Carpe Diem
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Tempo Corporal x Tempo Mecânico - 09/10/2006
Coluna Carpe Diem

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“Neste mundo, existem dois tempos. Existe o tempo mecânico e o tempo corporal. O primeiro é tão rígido e metálico quanto um imenso pêndulo de ferro que balança para lá e para cá, para lá e para cá, para lá e para cá. O segundo se contorce e remexe como uma enchova na baía. O primeiro não se desvia, é predeterminado. O segundo toma as decisões à medida que avança. Muitos não acreditam que o tempo mecânico exista. Quando passam diante do grande relógio na Kramgasse, não o vêem; tampouco escutam suas badaladas quando estão despachando flores na Rosengarten. Usam relógios de pulso mas apenas como ornamentação ou como cortesia para com aqueles que acreditam ser instrumentos de medição de tempo um bom presente. Em suas casas eles não têm relógios. No lugar deles, ouvem a batida de seus corações. Eles sentem os ritmos de seus humores e de seus desejos. Essas pessoas comem quando sentem fome, vão para o trabalho, na chapelaria ou no laboratório, na hora que despertam do seu sono e fazem amor a qualquer hora do dia. Essas pessoas riem só de pensar no tempo mecânico. Sabem que o tempo se movimenta espasmodicamente. Sabem que o tempo se arrasta para a frente com um peso nas costas quando estão levando uma criança às pressas para o hospital ou quando têm que sustentar o olhar de um vizinho que foi vítima de alguma injustiça. E sabem também que o tempo atravessa em disparada seu campo de visão quando estão saboreando uma boa comida com os amigos ou sendo elogiadas ou quando estão deitadas nos braços de um amante secreto. Por outro lado, há aqueles que pensam que seus corpos não existem. Eles vivem de acordo com o tempo mecânico. Levantam-se às sete da manhã. Almoçam ao meio-dia e jantam às seis. Chegam aos compromissos pontualmente, na hora marcada. Fazem amor entre oito e dez da noite. Trabalham quarenta horas por semana, lêem o jornal de domingo no domingo, jogam xadrez nas terças à noite...”

Alan Lightman
Professor de Física e Redação no MIT
(Massachussets Institute of Technology)

Qual é o seu tempo? Corporal ou mecânico? Você já parou para pensar nisso? O que na sua vida é determinado pelo relógio? O que, por outro lado, acontece a partir de sua própria iniciativa e vontade? Quantas vezes o relógio foi burlado por sua ação? Que ocasião marcante de sua vida teve como início a liberdade em relação aos ponteiros mecânicos da máquina do tempo e de seu infindável “tic-tac”?

Embalados pelo movimento preciso, calculado, frio e inclemente do tempo mecânico estipulamos horários para tudo em nossas vidas. Temos que acordar às seis da manhã, lavar o rosto as seis e cinco, escovar os dentes até as seis e quinze, trocar de roupa no pior das hipóteses até as seis e meia. Nosso café deve ser tomado até as sete horas, para pegarmos o ônibus ou irmos de carro ou metrô para o serviço ou para a escola e chegarmos antes das oito...

Almoçamos entre as doze e as treze horas. Lemos os jornais no final do dia, quando chegamos exaustos, pouco depois do banho que tomamos entre as dezoito e trinta e às dezenove horas. Jantamos solenemente com nossos familiares até as vinte horas. Depois vemos televisão, acompanhando o noticiário das oito e quinze, a novela das vinte e uma horas e adormecendo logo em seguida...

Programamos os nossos aperfeiçoamentos e prazeres desconsiderando inclusive os eventuais anacronismos dos relógios. Procuramos brechas em nossas agendas e encaixamos compromissos na academia, no curso de línguas, nas aulas de computação ou até mesmo, para que possamos desfrutar de um pouco de música, leitura, companheirismo e amor...

Nos tempos atuais, nem mesmo divisamos o espaço profissional do pessoal. Carregamos agendas eletrônicas em formato de telefones celulares que a todo o momento nos permitem receber chamados, ler e-mails, consultar sites ou acompanhar as notícias em “tempo real” para que os negócios estejam totalmente sincronizados com o que ocorre aqui ou acolá, sem limitações geográficas ou temporais...

Não conseguimos mais amar sem nos preocupar com as amarras do tempo mecânico. Tornamo-nos inflexíveis como o mais refinado aço produzido pelas melhores indústrias. Perdemos a maleabilidade que nos permitia rir quando bem quiséssemos ou beijar e abraçar em qualquer lugar ou momento ao amor de nossas vidas.

Alan Lightman apenas procurou iluminar nossas existências com suas palavras. Para isso, se desvencilhou do tempo mecânico que o compelia a ser simplesmente mais um andarilho a cumprir as penas que nos foram impostas sem que percebêssemos. Penas essas que definiram a nossa condição de mortos-vivos ainda que queiramos acreditar que nossos corações batem, que o sangue flui e que nossas pulsações ainda nos mantêm animados, enérgicos e vivazes...


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