Planeta Literatura
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Mídias e Mediação Escolar - 31/08/2006
Para entender e debater as Mídias no espaço escolar

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Capa-do-livro-Midias-e-Mediacao-Escolar
“Se a pedagogia libertadora, no sentido proposto por Freire,
advoga que a leitura do mundo antecede e acompanha a
leitura da palavra, então o que significa a leitura de um
mundo globalizado no qual os meios de comunicação se
tornam um dos principais agentes desse processo?”

A questão acima faz parte da introdução do livro “Mídias e Mediação Escolar: Pedagogia dos meios, participação e visibilidade”, de Maria Isabel Orofino. A partir de sua dúvida, que é uma entre várias, todas elas importantes e pertinentes, somos convidados a refletir a respeito da relação que se estabelece no mundo atual entre a educação e as mídias onipresentes, como a televisão, o rádio, a internet, os Cds ou os DVDs.

A princípio, vale destacar até mesmo se essa relação se estabeleceu ou não. Digo isso pensando em alguns dos pressupostos levantados pela autora em seu livro, através do qual destaca que essa reflexão depende da recepção e resposta que estamos dando a tudo aquilo que nos é diariamente apresentado através da avalanche de informações que essas mídias trabalham.

Será que realmente estamos realizando algo além da recepção pura e simples das mensagens corriqueiramente transmitidas? E as nossas respostas, quando acontecem, são frutos de nossa reflexão e capacidade de analisar, cruzar dados, questionar, assumir posicionamentos, confrontar idéias dominantes e alimentar um diálogo que seja produtivo, inteligente e socialmente válido?

Por quê, como nos diz a autora ainda em sua introdução, o “ponto de partida é este reconhecimento de que as mídias ocupam um lugar cada vez mais significativo na paisagem cultural de nossas crianças e jovens”. Não apenas das gerações atuais ainda em formação nas escolas de todo o Brasil, mas também de todos os brasileiros, mesmo os adultos, já integrados ao mercado de trabalho e que teoricamente são conscientes daquilo que acontece ao seu redor... Será?

Que a mídia ocupa lugar central na constituição das relações sociais que tecem o mundo contemporâneo, nos conformes de Maria Isabel, parece ser de conhecimento de todos. Na realidade, apenas parece, pois não nos damos o devido tempo para analisar essa presença tão marcante e invasiva e nem, tampouco, nos preocupamos em perceber as conseqüências desse contato tão freqüente e massificador para nossas próprias vidas e para as de nossos filhos, sobrinhos, alunos, afilhados,...

Imagem-de-crianca-assistindo-televisao-no-escuro
O que o seu filho está assistindo?
Como ele entende o que vê?
Quais as lições aprendidas nesse convívio?

Na apresentação da obra, encargo do respeitado professor Moacir Gadotti (da USP; diretor do Instituto Paulo Freire), é destacado que a “cultura midiática envolve o corpo inteiro, privilegia a imagem, o som, o movimento, as cores” e que trata-se de uma “cultura da satisfação” e de uma “expressão do nosso tempo”. Dessas inflexões de Gadotti temos que destacar as palavras e expressões satisfação, nosso tempo, corpo inteiro.

É justamente aí que reside o sucesso dessas mídias. O grande público é seduzido pela profusão de cores, movimentos, sons e imagens e entende esses veículos de informação/ferramentas/tecnologias como instrumentos que o conduzem de corpo inteiro à uma necessária e desejada satisfação, bem nos conformes daquilo que o nosso tempo prescreve...

Se nós, adultos, “vacinados”, formados, atuando no mercado de trabalho (até mesmo em áreas que assumem-se críticas e questionadoras, como na educação) somos constantemente ludibriados pelos efeitos “alucinógenos” dessa mídia, o que poderemos esperar relativamente a nossas crianças, adolescentes e jovens senão a “loucura total”?

Para isso torna-se fundamental que pensemos nossa relação com essas mídias e que rearticulemos socialmente a utilização das mesmas, mesmo que isso signifique frustrar os objetivos mais elementares dos próprios realizadores e produtores dessas mídias que tentam a todo o momento nos cegar e nos fazer obedecer sem qualquer reação aos seus ditames...

É briga de “cachorro grande” como dizem aqui no interior de São Paulo quando se referem a empreitadas que exigirão muito peito e coragem dos envolvidos. Por isso mesmo é louvável a iniciativa que mobilizou a professora Maria Isabel Orofino a desafiar as normas vigentes no “establishment” e conduzir suas pesquisas até chegar a publicação desse importante livro.

Desenho-de-homem-entrando-num-computador
Não podemos simplesmente entrar de cabeça nas novas
tecnologias. Temos que pensar a nossa
relação com
essas ferramentas midiáticas. O que são?
Para que servem? Como funcionam?

Não é a toa que ela define a fundamentação de sua produção na “pedagogia participativa e libertadora, bastante influenciada pelo legado de Freire”. Todos aqueles que compreenderam a obra de nosso maior educador e que se dispuseram a estudá-la com profundidade identificaram em suas palavras muito mais do que simplesmente um receituário educacional engessado e mecânico a ser seguido.

Paulo Freire pretendia libertar-nos e a educação no viés participativo e emancipatório foi a prescrição por ele estabelecida para orientar nossa ação e nos permitir voar além daquilo que estabelecem como limites para nossa ação e vivência...

A obra de Orofino não pretende apenas que sejamos capazes de entender as mensagens evidentes ou subliminares que essas mídias trabalham ou ainda que as analisemos, nos posicionemos quanto a elas e que possamos ampliar as discussões para que toda a sociedade (ou ao menos as comunidades nas quais interferimos diretamente) compreenda e participe desse imprescindível debate.

Como a própria autora diz, essa tecnologia não é um fim em si mesmo, mas “um poderoso meio para a ressignificação do mundo através da produção de conhecimento e para o investimento na autoria das crianças e adolescentes”. Nesse sentido, através de sua obra, Maria Isabel tem a intenção de nos levar a usar essas ferramentas midiáticas como instrumentais que possam e venham a ser utilizados por nossos estudantes para composição de seus pensamentos, reflexões, “ampliação de vozes” e “construção de visibilidade”.
O que está sendo proposto não se restringe a mera compreensão dos produtos já criados e trabalhados por essas mídias, mas também (e eu diria, principalmente) o próprio entendimento dessas tecnologias midiáticas e a apropriação das mesmas pela escola até mesmo em prol do “re-encantamento do espaço escolar”.

Somente quando compreendermos o que são, como funcionam, para que servem, quais são suas contra-indicações, que conseqüências produzem para nossas existências e de que forma podemos ter uma relação altiva, crítica e contundente em relação as mídias é que poderemos nos apropriar das mesmas. Nesse sentido a ampliação do debate é fundamental.

Imagem-de-criancas-filmando-algo
As crianças e os adolescentes têm que se apropriar
dos recursos para que possam se expressar
através
dos mesmos. Essas ferramentas devem ser
compreendidas e usadas por todos nós.

É por isso que se destaca nessa obra que os educadores devem se lançar “junto com as crianças e adolescentes – à descoberta, à aventura de produzir respostas à presença massiva e ideologicamente mercantil que a mídia desempenha em nossos diferentes contextos culturais”.

Percebam que a colocação de Maria Isabel Orofino destaca que temos que ser parceiros das crianças e adolescentes... Até mesmo porque são essas gerações que entendem mais do uso e manipulação técnica desses equipamentos. Nossas crianças e adolescentes já nasceram num mundo onde a tecnologia é onipresente.

Falta-lhes, no entanto, a compreensão crítica, o poder de análise, a possibilidade de dissecar essas ferramentas em busca de seus segredos, atalhos, falhas, características,... Isso cabe aos educadores, mais afeitos a essa tarefa e preparados pela experiência e pelos estudos para esse árduo trabalho. Só que lição de casa dos profissionais da educação tem que realmente ser feita, caso contrário seremos sempre reféns da mídia e de suas intenções/pretensões quanto a nós...

O livro “Mídias e Mediação Escolar” revela-se, nesse sentido, obra destacada para que possamos empreender uma leitura mais apurada, crítica e sensível desses mecanismos onipresentes que a todo o momento influenciam nossas ações sem que nos questionemos ou mesmo percebamos que isso está acontecendo.

Ainda em sua introdução a autora nos coloca uma outra indagação que resume bem o espírito de suas preocupações ao escrever: “Como a educação escolar pode se colocar diante do papel que as mídias desempenham hoje tanto nos processos de difusão de ideologias dominantes quanto na construção de novas redes de resistência e solidariedade mundial?”.

Não podemos continuar somente vivendo à sombra daquilo que nos é transmitido pelas mídias. Não há como perpetuar esse processo e condenar a cegueira, ao mutismo e a surdez as novas gerações que estamos educando em nosso país ao não lhes permitir a reflexão sobre essas tecnologias. Temos que criar espaços para que o debate se amplie e, dessa forma, estaremos caminhando na direção dos ensinamentos de mestre Paulo Freire, resumidos na epígrafe do livro de Maria Isabel da seguinte forma:

“O mundo encurta, o tempo se dilui. O ontem vira agora; o amanhã já está feito. Tudo muito rápido... Debater o que se diz, o que se mostra e como se mostra na televisão me parece algo cada vez mais importante.” (Paulo Freire. Pedagogia da Indignação, 2000)

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6 COMENTÁRIOS

1 antonio chave junior - belém/pa
caro joão luis de A.Machado! gostaria que você pudesse tirar uma duvida a respeito das identidades múltiplas em questão, pois estou com dificuldades de compreensão Agradeceria amigo,pois será algo para eu poder começar a escrever um artigo.
22/11/2010 11:48:13


2 Estevão Mabilia Meneguzzo - Rio de Janeiro
obrigado,.
30/04/2009 01:17:47


3 Telma Barbosa - Salvador-BA
Caro João! Suas reflexões sobre o livro Isabel Orofino, são muito pertinentes! Ao iniciar suas falas com a frase de Freire produzida pela autora e ao finalizar ainda vc com frase do mesmo autor, demonstra o quanto Freire é importante para o processo reflexivo de se fazer uma educação consciente e imbuida de mudanças-transformações para o educador e o educando. Parabéns pelo seu olhar para partes da obra de valorsignificativo significativo para o leitor! Abraços Telma Barbosa
01/06/2008 11:32:56


4 Lidia María del C.Galdames P. - Niterói - Rio de Janeiro
Maravilhoso, digno de estudo e análise, em grupo de professores. Utilizei o artigo para fundamentar e fazer um trabalho em Power - Point para o Curso de Dinamizadores em Rio de Janeiro, com certeza foi colocado a fonte e o endereço do site.
22/10/2007 19:52:30


5 Lucilia Ipiranga - Florianópolis
Participo do grupo de estudo do Núcleo de Tecnologia Educacional de Florianópolis, recentemente estudamos o excelente conteúdo deste livro, para fundamentarmos nossa prática como multiplicadores da idéia de que a tarefa da mídia-educação é fazer nossos alunos pensarem e agirem como cidadãos.
14/03/2007 18:16:07


6 Sylvio Fernando Mattos Xavier da Silva - Florianópolis
Nós já adotamos o excelente livro para estudo, todas as terças juntamos toda a equipe para socializar a leitura de alguns capítulos para fazer o contra-ponto, ou seja tirar as dúvidas, dialogar sobre a visibilidade das Mídias no espaço escolar. Sylvio Fernando e Equipe do Departamento de Mídia e Conhecimento da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis Equipe do Núcleo de Tecnologia Educacional Equipe da Coordenadoria das Bibliotecas Escolares e Comunitárias
14/03/2007 18:00:54


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