Planeta Literatura
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Açúcar - 17/07/2006
A história de nossos mais doces hábitos alimentares

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Capa-do-livro-Acucar

Quem não gosta de pé-de-moleque? E as deliciosas canjicas que tornam as festas juninas ainda mais animadas e gostosas para todos? Que tal uma pamonha para tornar mais doce o dia? E as irresistíveis porções de arroz-doce produzidas pela vovó, alguém já recusou? Esses são apenas alguns exemplos da grande variedade de doces brasileiros com os quais convivemos há muitos e muitos anos...

Alguns deles já estão ficando apenas na memória das gerações passadas. O advento das indústrias de confeitos está sepultando alguns de nossos melhores e mais doces hábitos alimentares. Já não é prática regular a produção de doces nas cozinhas de nossas casas. O ritmo de trabalho acelerado e a necessidade de aumentar a renda familiar têm levado as mulheres ao mercado de trabalho e, como conseqüência disso nossas cozinhas se tornaram o reino dos produtos industrializados, prontos para consumir.

Perdemos não só o sabor sedutor de algumas de nossas melhores receitas, entre as quais as sobremesas, mas também o prazer de vivenciar ainda mais o espaço sagrado das cozinhas.

Sim, pois estar na cozinha celebrizou-se ao longo de nossa história como uma verdadeira tradição brasileira. Construímos nossas casas com salas de estar desde que os portugueses erigiram suas primeiras habitações por aqui, porém ao lado delas eram erguidas cozinhas amplas onde as cozinheiras (serviçais ou as próprias donas de casa) e os ajudantes conviviam e conversavam durante o dia todo.

imagem-de-panela-com-doce
Nota-se do açúcar que se tornou abundante na cozinha e na doçaria européias,
a partir do século XVI, que grande parte dele era de engenhos do Brasil. Tanto
que a palavra, de uso tão brasileiro, mascavo tornou-se, desde então, inglesa.
E a marmelada e a goiabada brasileiras ganharam, desde velhos dias, apreciadores
europeus. (Gilberto Freyre)

A sala de estar era o ambiente formal, onde se encontravam os proprietários daquela residência e suas visitas. Na cozinha o papo rolava mais solto, descompromissado e sem “papas nas línguas”. Por esse motivo tornou-se tradicional que também os visitantes mais íntimos fossem levados para esse ambiente para comer, conversar, rir, discutir assuntos sérios,...

Enquanto se cortavam tomates, cebolas e salsinhas as pessoas contavam “causos”; aguardava-se o ponto certo da goiabada ao mesmo tempo em que pais e filhos colocavam em dia os acontecimentos de uma manhã ou tarde de estudos e trabalho; preparavam-se bolos que constituíam verdadeiros segredos de família para que todos pudessem compartilhar um alegre e gostoso bate-papo no café da tarde...

Atualmente nem mesmo a arquitetura parece querer preservar essa nossa tradição gastronômica. As novas casas e apartamentos das grandes e médias cidades do Brasil transformaram a cozinha em um ambiente dedicado única e exclusivamente ao trabalho. Diga-se de passagem, que esse trabalho ainda deve ser objetivo e visar à praticidade, ou seja, nada de delongas na cozinha...

É nesse sentido que a reedição de uma clássica obra como Açúcar, do mais célebre sociólogo brasileiro, Gilberto Freyre, deve ser vista como uma contribuição expressiva a cultura nacional contemporânea. E não apenas para os restritos círculos intelectuais que analisam a obra de Freyre ou atendendo a demanda de um crescente mercado gastronômico, sequioso de títulos e obras que esclareçam e fundamentem pesquisas e estudos na área.

O primoroso trabalho escrito de Gilberto Freyre só pode ser comparado em importância para o estudo da história e dos hábitos gastronômicos nacionais a produção de Luís da Câmara Cascudo com seu magnífico livro A História da Alimentação no Brasil. Apesar de ser considerada como uma obra menor do sociólogo pernambucano, Açúcar complementa e enriquece os estudos de Freyre celebrizados através de obras como Casagrande e Senzala ou Sobrados e Mucambos.

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Que se tornou a rapadura no Nordeste do Brasil? Segundo o professor
Sílvio Rabelo, “mais do que adoçante, como é o açúcar refinado [...]
alimento considerado de alto valor nutritivo, substituindo a carne ou
servindo de coadjuvante das refeições sertanejas, com outros muitos
alimentos como a farinha, o feijão ou as frutas, sob a forma de doces”.
(Gilberto Freyre)

Através dessa obra em que busca criar uma “sociologia do doce” a partir de “receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil”, Gilberto Freyre caracteriza o povo brasileiro e demonstra que a afeição pelos doces é herança recebida dos portugueses. Não deixa de fora a rica e importante contribuição que nos foi dada pelos africanos que para cá vieram como cativos, trazendo produtos e práticas tradicionais em suas pátrias de origem. Nem mesmo os índios que aqui viviam podem ser esquecidos por terem nos legado o conhecimento sobre os frutos da terra que se agregaram a produção de doces em nossas cozinhas...

Freyre enfatiza que no Brasil a rapadura virou alimento que dava substância e agraciava seus consumidores com um sabor irresistível. Destaca que os doces eram deliciosos nas casas e também nas ruas, a partir dos tabuleiros das baianas que de forma artesanal cultivavam as mesmas formas de produção caseira adotadas por suas mães, avós e bisavós.

O açúcar tanto fazia parte da mesa das famílias abastadas e tradicionais de Recife, São Luís e Salvador quanto dos mais humildes habitantes do Nordeste do Brasil. Variavam a forma e as receitas, porém, no geral mantinha-se o consumo do principal recurso obtido a partir da cana.

Imagem-de-bolo-com-uma-fatia-faltando-ovos-e-milho
No Rio de Janeiro, em 1827, o chá era considerado “gênero de primeira
necessidade”. E pela mesma época, em Pernambuco, a avó de padre Lopes Gama
servia chá na sala de visitas com torradas, bolinhos e sequilhos, segundo os melhores
estilos ingleses. Mas o chá verdadeiramente brasileiro foi o de ceia patriarcal
acompanhado de bolo, doce, canjica, angu, cuscuz,... (Gilberto Freyre)

Os doces se integraram de tal forma a nossa cultura que, como nos lembra Freyre, passaram até mesmo a representar nossos mais íntimos sentimentos em relação aos amores de nossas vidas, carinhosamente chamados por alcunhas como “doce de coco”, “manjar”, “docinho” ou a referências como “ela é um doce de pessoa”.

Em Açúcar, o sociólogo ainda se apressa a diferenciar o paladar brasileiro daquele dos estrangeiros, principalmente dos europeus, no que se refere a doçaria. De acordo com Freyre, os brasileiros estão mais afeitos a doces realmente doces, muito açucarados enquanto europeus e norte-americanos não se aprazem com toda essa doçura encontrada em nossos quitutes.

Se não bastassem todas as reflexões sociológicas que nos permitem entender a afirmação inicial da introdução de Açúcar, em que Freyre atesta que “o açúcar (...) adoçou tantos aspectos da vida brasileira que não se pode separar dele a civilização nacional”, a obra em questão também nos traz um receituário selecionado contendo algumas das mais deliciosas produções em doçaria do Nordeste de nosso país. Dá para se lambuzar com tanto melaço e certamente se deliciar com uma tão doce página da história de nosso país...

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3 COMENTÁRIOS

1 maria de lourdes araujo - SALVADOR
hummm!! muito interesante !! gostei aprendi com vcs algo muito bom quero receber novidades ok beijos
19/12/2011 16:18:12


2 jessica cristiane silva - lagoa nova rn
super interessante principalmente as imagens aprendi muito com essa pagina!!
26/08/2007 16:56:48


3 jonatas - pernanbuco
eu amo voce
03/04/2007 14:43:02


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