A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O fim da ética? - 26/09/2006
A esperança parece estar chegando ao fim...

'

Foto-de-uma-luz-no-fim-do-túnel
Ainda há luz no fim do tunel?

Recente pesquisa demonstrou que adolescentes e jovens, com idades entre 15 e 25 anos, não acreditam em ética. Apenas para ilustrar essa constatação resgato aqui uma história que escutei há poucos dias a partir do relato de uma educadora.

Durante uma palestra realizada na escola em que trabalha, abordando a necessidade de selecionar o lixo para a reciclagem e as implicações econômicas desse ato, principalmente para a população mais pobre do país, estudantes do ensino médio zombaram e ridicularizaram atitudes de tal natureza e se mostraram céticos e irônicos quanto a qualquer auxílio que possa ser prestado aos mais carentes...

Sinal dos tempos... Estamos vivendo uma época de pouca ou nenhuma credibilidade no que se refere a honestidade e bons princípios. Os exemplos que temos são os piores possíveis se pensamos em nível nacional, especialmente a partir dos núcleos do poder político do Brasil, comprometidos por sérias denúncias e graves escândalos.

O que esperar ao final das eleições? Nem mesmo o mais otimista dos eleitores brasileiros parece confiar no saneamento do congresso ou do executivo nacional. A propósito, num outro levantamento ficamos sabendo que as pessoas nem ao menos estão preocupadas se os seus candidatos a cargos eletivos (sejam eles quais forem) possuem ou não antecedentes dignos de seus votos. Não importa se a pessoa está ou não implicada em mensalões, quadrilhas de sanguessugas ou na operação Tabajara...

Até mesmo aplausos têm sido alvo da ação inescrupulosa dos gerentes das campanhas eleitorais como vimos a partir da recente visita do atual presidente a Organização das Nações Unidas...

Como bem lembrou o colunista José Simão da Folha de São Paulo, há candidatos que iniciam a campanha na televisão dizendo (ou admitindo) a todos que irão “roubar” um minutinho de seu tempo (imaginem o que virá depois...) ou ainda, que um outro postulante, num rasgo de sinceridade ou de grande burrice (provavelmente a segunda opção) teria dito que irá fazer na vida pública o que faz na privada...

Imagem-de-um-jogo-de-xadrez
Pense bem antes de votar. Sua escolha irá influenciar os rumos do jogo
político e poderá ajudar a melhorar ou piorar a situação de nosso país.

O Brasil é o país da piada pronta. Os humoristas de plantão nem precisam se esforçar tanto para criar suas novas piadas. Basta assistir ao horário político eleitoral (ou hilário político) para que saibamos os motivos dessa afirmação. No Brasil até Papai Noel é candidato (isso mesmo, com roupa vermelha, barba branca, barriga saliente e tudo; menos o saco de presentes, que, de acordo com o candidato/“bom velhinho”, foi roubado).

Rimos para não chorar. De vergonha. De humilhação. De desesperança com o futuro de nosso país. E o pior de tudo é que nem mesmo nos mostramos dispostos a desfraldar a bandeira da ética. Nosso desânimo é tão grande que parecemos estar desistindo de sanear a vida pública num momento em que temos a nosso favor o mais importante e vital elemento da democracia, a força do voto.

Não pretendo fazer a apologia de nenhum candidato e nem tampouco propagandear as virtudes de um ou de outro. Prego apenas o voto consciente e maduro. Se iremos votar em tal ou qual candidato, temos que estar certos de seu projeto político, de sua coerência, de sua história e, em especial, de sua idoneidade.

Não podemos continuar trocando nossos votos por promessas ou quinquilharias como cestas básicas, dentaduras, material de construção ou tapinhas nas costas. Ao fazermos isso estamos voltando no tempo para a época em que os portugueses por aqui chegaram e ofereceram espelhinhos em troca da madeira, do ouro ou das terras...

Recebi um e-mail contendo uma declaração da indignação nacional a partir das letras de Elisa Lucinda, em leitura realizada pela cantora Ana Carolina, em que a impunidade, os desmandos e desvios descritos pela imprensa nacional são questionados com a força e a ênfase necessárias ao momento em que estamos vivendo.

Foto-de-uma-mala-com-dinheiro
Quantas malas de dinheiro estarão circulando por nossos aeroportos
nesse exato momento? De que forma tanto dinheiro é captado
pelos políticos? Qual a finalidade dessa dinheirama?

Entre as várias afirmações feitas nesse grito de alerta, ouvimos a menção ao nosso passado como a origem de nossos males. Os primeiros portugueses que por aqui teriam chegado seriam náufragos, desertores e degredados e dessa ralé teria se originado o nosso sangue ruim, o mesmo que nos remete a corrupção endêmica que hoje trafega em malas de dinheiro ou peças íntimas masculinas (provavelmente até mesmo nas femininas) pelos aeroportos da nação...

Recuso-me a acreditar nisso (Como também Elisa Lucinda e Ana Carolina). Não faço parte dessa laia. Não me interessa o dinheiro alheio, o patrimônio público. E não estou só, há muitas pessoas que também não concordam com a bandalheira que se estabeleceu nas cercanias dos palácios, do Congresso ou das Câmaras estaduais.

Isso tudo se refere a um futuro muito mais longo do que os próximos quatro anos de mandatos no legislativo ou no executivo. Os exemplos que estão estabelecidos nas manchetes dos jornais acabarão se perpetuando por algumas gerações de brasileiros. A “lei de Gérson”, aquela que diz que temos que levar vantagem em tudo, irá continuar prevalecendo durante um bom tempo e os cofres públicos continuarão a ser saqueados.

A cegueira generalizada preconizada por Saramago em seu célebre “Ensaio sobre a Cegueira” parece estar ganhando as ruas. Recusamo-nos a ver, ouvir ou falar sobre tais indignidades se somos beneficiários indiretos (ao receber benefícios como o bolsa-família ou afins) desses esquemas que enriquecem alguns em detrimento de milhões. Ao agirmos dessa forma, mesmo que não atuemos de forma ilícita, estamos sepultando a ética e perpetuando a roubalheira impune e solene...

O sistema político nacional precisa ser revisto. Os partidos políticos têm que ter diretrizes sólidas, planos nacionais, ideologia estabelecida e critério digno para a seleção de seus integrantes. Os interesses coletivos devem sempre sobrepujar qualquer necessidade individual e, caso isso não aconteça, a permissão ou licença para o funcionamento de um partido político deve ser cassada, extinta.

Foto-de-mãos-segurando-em-grade
Políticos corruptos têm que pagar pelos seus erros perdendo
os mandatos, os direitos políticos e sendo presos. Os partidos
políticos também têm que arcar com as conseqüências dos
atos de seus filiados...

Parece radical demais? Não é. O radicalismo real percebe-se na fome de milhares de necessitados que não chegam a ter o pão de cada dia para alimentar-se ou dar de comer a seus familiares; nas filas do falido sistema de saúde; na insegurança que paira nas ruas; na qualidade duvidosa de nossas escolas.

Partidos políticos são entidades criadas para promover o bem-estar social, gerenciar com inteligência a economia de um país e criar perspectivas melhores para o futuro de milhões de pessoas que representam ao serem investidos em funções públicas a partir do voto coletivo. Se a cassação de mandatos políticos não resolve a questão, que tal punir os partidos?

Qualquer centavo retirado do erário público pelos tortuosos caminhos da corrupção deveria não apenas ser devolvido, mas reposto aos cofres da nação com juros e correção monetária. Políticos acusados de envolvimento em escândalos não poderiam concorrer a cargos eletivos enquanto não fossem julgados seus processos (quem sabe assim o judiciário ficasse mais ágil). A comprovação de atuação em desvio de verbas públicas para fins escusos deveria implicar na eliminação dos direitos políticos de tais pessoas e em cadeia...

Não é o que acontece. Estamos a anos-luz dessa realidade. Muitas pessoas que conheço estão totalmente descrentes quanto ao futuro da nação depois das eleições do próximo dia 1º de Outubro. De repente parece que estamos vivendo o filme de Alan J. Pakula, com “todos os homens do presidente” sendo acusados ou presos (com malas de dinheiro vivo) e, o pior de tudo, sem que o mandatário maior da nação nesse momento, de acordo com seus próprios dizeres, soubesse de alguma coisa...

Essa história já nos foi contada antes. Os envolvidos nas falcatruas anteriores são hoje candidatos a cargos eletivos em seus estados e esperam que a população tenha se esquecido de qualquer denúncia contra eles. Não se esqueçam. Registrem em seus votos a indignação que tais atitudes merecem. Não permitam que pessoas envolvidas em esquemas de corrupção possam se eleger.

Somente assim poderemos dar a necessária sobrevida à ética. Ao agirmos dessa forma estaremos tentando resgatar a honestidade que pretendemos possa prevalecer quando nossos filhos, netos ou bisnetos forem votar. Quando votamos de forma consciente, estamos dizendo que queremos um país mais justo, honesto e digno para todos e um amanhã em que a esperança ainda sobreviva e alimente nossos herdeiros....

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas
COMPARTILHE

DeliciusDelicius     DiggDigg     FacebookFacebook     GoogleGoogle     LinkedInLinkedIn     MySpaceMySpace     TwitterTwitter     Windows LiveWindows Live

AVALIE O ARTIGO





INDIQUE ESTE ARTIGO PARA UM AMIGO










2 COMENTÁRIOS

1 Leandro - São Paulo
Prof. João Luís, obrigado por escrever aquilo qu muitos pensam e não conseguem comunicar. Usei seu texto com alunos da 3ª série do Ensino Médio e o quanto é bom vêlos provocados a releftir. E mais, e melhor, vêlos mobilizados à ação. Onde posso encontrar mais artigos seus?
11/08/2011 11:21:37


2 Ana Lúcia - Barretos
Até quando teremos de suportar essa situação, vendo esses ratos de venda aproveitandose quando as portas se cerram a impunidade para surrupiar o lucro do trabalho de outrem? Quando o povo deixar de ser passivo com o festival de pizzas e comprado com algumas migalhas.
17/01/2011 20:29:35


ENVIE SEU COMENTÁRIO

Preencha todos os dados abaixo e clique em Enviar comentário.



(seu e-mail não será divulgado)


Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.