas práticas é grandioso.
Viajar pelo Brasil e fora do país são premências que só reforçam nossos laços com o país. Aprendemos a gostar mais de nossa terra quando estamos fora daqui do que quando por aqui vivemos. Esquecemos de nossas riquezas quando somos absorvidos pelo cotidiano e por seus afazeres. E, quando viajarmos, temos que conhecer a realidade de vida dos lugares pelos quais estamos passando. Não podemos nos ater apenas aos pontos turísticos mais conhecidos. Temos que ir as ruas, conversar com o povo, conhecer o seu dia a dia, provar um pouco de sua comida caseira, aprender suas músicas e danças e, ao mesmo tempo, falar de nossa brasilidade, com orgulho e satisfação.
A viagem pelos livros e estudos é outro aspecto destacado pelos especialistas em gastronomia reunidos na discussão sobre a globalização e a gastronomia brasileira. Tente saber mais, visite a biblioteca, adquira livros sobre o seu tema de estudos, converse com especialistas, faça visitas a museus, pesquise na Internet, descubra referências em filmes e músicas, procure os títulos clássicos, mergulhe nos novos autores,... Você só tem a ganhar pois estará se tornando uma pessoa cada vez mais culta e informada, capaz de se posicionar, criar e encontrar soluções e alternativas para os problemas de sua área de atuação, vida pessoal e, até mesmo, para o mundo em que vivemos...
Resistimos à americanização, que é conhecida e chamada por muitos de globalização, a partir de nossas trincheiras nativas. Não estamos fazendo apologia da sandália de couro, das roupas de algodão ou de uma alimentação a base de milho ou mandioca. Não podemos desprezar ou nos alienar da produção internacional, inclusive da norte-americana. Há expoentes culturais fantásticos provenientes da Alemanha, do Japão, do México ou dos Estados Unidos. Fechar-nos a esse intercâmbio é um grande retrocesso.
Não devemos também nos descolar das nossas raízes e desprezá-las por apresentarem bases simples, barrocas, herdadas de antepassados africanos, indígenas e lusos. Falamos uma das línguas mais bonitas e complexas do mundo; temos grandes poetas e escritores; somos a pátria de músicos como Villa-Lobos e Tom Jobim; Temos nossos cientistas e inventores; produzimos obras riquíssimas nas artes plásticas e nas cênicas também. É nessa terra que se criaram receitas imortais como a da farofa de içá, do tutu de feijão, do vatapá, do churrasco gaúcho ou do arroz de carreteiro...
Aqui é o meu país... Já cantava Ivan Lins (outro de nossos grandes expoentes culturais). É para sentir orgulho e bradar aos ventos. Essa foi talvez a mais importante lição desses mestres em gastronomia e, certamente isso tinha que ficar registrado...
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