Cinco Princípios para uma Escola Democrática - 22/08/2006
Um encontro com Michael Apple na PUC-SP
A sala lotada de estudantes da pós-graduação (mestrandos e doutorandos) e contando com uma seleta platéia de professores já é um indicativo da qualidade do palestrante convidado. A atenção despendida por todos e os olhares focados na mesa que centraliza o evento também dão uma medida precisa da importância desse encontro. Estamos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e temos diante de nós um dos mais importantes pensadores da educação mundial, o norte-americano Michael Apple.
Quem imaginava que esse encontro seria como tantos outros marcado pelo estrelismo do convidado ilustre se surpreende. A simplicidade do professor Michael Apple é uma das lições que a todos ali presentes é dada. Com livros publicados em várias línguas e tiragens expressivas para um segmento de mercado bastante restrito como a educação, Mr. Apple é um homem sem o vedetismo que sua presença poderia a princípio supor.
Vestido de forma sóbria. O olhar direcionado para todos e para ninguém em particular. Possuidor de voz segura, de quem realmente sabe o que está falando. Incisivo em suas declarações. Sem medo de causar polêmicas ou reações contrárias. Revelou-se ainda admirador e partidário da obra de nosso mais célebre educador, Paulo Freire. Esse é Michael Apple, acadêmico da Universidade de Wisconsin e autor de algumas das obras mais relevantes da educação nos últimos anos, como “Ideologia e Currículo”, “Educação e Poder”, “Professores e Textos”, “A Escola Democrática”, “Educando à Direita”, “Política Cultural e Educação”,...
Ao iniciar sua apresentação, foi logo nos dizendo que assim como todos os presentes também estava em busca do educador crítico, consciente e renovador. Apesar de nos dizer que pensava nessa possibilidade como sendo parte de uma utopia que todos perseguimos, Apple ao menos se permite sonhar com a consecução dessa escola plena e não submissa, realizadora e proponente, articulada e sensível ao mundo em que está inserida.
Pensando nisso se propôs a nos colocar em contato com o que considera como as cinco principais tarefas da educação crítica, que seriam como princípios norteadores para a consecução de uma escola democrática. Ao nos falar de cada uma dessas idéias foi claro e conciso quando necessário, abrangente e rico em comentários e exemplos em grande parte do tempo.
Este livro aborda as questões que existem entre conhecimento
"legítimo", ensino e poder, colocando em primeiro plano as
questões relativas às escolas como organizações sociais, e também
as atitudes dos professores, dos jovens e dos pais em relação às
classes sociais, a questões raciais e da etnicidade.
Destacou, a princípio, a necessidade de confrontarmos a negatividade. Nesse sentido esclareceu que isso significa falar a verdade mesmo que isso nos coloque em oposição ao poder estabelecido. Creio que vai um pouco de encontro a algumas conversas que tive com alunos acerca do erro que estamos cometendo ao nos submetermos ao império dos consensos...
Não sou contra opiniões consensuais, acredito apenas que estamos exagerando na dose e não nos permitindo discutir, argumentar, confrontar nossas opiniões, valores e crenças com as dos demais e que, a falta ou inexistência desse exercício dialético é extremamente perniciosa para a educação e para o mundo em geral. Temos que levantar a voz em prol de posicionamentos diferenciados para que a diversidade volte a existir...
A negatividade a que se refere o professor Apple também decorre da falta de confiança e de disposição para enfrentar a mesmice do cotidiano educacional. Os professores preferem as formas consolidadas de trabalho e pensamento e não se dispõem a tentar alternativas que signifiquem horas e horas de reflexão, trabalho, planejamento e argüição. Somos, nesse sentido, nossos maiores inimigos já que preferimos a acomodação, a zona de conforto na qual estamos estabelecidos.
Ao ressaltar que a confrontação a negatividade significa o choque com as estruturas do poder dominante, há também a consideração acerca das dificuldades e perigos relativos a essa atuação. Somos seres políticos e nossas opiniões e posicionamentos certamente nos destacarão em meio ao discurso corrente e nos colocarão em foco. É preciso coragem para assumir os riscos...
O segundo ponto de seu discurso destacou justamente a necessidade de não nos submetermos as teorias da conformação. Nesse sentido temos que conhecer e ter clareza quanto ao espaço em que atuamos e analisar a educação a partir de suas contradições. E o que exatamente significa esse princípio?
Este livro constitui uma lúcida análise do projeto político-pedagógico
dos Estados Unidos e uma denúncia das ameaças daí decorrentes para
todo planeta. Trata da aliança neoliberal e neoconservadora, apoiada
pelo fundamentalismo cristão evangélico e pelo burocratismo tecnicista
pequeno-burguês, que se alastram pelo sistema educacional norte-americano
e mundial, impondo novas lógicas e racionalidades que ameaçam a
lucidez
científica, educacional e pedagógica e, portanto, ameaçando até mesmo
a continuidade do processo civilizatório.
Na realidade procura afirmar a necessidade de uma atividade muito mais politizada e analítica por parte dos educadores quanto ao contexto de trabalho em que estão inseridos. Pede a nós, professores, que tenhamos a capacidade de nos retirarmos do espaço de trabalho, ao menos momentaneamente, para que consigamos observar a escola e a educação sem que nos deixemos envolver pelo cotidiano que nos cega.
É claro que nossa inserção nesse espaço de trabalho e produção de cultura e conhecimento também é parte essencial do nosso reconhecimento da educação. A momentânea isenção deduz a capacidade que devemos ter de não nos deixar envolver totalmente a ponto de não conseguirmos ver além daquilo que querem que vejamos acerca das escolas e do mundo.
Atuar nas contradições é justamente aquilo que se espera de um analista crítico e atuante em prol da melhoria da qualidade da educação. Ao observar as brechas e erros do sistema educacional, o educador tem ser capaz de entender esses desvios e descaminhos para traçar paralelos, observar outras práticas, pensar e repensar proposições teóricas e, de posse de todos esses dados, articular respostas que beneficiem e auxiliem a educação.
O professor Michael Apple também destacou que devemos atuar como secretários daqueles que estão lutando contra as injustiças e indignidades do mundo em que vivemos. De acordo com suas considerações as condições de trabalho estão sendo destruídas pelo neo-liberalismo e devemos estar atentos a isso.
Michael Apple confronta-nos nessa obra com a (in)consistência
das críticas que são feitas ao ensino público, na perspectiva da
restauração de políticas culturais conservadoras. Ainda que não
seja defensor do status quo, Apple acredita que, numa análise
atenta, é
possível encontrar na índole conformista e burocrática de
muitos sistemas educativos razões que justifiquem esta mudança.
Há alguns pontos importantes a destacar quanto a esse princípio. Inicialmente temos que ressaltar a capacidade de se doar de forma abnegada em prol dos desfavorecidos que se contam aos milhões em nosso país e também em todos os outros continentes. Fome, epidemias, guerras, exploração do trabalho infantil, discriminação racial e sexual, analfabetismo, corrupção, destruição do meio-ambiente e tantos outros temas extremamente relevantes da agenda mundial tem que ter muitos secretários (nos dizeres de Apple) ou advogados lutando em favor de sua extirpação ou, ao menos, de sua diminuição em escala geral.
Ao apregoar que devemos agir como secretários dessas causas em termos nacionais e até mundiais, Michael Apple está nos dizendo que enquanto segmentos favorecidos na distribuição de renda e recursos em nosso próprio país, devemos estender nossas mãos, arregaçar as mangas de nossas camisas, despender nosso suor e lutar pela justiça e também em prol da dignidade que se mostra ausente.
O uso do termo secretários é também pertinente por que nos coloca na posição de humildade que devemos ter ao assumir tais responsabilidades. Não podemos utilizar as causas em prol do enaltecimento de nossos nomes e sim, usar nosso conhecimento, práticas, contatos e realizações em favor das pessoas e das causas a que estamos aderindo. Não há espaços nessas lutas para as vaidades pessoais que tanto imperam em muitos nichos e segmentos profissionais, como na educação superior...
Outra batalha de grande destaque nessa jornada proposta pelo professor Apple refere-se a necessidade de recuperarmos a memória coletiva de nossos povos para manter viva e acesa a chama das particularidades culturais de cada povo e nação. Sua proposição visa confrontar a prática neo-liberal de silenciar as diferenças e criar um discurso uníssono em que os ditames dos vitoriosos do sistema prevaleçam de forma unânime.
Nos tornamos escravos dos consensos sem que nem ao menos tenhamos consciência disso. O doce sabor das reminiscências de nossas origens estão sendo apagados ou tratados como curiosidades, exotismos e extravagâncias. Não podemos mais nos ater a hábitos e práticas que as gerações anteriores de nossos compatriotas tanto utilizaram. Somos instados, coletivamente, a seguir sem qualquer possibilidade de desvio, aos modelos e conceitos dominantes.
Para que todas essas possibilidades de contestação se firmem cada vez mais, cabe a nós, enquanto quinto princípio defendido pelo educador norte-americano da Universidade de Wisconsin, que criemos estruturas de luta contra-hegemônicas. Nesse sentido nossas escolas são espaços privilegiados que nos permitem inserir essas temáticas no diálogo cotidiano e conseguir não apenas ouvintes, mas também aliados.
Quem entre nós pode deixar de reconhecer que o Planeta corre um sério risco em virtude da exploração desmedida do meio-ambiente? Há pessoas que contestem a existência do racismo e da discriminação em nosso mundo? A corrupção que desvia o dinheiro público e remete a pobreza mais e mais pessoas pode continuar impune? O analfabetismo em larga escala é uma chaga que ainda marca várias regiões do planeta e todos sabemos disso. O que podemos fazer quanto a isso?
É nesse sentido que se insere esse pensador da educação em suas jornadas mundo afora. Em conversas como as que desenvolveu conosco estava claro que atuava como secretário de todas essas causas. A partir de suas divagações queria não apenas discutir idéias, mas verdadeiramente nos atingir para que também nos tornássemos secretários como ele e que criássemos nossas estruturas de luta contra-hegemônicas... Pense nisso, pode valer muito todo o esforço para que realmente ajudemos a melhorar o mundo, mesmo que seja apenas um pouquinho de cada vez...
1 natanael aleixo monteiro - santa maria do pará
é mesmo importantíssimo focalizarmonos à que direção quermos tomar,e o que realmente queremos como legado para nossos filhos. no entanto, permaneceremos, certamente, estagnados,no mar de chumbos que reservam nossas tantas omissões diante de tantas decisões a nível nacional se não enfrentarmos as flechas do batalhão da elite, de forma a não o fazer pensar. como se as coisas tivessem que ser assim, porque sempre as foram... desejo muito juntarme àqueles que fazem da vida uma luta constante pela educação neste país, e esforçameei pra que o faça o mais breve possível...
21/02/2012 19:48:33
2 Terezinha Santos Farias - Paulista PE
Ao ler o artigo, sobre a palestra do grande Michael Apple, me senti mais uma vez estimulada para continuar acreditando que outra educação é possivel. Precisamos de profissionais da educação, com ousadia de enfrentar o poder dominante sim, de conforntar, de ariscar o novo, de não aceitar a mesmice. Podemos sim ser diferentes, contrariar, ousar, criar, reenventar, arriscar uma educação que de verdade forme cidão que possam tomar deciões politicas.
Com relação a palestra, cada frase dita pelo professor Apple, me deu ânimo, e é importante que outras e outros colehas possam ler e fazer suas interpretações.
Parabens pelo artigo. sou uma pedagoga que graças a minha conciência crítica de educadora, continuo acreditando na força da educação para mudar os velhos paradigmas desse nosso maravilho País
Um Abraço a todos e todas
Terezinha Santos Farias
30/10/2008 13:43:34
3 maria helena,regina, marli, - serra
trabalho michael apple
29/08/2007 10:03:55
4 Maria Cristina Rangel - Ilhéus-BA
Como professora orientadora de estágio nas escolas de ensino básico da cidade de Ilhéus-BA, vejo a escola muito distante de ser uma instituição que tenha condições de lutar e ensinar a lutar contra as injustiças e indignidades do mundo em que vivemos, pelo fato de que muitas vezes os professores estão tão habituados com as injustiças que já não as reconhecem como tal. Como lutar contra algo que não vivencio como injustiça? As escolas mais parecem prisões e nelas não há a manifestação do prazer do conhecimento, os salários não permitem a compra de livros que possam levar a uma reflexão crítica da vida... Mas tudo isto poderia ser superado se os professores tivessem condições de identificar as injustiças do mundo. Um mundo de privilegiados, onde alguns possuem mais direitos do que os outros. O grande desafio hoje é encontrar mecanismos que possam romper com esta naturalização das injustiças e podermos lutar contra. Identificar poderes hegemônicos? Destruir idéias hegemônicas? Como fazer isto em uma sociedade onde de tanto viver injustiças, não se consegue mais identificá-las? Quer pior descaso do que a saúde pública no Brasil?! No entanto, quem depende da saúde pública não levanta nem uma tampa de panela para protestar. Por fim, o que está colocado é o desafio de formarmos professores com capacidade de desvelar o mundo para si e para seus alunos. Para pensarmos a escola contemporânea é preciso pensar a formação do professor na atualidade.
24/08/2007 20:43:55
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