Munique - 19/09/2006
Olho por olho, dente por dente...
Munique é, certamente, um dos melhores trabalhos assinados por Steven Spielberg. Ao afirmar isso estou declarando mais que uma opinião ou juízo de valor. E estou falando acerca do trabalho de um dos mais celebrados e consagrados produtores e diretores de cinema de todos os tempos. A responsabilidade contida nessa afirmação aumenta ainda mais se levarmos em conta os títulos que constam no currículo de Spielberg, como A Lista de Schindler, Tubarão, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Caçadores da Arca Perdida, A Cor Púrpura, E.T., Parque dos Dinossauros, O Resgate do Soldado Ryan,...
E por que afirmo que a declaração acima não é apenas um juízo de valor ou uma opinião isolada? Penso que Munique nos coloca no meio de uma das mais controversas ações terroristas de todos os tempos, a invasão e o seqüestro de atletas israelenses nos alojamentos destinados aos esportistas que participavam da Olimpíada de 1972, em Munique, na Alemanha.
Não apenas os acontecimentos daquele momento foram polêmicos e violentos ao extremo. Suas circunstâncias serviram para desencadear reações que tornaram ainda menos possível a efetivação de um diálogo apaziguador entre judeus e muçulmanos. Foi muito mais do que um fato isolado, capaz de atrair a atenção do mundo durante a sua realização e desfecho trágico, mas marcou uma ruptura ainda mais pronunciada e severa entre o ocidente e o oriente.
Não é possível circunscrever os acontecimentos daquela ocasião ao embate entre israelenses e árabes radicais. Os estreitos limites da luta entre os seguidores da Torá e do Corão já tinham estendido suas conseqüências mundo afora a partir de partidarismos assumidos pelos governos das potências do Ocidente, especialmente no que se refere à política internacional dos Estados Unidos, francamente favorável ao estado judaico.
O estabelecimento do estado de Israel a partir de ação deliberada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e respaldada pelos norte-americanos logo depois da Segunda Guerra Mundial promovera o recrudescimento das tensões mundiais e estabelecera prováveis e evidentes conflitos para o futuro das relações entre o Islã e o mundo Cristão...
A terra que gerou o surgimento das três maiores e mais importantes religiões do mundo se tornou, a partir de então, um barril de pólvora que a todo o momento explode a partir das intensas e violentas diferenças existentes entre os cristãos, muçulmanos e judeus que ali vivem. Depois disso o mundo nunca mais foi o mesmo.
Munique foi um emblemático momento para que a comunidade mundial ficasse a par de ações e práticas que se tornariam cada vez mais comuns em várias partes do mundo. Consolidava-se o terrorismo via satélite, que transformava os espectadores de vários países em testemunhas de explosões, homens-bomba, seqüestros, destruição de prédios públicos com inúmeras pessoas inocentes dentro dos mesmos ou ainda do terror que chegava através de simples cartas ou caixas pelo correio.
Celebrizaram-se pelas ondas do rádio ou da televisão regimes ditatoriais e práticas terroristas comandadas por radicais líderes de turbante ou por truculentos militares como Muamar Kadafi, Saddam Hussein, Khomeini e, mais recentemente, Osama Bin Laden. Os israelenses, por sua vez, reagiram invadindo glebas de terras que estavam nas mãos dos árabes e, em nome de sua autonomia, bombardeando zonas militares e civis de nações islâmicas.
A geopolítica mundial passou a ser comandada a partir de uma lógica e de um aparato legal criados também na região do Oriente Médio, quando ainda era conhecida como Ásia Menor. Resgatou-se através do episódio de Munique e de todas as “guerras santas” travadas desde então o célebre Código de Talião, cunhado por Hamurábi na Antiguidade Oriental, que preconiza a idéia de que devemos agir na lei com severidade e rigor e que, portanto, deve prevalecer a tônica do “olho por olho, dente por dente”... O problema é que estamos no 3º milênio, em pleno século XXI. Esperava-se mais inteligência, sanidade e racionalidade a essa altura da história da humanidade...
Por motivos tão fortes quanto a própria história da região, o filme produzido e dirigido por Steven Spielberg torna-se uma importante referência pop para que as discussões acerca desse embate em particular e de todos os que dele derivaram tenham maior alcance e profundidade. Munique ajuda-nos a compreender melhor o alcance dos estragos que ambos os lados estão promovendo para a paz mundial...
O Filme
A invasão acontece durante a noite. Surpreendendo a todos, alguns militantes de uma organização terrorista islâmica entram na vila olímpica em Munique, na Alemanha e invadem os dormitórios reservados aos atletas israelenses. A notícia logo é veiculada mundialmente e jornalistas de todas as emissoras que cobriam o maior evento esportivo do planeta são deslocados para os alojamentos dos atletas em busca de maiores informações sobre o ocorrido. Estava em curso o Setembro Negro...
O desencontro de informações faz com que as pessoas acreditem em finais felizes e trágicos. Não há certeza quanto a absolutamente nada em relação ao ocorrido. Sabe-se apenas que houve a tomada súbita dos aposentos de atletas judeus e que os mesmos estão nas mãos de milicianos radicais. As negociações evoluem e os alemães aparentemente conseguem demover os sequestradores de seu intento de matar seus prisioneiros em troca de um plano de fuga pelo aeroporto local. Após tantos encontros e desencontros e tendo os terroristas embarcado rumo ao norte da África vem a tona a descoberta e o desfecho da tragédia de 1972 em Munique. Todos os atletas haviam sido mortos.
Israel resolve retaliar antes mesmo do final das negociações na Alemanha e bombardeia territórios muçulmanos matando civis que moravam nessas áreas. Secretamente a primeira ministra do estado judaico, Golda Meir, convoca uma reunião com seus mais leais generais e membros dos serviço secreto israelense, o Mossad. Delineia-se então um plano ultra-secreto que gera a formação de uma pequena milícia que tem como missão o extermínio de todos aqueles que estiveram diretamente envolvidos com o Setembro Negro.
Munique nos coloca em contato com toda a misteriosa e violenta atmosfera do submundo da espionagem e do terrorismo de estado desencadeado por Israel. As ações descritas e apresentadas no filme não foram e nem serão reconhecidas pelo estado de Israel como autêntica e verdadeira descrição de acontecimentos desencadeados a partir de seu comando. Os agentes envolvidos no extermínio dos inimigos eram regiamente pagos e tinham seus custos financiados pelo estado judeu mas também afirmavam autonomia em relação as ações que promoviam...
Ao final da história temos a impressão de que as origens do atentado às torres gêmeas do World Trade Center e o fanatismo islâmico que fomentou recentes invasões ao Afeganistão ou ao Iraque são apenas novos capítulos de uma saga de muito sangue, destruição e mortes que teve em Munique um episódio marcante para o crescimento dos ataques terroristas... Será que algum dia viveremos em paz?
Para Refletir
1- A intolerância e sua degeneração maior, o ódio religioso, parecem pragas fadadas a perpetrar pela eternidade a insegurança e o medo no mundo. A paranóia mundial cresceu fortemente nos últimos anos, especialmente após o 11 de Setembro de 2001. Que passos efetivos foram dados nas últimas décadas na direção de um diálogo entre as lideranças mundiais e religiosas? Quais são as perspectivas que temos para os próximos anos e décadas? Essa questão mundial será solucionada ou estamos mais próximos de novos conflitos e guerras? Façam levantamentos a partir de revistas de informação, sites da internet, jornais e da bibliografia para tentar compreender o que está acontecendo e quais são os próximos passos da aventura humana na terra...
2- Trabalhem com uma linha do tempo para acompanhar a evolução dos problemas mundiais relativos as religiões. Proponham a seus estudantes a produção de uma única linha utilizando várias cartolinas e muita criatividade para apresentar o nascimento do judaísmo, do cristianismo e do islamismo e os encontros e desencontros de seus seguidores.
3- Examinem essas diferentes culturas e religiões e criem quadros através dos quais façam paralelos entre as crenças e hábitos de seus povos e representantes no planeta. Não olhem de forma discriminatória nenhuma das prerrogativas das três grandes religiões do planeta. Procurem entender seus diferentes contextos e analisar a diversidade como enriquecedora. Para tanto entrem em contato com líderes dessas comunidades, religiosos e também com a embaixada ou o consulado de nações que advoguem esses preceitos e práticas.
4- Promovam a paz através de encontros em que pessoas de diferentes religiões e origens possam falar aos demais sobre suas histórias de vida de forma a esclarecer as diferenças e os caminhos de cada povo, nacionalidade e religiosidade. A tolerância religiosa é uma das mais prementes necessidades para o estabelecimento da paz no mundo. Grande parte dos conflitos que estão em curso no planeta decorrem da falta de diálogo, respeito e consideração pelas diferenças...
Ficha Técnica
Munique
(Munich)
País/Ano de produção: EUA, 2005
Duração/Gênero: 164 min., Drama
Direção de Steven Spielberg
Roteiro de Tony Kushner, Eric Roth e George Jonas
Elenco: Eric Bana, Daniel Craig, Ciarán Hinds, Mathieu Kassovitz, Hans Zischler,
Ayelet Zurer, Geoffrey Rush, Gila Almagor, Michael Lonsdale, Lynn Cohen.
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