Cinema na Educação
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Boa Noite e Boa Sorte - 23/08/2006
A intolerância política em xeque

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O Macartismo foi uma chaga que atormentou a década de 1950 e o início dos anos 1960 nos Estados Unidos. Fruto da histeria anticomunista vigente naquele país durante a chamada Guerra Fria, permitiu que um senador do estado de Wisconsin ganhasse notoriedade à custa de sua intransigente atuação política de “caça as bruxas”, ou melhor, aos socialistas e comunistas.

O país assistiu, assombrado pelo espectro do comunismo internacional, uma perseguição sem igual, que desrespeitou os mais básicos valores da democracia vigente desde a Independência norte-americana em 1776. Joseph McCarthy usufruiu da teórica voracidade soviética por novos solos onde pudesse penetrar e também de sua preocupação em se imiscuir dos assuntos de seu maior rival e representante máximo do capitalismo para justificar suas ações.

Criaram-se listas através das quais se nomeavam todas as pessoas que seriam aliadas dos comunas ou que, por pelo menos uma única vez, tivessem participado de reuniões convocadas por instituições e grupos de apoio a ação da Internacional Socialista. Inúmeros cidadãos americanos listados por McCarthy foram proibidos de trabalhar e sobreviviam à custa da ajuda alheia para se manter.

Vários norte-americanos foram presos ou obrigados a prestar depoimentos sobre suas atividades subversivas. Algumas pessoas chegaram mesmo a atitudes extremas, como o suicídio. Outras foram condenadas à morte por traição a sua pátria. O meio artístico foi abalado pela súbita proibição de trabalho as pessoas que fossem consideradas suspeitas e, impávido, assistiu a demissão de roteiristas, atores, atrizes, músicos, jornalistas, executivos,...

As liberdades democráticas tão prezadas pelos líderes da emancipação dos Estados Unidos foram praticamente jogadas no lixo diante de tamanha agitação e perseguição. Nesse ínterim os meios de comunicação de massa se viram diante da necessidade (e obrigação) de cooperação com as autoridades governamentais que colaboravam e promoviam a ação de McCarthy. Posicionar-se contrariamente aos ditames anticomunistas do macartismo poderia significar, para os produtores dos shows televisivos, a tarja de inimigos do regime e simpatizantes dos “vermelhos”...

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Pode-se até mesmo afirmar que a ação de McCarthy e dos radicais que o apoiaram mudou a forma como se produziam shows televisivos e filmes para o cinema. A crítica e a reflexão que faziam parte da mídia televisiva e cinematográfica dos Estados Unidos tiveram que ser substituídos, de forma paulatina e constante, por uma programação calcada principalmente (ou apenas) no entretenimento. Não havia espaço na TV ou no cinema para críticos do sistema e simpatizantes de práticas e ações de caráter social/trabalhista, como apregoavam os maiores opositores do capitalismo, os socialistas.

“Boa Noite e Boa Sorte”, filme do diretor e ator George Clooney (que tem demonstrado um raro senso crítico e uma clara devoção a assuntos difíceis e politizados em suas produções, o que tem lhe rendido tanto o reconhecimento da crítica quanto do público), procura nos colocar no centro do furacão macartista e nos situar quanto às dificuldades enfrentadas por uma equipe de jornalismo da rede de televisão CBS.

Os jornalistas apresentados no filme não tinham qualquer pretensão de serem considerados abnegados defensores de valores e causas nobres e dignas. Pretendiam apenas dar vazão ao sentido de existência da imprensa num país livre, como imaginavam ser os Estados Unidos, ao informar os fatos e acontecimentos sem deturpar ou omitir qualquer parte das notícias que trabalhavam ou ainda sem que tivessem que se submeter aos comandos e desmandos de governos e sistemas políticos autoritários.

Ao colocar a intolerância política do macartismo em xeque, “Boa Noite e Boa Sorte” se torna um libelo em favor do pensamento livre e da bandeira democrática. Só por isso já deveria se tornar obrigatório, mas há muito mais na obra de Clooney, o que o torna verdadeiramente imprescindível...


O Filme

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O início do filme nos coloca dentro de um evento comemorativo e que celebra uma personalidade de importante contribuição para o universo televisivo norte-americano. O homenageado é Edward R. Murrow (David Strathairn, em atuação exuberante e justificadamente indicada ao Oscar), um jornalista que comandara um prestigiado e crítico programa jornalístico da rede de TV CBS.

Suas palavras no pronunciamento que faz em agradecimento pela homenagem que está recebendo trazem, no entanto, a dura constatação de que a televisão e os Estados Unidos mudaram muito em alguns poucos anos e que, enquanto personagem desse período, cabe a ele destacar as alterações e abrir os olhos de seus interlocutores para que percebam que a guinada foi para pior...

A partir daí, como numa autêntica máquina do tempo que só o cinema pode nos proporcionar (ao menos por enquanto...), retornamos alguns anos para os estúdios da CBS, onde se produzia o show que tinha Murrow como protagonista. Reuniões entre membros da equipe técnica, jornalistas e produtores definiam a pauta e colocavam, durante 30 minutos, assuntos polêmicos e entrevistados famosos em foco para que a forte presença de cena, as perguntas objetivas e sem rodeios e o semblante questionador de Murrow fizessem a audiência aumentar.

Patrocinado por uma importante empresa norte-americana produtora de alumínio, a Alcoa, o programa procurava manter seus canais de comunicação abertos para que injustiças não fossem cometidas e, nesse sentido, procurava sempre ouvir depoimentos de todos os envolvidos ou citados nas questões em discussão. Sempre em busca de notícias de grande repercussão e de potencial polêmico, os embaraços do macartismo faziam parte das dificuldades pelas quais, como todos os jornalistas da época, também eles passavam...

A independência era, no entanto, uma das marcas registradas de sua equipe, que procurava, por todos os meios possíveis, não se submeter aos interesses de terceiros, como os próprios patrocinadores do programa ou, até mesmo, as autoridades federais lideradas pelo senador Joseph McCarthy.

No entanto, o surgimento de casos que demonstravam o claro abuso de poder e autoridade por parte dos radicais anticomunistas que desencadeavam a caça às bruxas nos Estados Unidos leva a equipe de Murrow a investigar duas situações específicas e concluir que era necessária uma reação à altura. Reações raivosas dos macartistas eram esperadas e não seriam mera retórica...

Filmado em preto e branco para tentar inserir o espectador na época em questão e fazer um paralelo bem construído com as imagens de época do senador McCarthy e de seus tribunais anticomunistas, o filme conta com um elenco de alto nível que tem, além do protagonista Strathairn, os astros George Clooney, Jeff Daniels, Robert Downey Jr., Frank Langella e Patricia Clarkson.

“Boa noite e Boa sorte” só tem um grande defeito: acaba muito rapidamente (tem apenas 93 minutos). É para ver e rever! Obrigatório!


Para Refletir

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1- Filmes políticos exigem atenção. Por isso, ao assistir a produção do diretor George Clooney, fique atento aos detalhes da história e procure, depois de ter visto os 93 minutos do filme, informar-se melhor sobre o macartismo e a histérica caça aos comunistas engendrada nos anos 1950 nos Estados Unidos. Há outras boas obras sobre o tema que podem ser vistas para se fazer um contraponto e iluminar a compreensão do tema. Nesse sentido podemos indicar, por exemplo, as seguintes produções cinematográficas que também abordam essa época e acontecimento: Testa de Ferro por acaso (de Woody Allen), Culpado por Suspeita (estrelado por Robert De Niro) e Cine Majestic (com Jim Carrey).

2- Há, evidentemente, outros períodos históricos importantes, de forte conotação política, que também foram analisados e trabalhados sob a ótica de cineastas importantes, críticos e talentosos. Entre eles não podemos deixar de indicar as seguintes obras: Z (de Costa-Gravas), Pra Frente Brasil (de Roberto Farias), A Batalha de Argel (de Gillo Pontecorvo), Missing (também de Costa-Gravas), Chove sobre Santiago (de Helvio Soto), A História Oficial (de Luiz Puenzo), Reds (de Warren Beatty). Em cada um deles procura-se demonstrar as transformações históricas e suas implicações para a vida das pessoas. Há desde relatos emocionados sobre a perda de parentes durante períodos repressivos até a própria consecução de revoluções proletárias ou golpes de estado.

3- A intolerância política é também uma chaga a ser combatida mundo afora. Não há espaço para sistemas organizados e regidos pela ótica cega da ditadura e da repressão. Isso poderia ser transformado em mote de um projeto de pesquisa através do qual propuséssemos aos nossos alunos verificar, em escala mundial, quais são os regimes repressores que ainda estão em vigência, como se organizam, de que forma perpetuam seus ditadores no poder, quais são as provas de sua intransigência política,... Para isso seria imperioso entrar em contato com ONGs que atuam em favor das liberdades democráticas, fazer pesquisas e contatos através da Internet, vasculhar bibliotecas, tentar fazer entrevistas com refugiados políticos que estejam vivendo no Brasil,...

4- Pergunta que não quer calar e que tem que ser respondida a qualquer custo por cada um de nós em nossas vidas... O que é liberdade? Proponha enquetes, entrevistas, leituras, contatos com acadêmicos,... Inicie essa ação com a ida aos dicionários e só termine quando tiverem respostas que sejam capazes de proporcionar a produção de textos dissertativos em que o conceito seja não apenas explicado, mas também esclarecido a partir de exemplos e contra-exemplos...

Ficha Técnica

Boa noite e boa sorte
(Good night and good luck)

País/Ano de produção: EUA, 2005
Duração/Gênero: 93 min., Drama/Thriller Político
Direção de George Clooney
Roteiro de George Clooney e Grant Heslov
Elenco: David Strathairn, George Clooney, Jeff Daniels,
Robert Downey Jr., Patricia Clarkson, Frank Langella,
Ray Wise, Tate Donovan, Matt Ross, Thomas McCarthy, Reed Diamond.

Links

-http://www.adorocinema.com/filmes/good-night-and-good-luck/good-night-and-good-luck.aspluck.asp

- http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=11371

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