A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

E agora, Lula? - 30/10/2006
Carta aberta ao presidente reeleito...

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Senhor presidente, inicialmente acho que devo parabenizá-lo pela vitória nas eleições. Espero que, passadas as fortes emoções de uma jornada que seu partido imaginava mais curta do que foi, os ânimos voltem ao normal e os excessos sejam abrandados. Os golpes desferidos por todos, no calor dos debates e nas manchetes dos principais órgãos noticiosos, devem ser colocados em segundo plano (sem que as denúncias, desmandos e erros deixem de ser apurados). O país está em primeiro plano, como sempre deveria estar, mesmo durante a campanha...

Nesse sentido cabe relembrar compromissos assumidos antes, durante e depois da abertura das urnas e da constatação da sua eleição. O primeiro e principal deles relaciona-se à população pobre e excluída desse país. Relativamente a ela é importante destacar que seu primeiro mandato realmente os privilegiou com alguns programas sociais importantes, como o bolsa-família ou o Prouni (universidade para todos).

Transformar esses programas em perenes realizações é de fundamental importância. Não se pode continuar atrelando projetos sociais a administrações e governantes, como a dar-lhes selagens ou etiquetagens que os tornem exclusivos de certos mandatários e de suas organizações partidárias. Até mesmo porque, no caso do bolsa-família, a criação e o DNA originais não são de criação e autoria de seu governo, mas de seu tão criticado antecessor...

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Investir em educação infantil, ensino fundamental e ensino médio
de qualidade é mais importante do que destinar mais e mais verbas
para a universidade. Não podemos construir a casa começando pelo telhado...

Se há um compromisso real com a população, qualquer projeto social deve tornar-se política de estado, independentemente de qual governo, partido ou mandatário assuma o executivo. Providencie leis, discutidas democraticamente com o congresso nacional, para que todos esses benefícios se tornem realizações continuadas e para que nenhuma reviravolta possa acontecer e prejudicar a população mais carente da nação.

A despeito dessa necessária medida de perpetuação de importantes realizações sociais, cabe ao governo criar meios e condições de superação da pobreza de tantos e tantos milhões de pessoas. Essa seria, sem sombra de dúvidas, a grande medida social a ser tomada. Não adianta ser assistencialista pelo resto da vida. Repetiria-se apenas o que vários reis ou imperadores fizeram ao longo da história para perpetuar-se no poder acalmando a turba. Seria como uma modernizada versão da política do “pão e circo” de déspotas governantes romanos e seus herdeiros políticos. Acho que não é bem assim que você gostaria de ser lembrado, não é presidente?

Como dizem por aí, não basta dar o peixe, é preciso ensinar a pescar. Nesse sentido o investimento mais importante a ser feito reside na educação. E, por mais que o Prouni tenha criado condições para que uma quantidade expressiva de brasileiros humildes pudessem ter acesso aos bancos universitários, não se deve começar a construir a casa pelo telhado...

Os maiores investimentos em educação devem acontecer na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio. E não apenas resume-se tal idéia a abertura dos cofres para novos investimentos e o envio puro e simples de verbas. A educação deve contar com mais dinheiro, mas o essencial é que essas verbas estejam relacionadas a projetos pedagógicos que revitalizem o setor e permitam uma educação mais efetiva, realizadora, esclarecedora, politizadora,...

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Farmácias populares e medicamentos populares são projetos
importantíssimos e devem ter continuidade, independentemente da
bandeira política que os tenha criado. Devem ser política de estado.

Não precisamos de projetos mirabolantes, que exijam verbas altíssimas. O que é necessário é que as escolas sejam equipadas com bibliotecas, laboratórios de ciências, salas de informática e, principalmente, com educadores envolvidos, renovados por novos cursos e dinâmicas, dispostos a revolucionar o trabalho de sala de aula e remunerados com correção, dignidade e valorização.

Ao investir em educação infantil e ensino fundamental deve-se ter em mente que o que se pretende é criar os tais alicerces referenciados em seu discurso vitorioso ao final da campanha. Podemos até mesmo criar as bases que a economia necessita para sustentar o esforço progressista existente em suas falas. É, no entanto, vital que tenhamos uma população escolarizada adequadamente, que saiba ler, escrever, calcular, relacionar informações, participar da vida social e política, usar as tecnologias de ponta e possuir conhecimentos técnicos que os tornem preparados para sustentar o crescimento econômico desejado...

Da mesma forma, senhor presidente, a saúde carece da continuidade de projetos e de novos investimentos. Concordo com seus argumentos relativos a associação entre boa alimentação e investimentos em saneamento básico com uma melhor saúde para nosso povo. Há uma evidente relação entre esses setores e, por isso mesmo, a ampliação desses serviços e projetos é primordial.

Não podemos, no entanto, negligenciar projetos políticos importantes criados por outros partidos ou políticos, como os medicamentos genéricos, os avanços no combate a Aids ou as farmácias populares. Esses projetos não devem ser bandeiras de um ou outro político. Tais realizações têm que ser tratadas como projetos nacionais suprapartidários, que estão além do nome de um governante ou a bandeira de um partido...

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O bolsa-família tem que se tornar política de estado e ser
desatrelado de políticos e partidos. O benefício as pessoas mais
pobres não pode correr o risco de ser extinto a cada nova eleição presidencial...

A reforma dos hospitais públicos, a revisão dos investimentos em saúde, a criação de uma rede ainda maior de médicos e enfermeiros que atendam preventivamente a população em suas próprias casas e a reinvenção do Sistema Único de Saúde também são necessárias medidas para o setor da saúde.

Senhor presidente, a dicotomia que dividiu os votos da nação entre o Sul/Sudeste “ricos” e o Norte/Nordeste “pobres” também é delicada questão para os próximos quatro anos. Essa generalização que o fez colocar São Paulo, a locomotiva que movimenta a nação com a produção de mais de 30% da riqueza nacional em xeque e os demais estados do Sul e do Sudeste (responsáveis por mais de 80% dos impostos recolhidos nacionalmente) na posição de “vilões” do cenário eleitoral é reprovável...

Não seriam possíveis os projetos sociais que alimentaram as demais regiões de nosso país se a maior parte dos recursos coletados a partir da economia do Sul e do Sudeste deixassem de existir. Nesse sentido tornasse imprescindível uma reavaliação dos rumos de sua política econômica para que novos investimentos e o crescimento da produção nesses locais continue a acontecer. A agricultura, por exemplo, está em queda. Nosso setor primário, de crescentes safras até bem pouco tempo atrás, está definhando e carece de investimentos sólidos e permanentes. O que o senhor pretende fazer em prol dos produtores?

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Novos investimentos no setor agrícola devem acontecer
obrigatoriamente. Não podemos retroceder nos resultados
obtidos há poucos anos atrás e nos tornar importadores de alimentos...

A taxa de juros tem que ser reduzida para incentivar o crescimento do setor produtivo. O tamanho do estado tem que ser reduzido para que o sufoco provocado pela excessiva taxação diminua e permita o redirecionamento de investimentos para o setor produtivo. A malha ferroviária e rodoviária, os portos e aeroportos e os acordos internacionais têm que ser revistos, reforçados em alguns casos, revitalizados em tantos outros (como no caso do Mercosul).

Seu principal mote na campanha era “deixe o homem trabalhar”. É isso que esperamos para os próximos quatro anos de mandato. E isso não apenas para você, presidente da república. Queremos empregos, registrados em carteira, com o reconhecimento de nossas qualificações profissionais (obtidas a partir de uma educação melhor). Queremos que o senhor fique mais no Brasil, visite mais os quatro cantos do país fora do período eleitoral, que fale mais conosco através da imprensa e que arregace as mangas para que o nosso amanhã seja realmente muito melhor do que é hoje...

Dê prioridade aos pobres, realmente é de primordial importância que a renda nacional seja melhor distribuída, mas não abandone a classe média, oprimida em seu poder de compra pela tributação excessiva e com seus salários achatados. Ajude aos mais necessitados, mas não faça isso tendo como contrapartida a falta de incentivos aos produtores agrícolas, comerciantes ou industriais.

Senhor presidente, para terminar peço-lhe que realize as tais reformas gerais, prementes para nosso país, ou sejam: a reforma fiscal, a política, a previdenciária, a urbana, a agrária e a do judiciário. E que se crie um ambiente político de conciliação, onde as denúncias sejam efetivamente apuradas e que os culpados por eventuais desvios ou casos de corrupção sejam efetivamente punidos (com rigor), sejam eles companheiros de partido ou oponentes políticos...

Peço-lhe que esse próximo mandato seja ético, na verdadeira acepção da palavra. Chega de discursos moralizadores. Precisamos de ação e não de evasivas respostas que nos deixem perplexos e atônitos diante de tantos escândalos. Abra os olhos, senhor presidente, acompanhe mais de perto tudo o que acontece ao seu redor, escolha melhor seus aliados e, sempre assuma suas responsabilidades...

Boa sorte para você e para todos nós! Que os anos que se seguem sejam muito melhores do que tudo o que vivemos até o presente momento...

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