Aprender com as Diferenças
Maria Amélia Vampré Xavier Diretora para Assuntos Internacionais da Federação Nacional das APAEs - FENAPAES em Brasília, Assessora Especial de Comunicação de Inclusion InterAmericana e Assessora da Vice Presidência de Inclusion InterAmericana – Brasil , Relações Internacionais do Instituto APAE e da APAE em São Paulo, atua na Secretaria da Assistência e Desenvolvimento Social do Governo do Estado de São Paulo, na Rede de Informações do COE, no Sorri Brasil e no Instituto Carpe Diem em São Paulo.

O crescimento do setor voluntário e da defesa de pessoas com deficiência intelectual e a abordagem biomédica às deficiências - deficiência como patologia - 31/10/2006
Maria Amélia Vampré Xavier

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O CRESCIMENTO DO SETOR VOLUNTÁRIO E DA
DEFESA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Traduzido por Maria Amélia Vampré Xavier
Tradução da página 7 do Livro do Instituto Roeher, Canadá, intitulado: Disability, Community and Society.

Mito de que viveriam melhor em ambientes segregados explodiu com um único memorando escrito por Adolf Hitler”.

É imprescindível para todos nós, pais, voluntários, profissionais que atuamos há anos na área das pessoas com deficiência intelectual no Brasil, fazermos uma volta em nossas reflexões e procurar no passado as raízes dos progressos sociais que vimos estabelecendo: processos de integração, processos inclusivos, crescimento do setor voluntário e do trabalho dos auto defensores, que falam em nome de milhares de pessoas com deficiência intelectual como eles.

Os anos 1950 e 1960 testemunharam a formação e o crescimento de associações constituídas por pais e voluntários que se aproximaram para obter apoio mútuo e exercerem ação comum.

O fato de que estamos nos baseando em eventos ocorridos no Canadá não obscurecem a realidade de que essa tendência não aconteceu apenas no grande país da América do Norte, mas também em muitas partes do mundo.
Certos fatos contribuíram para uma tomada de posição contra a segregação de pessoas com deficiência intelectual. Entre eles, o Instituto Roeher, Toronto, cita especificamente um memorando assinado nem mais nem menos pelo execrado Adolf Hitler, que deixou no mundo um legado de terror que até hoje nos assombra.

Eis o texto a que se refere o Instituto Roeher:

O mito de que recursos segregados poderiam fornecer segurança e cuidados a seus residentes sofreu poderosa explosão através de um único memorando escrito por Adolf Hitler.

Nele Hitler autorizava o assassinato de todas as pessoas que tivessem deficiência intelectual que estivessem em instituições alemãs; 100.000 pessoas com doença mental e com deficiências intelectuais segundo relatos morreram como conseqüência deste decreto, autorizando eutanásia em massa:

Reichleader Bouler e Dr. Méd Brandt estão responsavelmente comissionados para ampliar a autoridade de médicos, a serem designados pelo nome, a fim de que morte misericordiosa seja concedida a pacientes que, de acordo com o julgamento humano, sejam doentes incuráveis de acordo com a avaliação mais crítica do estado de sua doença.

Assinado: Adolf Hitler


Este decreto foi mencionado na publicação "Civilization And Mental Retardation", Melbourne, Melbourne University Press, 1987, p.5 – Cliff Judge.

Esse decreto brutal do ditador da Alemanha teve grande influência sobre a movimentação da sociedade em defesa de pessoas tão vulneráveis, das quais 100.000 já haviam morrido apenas por um decreto nazista.

É importante, repetimos, fazermos um passeio pela História para ver como evoluíram as associações de pais como nós até atingirmos, depois de várias etapas, a compreensão de que todas as pessoas são iguais em seus direitos, independentemente de seu potencial intelectual; sua condição de pessoas as enriquece e as torna importantes elementos da sociedade em que vivemos em todas as partes do mundo.

Continua o texto do Instituto Roeher do Canadá, em sua página 7, sobre o crescimento do setor voluntário e da chamada defesa de pessoas com deficiências:

O levantamento do setor voluntário foi um progresso importante para mudar a atitude da sociedade em relação a pessoas com deficiência intelectual e para mudar as direções do desenvolvimento de serviços.

Neste progresso bem no centro estavam os pais, que se rebelaram contra seu isolamento pessoal e a falta de apoio que os caracterizava. Os pais se encontraram, formaram grupos locais e começaram a exigir serviços para eles mesmos e para suas famílias não em instituições, mas nas próprias comunidades.

Em 1958 a Canadian Association for Community Living, então conhecida como Canadian Association for Retarded Children, foi fundada, formando uma organização nacional com nove associações provinciais e 116 associações locais.

O interesse e preocupação demonstrados ultrapassaram as fronteiras nacionais.

Em 1960 quinze associações nacionais fundaram o que viria a ser Inclusion International, nos primeiros anos conhecida como Liga Internacional de Associações Pró Pessoas com Deficiência Mental.

Em razão de que não havia serviços disponíveis localmente, muitas associações voluntárias e grupos de pais iniciaram seus próprios serviços, semelhantes aos existentes para os filhos não deficientes. Além disso, muitas outras pessoas passaram a acreditar no potencial de aprendizado de crianças com deficiência intelectual.

Classes e escolas especiais foram desenvolvidas porque crianças com deficiência intelectual eram excluídas de escolas comuns.

Esses programas proliferaram em toda a América do Norte em lares, porões de igrejas, edifícios vazios e escolas recém construídas.

Esta tendência continuou até os anos 60 e começo dos anos 70, quando as diretorias de escolas do Canadá começaram a reconhecer, em escala crescente, suas responsabilidades em educar crianças com deficiência intelectual, assumiram o gerenciamento dessas escolas e abriram novas classes em escolas públicas existentes.

É bem claro para nós todos, principalmente os pais pioneiros que fomos há meio século, quando começamos a defender de fato nossos filhos com deficiência intelectual, que nunca poderemos ter um presente justo e um futuro promissor se ignorarmos o PORQUÊ das coisas.

Tudo tem uma semente que cresce, se multiplica, os movimentos vão adquirindo força, adesões, novas idéias se somam, e assim o caminho para a inclusão de todos os seres humanos é pavimentado.

Cabe-nos fortalecer esse movimento, enfrentar com coragem as dúvidas e as dificuldades, até porque elas nos acrescentam, nos fazem pensar e através de tudo isso vamos melhorando como indivíduos e ajudamos à sociedade a também evoluir.

 


 

A ABORDAGEM BIO-MÉDICA ÀS DEFICIÊNCIAS
DEFICIÊNCIA COMO PATOLOGIA
Traduzido por Maria Amélia Vampré Xavier
Tradução da página 14 do livro do Instituto Roeher, Canadá, intitulado Disability, Community and Society.

Para que possamos fazer uma avaliação correta de quanto progresso tem havido nas últimas décadas em torno dos direitos das pessoas com deficiência, e entre elas a deficiência intelectual, a mais desafiadora, temos de remontar aos anos cinqüenta - e até antes disso - quando em todo o mundo e também no Brasil grupos de pessoas beneméritas  começaram a trabalhar por nossos filhos; logo surgiram  associações criadas por pais de pessoas com deficiência intelectual: a primeira foi a APAE do Rio de Janeiro em 1954.

Essas famílias, cansadas de lutarem sozinhas, começaram a se movimentar, pois não tinham nenhum apoio dos poderes públicos (ou muito pouco apoio) em prol de uma escola para os filhos, de orientação para as dificuldades, emocionais e outras, que nossas famílias sempre atravessaram.

No momento em que como mãe pioneira na área das deficiências escrevemos estas linhas, lembramo-nos com afeto e com grande reverência de personalidades como Helena Antipoff que, nascida na Rússia, emigrou para o Brasil nos anos vinte fugindo do regime comunista implantado em seu país, e em Minas Gerais criou as primeiras unidades de ensino para crianças então chamadas "excepcionais" e formou educadores como a sempre lembrada a saudosa Psicóloga e Educadora  Doutora Olívia Pereira, da Federação das Sociedades Pestalozzi do Brasil, a professora Sara Couto César, nossa amiga pessoal, grande professora especializada em deficiência intelectual e uma plêiade de outras mestras que formaram os alicerces da chamada educação especial, que foi se modificando ao longo destes 50  anos.

Como sempre dissemos é uma incorreção somente falarmos de conquistas recentes sem atentarmos para a capacidade de luta, de enfrentamento, de gente valorosa em tempos que já vão longe em que os direitos das pessoas com deficiência sequer eram levantados, imagine discutidos!

Lembramos com carinho do professor Norberto Souza Campos, em Campinas, Estado de São Paulo, no fim da década dos anos vinte, mais recentemente a professora Isaura Bandeira, o Doutor Joy Arruda, que morreu ainda jovem, mas que batalhava pela então chamada reabilitação de crianças com deficiências. Sua irmã, professora Jay Arruda Piza, nossa querida amiga pessoal, enfim, era um grupo de batalhadores do qual mencionamos apenas alguns nomes porque citar todos seria impossível neste momento, sem uma pesquisa séria da evolução do movimento no Brasil em prol de pessoas com deficiências, inclusive intelectual. A eles, nossos agradecimentos, por terem colocado há muitos anos a pedra fundamental de uma luta que superou todas as expectativas e que hoje tem um enfoque mundial que não pode ser ignorado por ninguém, muito menos por nós, pais.

Claro que nessa época, como já citamos anteriormente, não havia nenhuma preocupação direta com a condição de adultos que nossos filhos iriam forçosamente atingir, ou o que aconteceria com eles na fase do envelhecimento.

Isso veio depois, pois no começo dos anos oitenta já a então Liga Internacional de Associações Pró Pessoas com Deficiência Mental estabelecia seus primeiros comitês de pais e profissionais para uma reflexão séria sobre qual deveria ser o atendimento a nossas pessoas especiais quando envelhecessem e não tivessem mais o conforto, a orientação dos pais, por perda destes ou por uma natural dificuldade dos pais continuarem a prestar cuidados ao filho deficiente por estarem em idade avançada.

Nesse ponto, gostaríamos de mencionar dois pioneiros da causa das pessoas com deficiência intelectual, Gilberto e Ruth da Silva Telles, que foram fundadores conosco da APAE de São Paulo e que há mais de vinte anos têm um papel relevante na reflexão sobre o envelhecimento e a necessidade de moradias para nossos filhos especiais.

Trabalhando arduamente, dia após dia, na APAE de Araras, no Estado de São Paulo, no esforço por montar moradias adequadas para nossos filhos em idade avançada. Gilberto nos deixou o ano passado, querido amigo de que lembramos com muito carinho, mas Ruth, que tem a fortaleza e a energia de um rochedo de Gibraltar, continua com sua faina incansável apesar do peso dos anos.

Temos contato permanente com Ruth, uma das poucas fundadoras da APAE de São Paulo com quem mantemos laços constantes de intercâmbio e afeto, e ainda hoje nos surpreendemos com sua viva inteligência, posta com tanto vigor a serviço de nossas pessoas especiais.

Para você, Ruth, parabéns pela luta e também pela força de ter suas idéias próprias que, freqüentemente, colidem com as nossas em alguns aspectos. Mas é assim que deve ser! A vida, e as pessoas com deficiência intelectual dentro dela, não obedecem a padrões rígidos, a vida exige flexibilidade de todos nós, e é na apresentação de pontos de vista divergentes que todos crescemos porque isso nos força a uma reflexão maior.

As primeiras associações brasileiras de pais foram planejadas numa época em que os pais, as famílias melhor dizendo, não eram sequer ouvidas; ao contrário, a maioria dos profissionais da época nos considerava pessoas belicosas, resmunguentas, cobradoras, enfim, um bando de gente às quais havia acontecido algo de terrível, e que não sabiam como reagir  a essa situação pavorosa a não ser através de reclamações e palavras ásperas.

Era como se os profissionais da época tivessem toda uma onipotência, um domínio das coisas tão intenso que nós, pais, nos sentíamos freqüentemente espezinhados, humilhados, pois não entendíamos coisa alguma a não ser a tristeza que tínhamos de termos tido um filho que por alguma punição divina de um Deus rigoroso nos tinha apanhado de calças curtas e, assim, não tínhamos como reagir.

A essa abordagem deu-se o nome de "abordagem bio-médica", a primeira das modalidades de enfrentamento daqueles primeiros anos de luta, década de cinqüenta aproximadamente.

O que nos diz o excelente Instituto Roeher do Canadá?

Abordagem bio-ética

O modelo bio-médico de deficiência foi uma influência poderosa para determinar política e práticas relativas às deficiências.

Durante o século dezenove e no começo do século 20, doenças transmitidas por infecção eram uma causa importante de doença e morte. A chegada da "teoria dos micróbios" (germ theory) de doenças e distúrbios facilitou a capacidade de diagnosticar mais corretamente sintomas, o que conduziu a uma preeminência de ciências biológicas como base para diagnosticar deficiências, influenciando tratamentos e orientando o acesso a benefícios relativos às deficiências.

Partindo da perspectiva de biologia molecular e a abordagem bio-médica que a acompanhava, presume-se que deficiências sejam causadas por uma condição mental ou física, que pode ser prevenida ou melhorada através de intervenção médica, biológica ou genética.

Neste tipo de abordagem à deficiência, a condição em si mesma se torna foco de atenção. A finalidade é reduzir a prevalência de deficiências na população em geral, sendo que prevenção e tratamento seriam o resultado de intervenção biológica e cuidado crítico, incluindo cirurgia, terapia medicamentosa, triagem pré-natal e pesquisa genética. Comumente, então, o indivíduo ou o feto são encarados como doentes, lesados, afligidos ou deficientes.

Com a emergência de recursos institucionais e benefícios públicos, a ciência médica foi estabelecida como o mecanismo para servir de barreira (gate keeping), avaliando aqueles que se supunha serem legitimamente deficientes.

Tais avaliações se estendiam a vários aspectos de uma gama de deficiências do indivíduo como capacidade educacional, capacidades de treinamento e trabalho; habilidades motoras finas e coordenação mãos-olhos; a necessidade de benefícios financeiros e auxiliares de mobilidade e dispositivos; bem como o acesso a reabilitação física."

O chamado modelo bio-médico, com o foco que punha na alteração de condições biológicas, coloca menos ênfase no papel que a sociedade exerce em limitar e capacitar às pessoas.

A evolução dos programas e perspectivas relacionados a deficiências mostra-nos que é preciso conhecer todas as etapas de crescimento de nossa luta para que possamos continuar a nossa peregrinação seguindo as pistas que gerações anteriores nos deixaram.

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6 COMENTÁRIOS

1 CECILIA VALENTINA SOUZA E SILVA - Brasília,DF
Prezada Maria Amélia, mais que a valiosa contribuiçao pelo resgate histórico da educaçao especial em nosso país, seu artigo trouxeme a doce recordaçao do sorriso meigo do seu Eduardo que me acompanhou em minha primeira experiencia profissional no IOSP, período de 1974 a 1976, sob orientaçao da Profa. Jay Arruda Piza. Abraços, Cecília
03/01/2012 17:31:29


2 Roberto Toledo Piza - sp
A Obra escrita pela professora Jay Arruda Piza , escrita em 1960 ja esta ultrapassada. Esta era a opiniao dela mesma que faleceu em 2003 , e ainda estava atuante nesta epoca. Porem para a epoca que foi escrita , conserva sua importancia a ponto de ainda hoje muitas pessoas procurarem a obra , para seus estudos . So para constar a Prf. foi a fundadora do Instituto de Ortofrenia de Sao Paulo que funcionou ate o final da decada de 90 e que ajudou milhares de crianças exepcionais .
12/12/2009 16:02:41


3 NATIVIDADE BARBOSA SARAIVA FERRACINI - sÃO PAULO EST. DE SÃO PAULO
Sou professora aposentada em Ed.Infantil e ainda na ativa readaptada no ensino fundamental arte. Sempre fiquei muito preocupada com o programa de inclusão. Não por ele não ser importante, mas pela forma como acontece a abordagem com essas crianças com diferentes necessidades especiais. Apesar de estarem incluidas em classes regulares, meu olhar ainda não mostra nenhum proveito. Muito pelo contrário, as crianças não recebem um programa tal qual todos recebem e a meu ver, isso deixa essas crianças tão excluídas como se estivessem em classes com diferentes orientações. Penso que a educação não está preparada, os professores não estão preparados e pior, cada vez mais perdidos, trazendo muitos prejuíjos de auto estima a esses alunos. Lendo a obra da Professora Jay Arruda Piza COMO ORIENTAR A CRIANÇA EXCEPCIONAL, de POL Editorial Pontes Ltda, primeira edição de junho de 1.960, depareime com uma linguagem que para os dias de hoje, seriam chocantes, quando a definição da múltiplas deficiências, para os dias de hoje, seriam perjorativos. Mas não é esse o meu foco. As definições mudam conforme a necessidade científica para melhor abordar os assuntos. Meu foco é: Toda a teoria, estudo científico que ela aborda com muita propriedade, é extremamente importante. Em momento algum existe a idéia de secregação, queto, discriminação. Existe sim, uma preocupação em melhor atender as necessidades desses indivíduos, recuperar as sua potencialidades, descobrir as surprendentes capacidades que cada um carrega em si, com ajuda e especialistas que tenham o perfil adequado e não apenas especialidade no currículo. Admito sim, que possa estar fazendo um comentário ultrapassado, que talvez falteme mais embasamento científico, mas mesmo assim, a política educacional no momento está apenas tampando o sol com a peneira, fazendo a população acreditar numa mentira que tem como uma grande vantagemeleitoreira.
06/08/2009 12:21:38


4 marcia regina zichel de lima - jundiai
maria amélia tudo bem?espero que voce ainda se lembre de mim. espero seu contato Um grande abraço
11/05/2009 15:51:56


5 roberto - sp
fiquei comtemte de ver nomes de pessoas que batalharam muito e foram esquecidas, ate seu artigo obrigado
17/07/2007 22:38:56


6 Beatriz Alcantara - bahia
GOSTEI MUITO DOS ASSUNTOS ABORDADOS POR VC,
25/04/2007 15:16:01


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