A universidade brasileira na contramão da história - 20/06/2006
Demitimos doutores e paralisamos a pesquisa
Imaginem uma situação hipotética em que o técnico da Seleção Brasileira tira de campo seus melhores jogadores e resolve colocar em seus lugares alguns desconhecidos novatos que ainda não conseguiram conquistar um lugar ao sol no mundo do futebol.
Estamos vivendo o clima da Copa do Mundo da Alemanha, e é como se, de repente, Parreira resolvesse aposentar Cafu e Roberto Carlos, dispensar Adriano e Ronaldinho Gaúcho ou ainda mandar Ronaldo e Kaká de volta para seus clubes. Se já está difícil ganhar jogando com esses craques, imaginem então como seria sem eles...
O que se preza nesses atletas é o talento, a determinação, o esforço, a história de cada um deles no futebol e, é claro, sua aplicação nos treinos e jogos. Junte a isso tudo a experiência que possuem nos gramados brasileiros e internacionais e temos as justificativas para que eles continuem sendo nossos titulares e permaneçam em campo com a amarelinha...
Ou então pensem numa equipe de fórmula 1, como a Ferrari ou a Mclaren, a investir milhões para desenvolver tecnologia de ponta e colocar toda essa pesquisa e equipamentos em seus carros de corrida e que, absurdamente, resolvem dar a direção de suas máquinas maravilhosas para motoristas de fusca ou pilotos de kart (sem desmerecer ninguém).
Dá para conceber que todo o dinheiro gasto em pesquisa, testes, mão-de-obra especializada de engenheiros e mecânicos, desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar o desempenho dos veículos e toda a história e tradição dessas grandes equipes de corrida possam ser colocados em risco com a utilização de um autêntico “João Ninguém” no volante de seus carros de fórmula 1?
A pesquisa demanda estudo, preparação, experiência, atitude propositiva
e alguns anos de trabalho e produção de textos. Para ser pesquisador é
necessário que exista o intercâmbio com profissionais que já atuam
nessa área
há algum tempo, essa troca de conhecimentos é de fundamental importância.
Acreditem, guardadas as devidas proporções, é isso o que acontece em muitas faculdades e universidades brasileiras. Professores que investem em sua formação, obtendo titulações de mestrado e doutorado, que realizam pesquisas e participam de congressos e eventos importantes relacionados às áreas de atuação em que militam estão perdendo espaço porque custam mais caro ao cofre das instituições de ensino superior.
Estudar demais é prejudicial à carreira dos acadêmicos. Estamos literalmente na contramão da história e do progresso da humanidade...
Demitem-se profissionais gabaritados e experientes, sucateiam-se projetos pedagógicos, desestimula-se a pesquisa e, como conseqüência disso tudo, a qualidade do ensino superior em nosso país fica cada vez mais deficiente e incapaz de promover o surgimento de novas gerações de profissionais brasileiros que auxiliem o país a superar a eterna condição de país do futuro.
Pesquisa no Brasil é encarada como produto supérfluo. Sempre que são necessários cortes orçamentários as primeiras medidas tomadas pelas universidades e faculdades brasileiras ocorrem nesse primordial e sagrado território.
Tamanho sacrilégio nos condena ao nanismo eterno no mundo globalizado em que vivemos. Parece ser nossa pecha, enquanto brasileiros, que teremos sempre que carregar as pedras. O nosso futuro é o do trabalhador braçal do submundo em que vivemos. Com as medidas que estamos tomando seremos sempre a periferia, onde proliferam as “repúblicas bananeiras” e sua mão-de-obra desqualificada e barata.
Participações em grupos de pesquisa que enviam projetos a congressos,
seminários e palestras permitem a divulgação dos resultados,
a troca de idéias
com outras universidades, a melhoria na qualidade
das
aulas
e a socialização de sua produção com a própria comunidade.
Não queremos pensar no amanhã das luzes. Em que a educação seja realmente esclarecedora e que permita a formação de cidadãos críticos, conscientes, participativos e de profissionais competentes, destacados, criativos e diferenciados.
Sem os doutores e mestres que a duras penas tentam manter viva a chama da pesquisa e do ensino de alto nível em nosso país a tendência é que nossas aulas na graduação continuem burocráticas, simplificadoras e, até mesmo em alguns casos, emburrecedoras...
Queremos ser como os Estados Unidos, a Alemanha ou o Japão. Almejamos a aura dos vencedores que conquistaram o pódio do desenvolvimento. Sonhamos com o progresso que estimula a economia, gera desenvolvimento social e que promove qualidade de vida.
Mas não queremos pagar por isso...
Há um preço. Pode até ser um pouco salgado, mas as repercussões futuras desses investimentos revertem em favor do desenvolvimento geral de nosso país e das instituições que resolvem bancar esse crescimento. Quem pensa pequeno está fadado a ser pequeno para sempre. Quem quer ser grande tem que ter responsabilidade e ousadia para crescer.
A experiência de pesquisa e estudo dos doutores deve ser utilizada em
sala de aula.
Não podemos abdicar da sabedoria de pessoas que investiram
pesado em suas
carreiras e constituíram um cabedal de informações valioso
em suas respectivas áreas do conhecimento.
Oxford, Cambridge, Stanford, Sorbornne e as melhores universidades do mundo não abdicam da experiência, dos estudos, da pesquisa e do talento de suas mais privilegiadas cabeças. Pelo contrário, procuram novos sócios talentosos para seu seleto grupo de profissionais e, como contrapartida dos investimentos feitos, granjearam respeito, estima, valorização e sucessos.
Nossas instituições de ensino de 3º grau pecam por acreditarem que somente investimentos em infra-estrutura física ou na compra e aquisição de modernos equipamentos garantem um amanhã de realizações e fartura. Essa modernidade arquitetônica e tecnológica não resiste se não for embasada pela ação de profissionais muito qualificados.
É como a história da Ferrari ou da Seleção Brasileira. Sem um piloto de ponta ou jogadores que tenham qualidades técnicas, físicas e experiência é pouco provável que o melhor dos carros ou a mais tradicional das camisas de futebol triunfem...
Conheço histórias de instituições que contratam doutores e mestres quando vão ser visitadas e avaliadas pelo MEC ou por organismos independentes e que, depois disso, resolvem dispensar esses profissionais para não encarecer suas folhas de pagamento.
Sei de casos de professores que tiveram que esconder em seus currículos suas titulações e participações em congressos e eventos para que pudessem ser contratados, caso contrário, não seriam aceitos já que seus vencimentos seriam mais altos.
Devemos investir em infra-estrutura e melhorar a qualidade dos serviços
oferecidos pela universidade como um todo. Precisamos de instalações mais
modernas e tecnologia de ponta, mas não podemos prescindir da qualidade
dos profissionais mais gabaritados, que avançaram em seus estudos e
pesquisas e atingiram melhores titulações.
São apenas alguns dos absurdos que vivenciamos na vida acadêmica brasileira. Não é a toa que temos profissionais saindo de nossas universidades sem a mínima condição de exercer o trabalho para o qual foram preparados na graduação. Um dos exemplos mais gritantes dessa triste realidade são os exames de admissão dos advogados recém-formados na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e seus altos índices de reprovação.
Depois de formados, muitos advogados vão fazer cursinhos para passar nesses exames da OAB. Isso é mais do que uma comprovação de que seus cursos foram deficientes e que esses profissionais estão despreparados para o mercado de trabalho. Isso acontece também com muitos graduandos que se tornaram professores, médicos, dentistas, engenheiros, arquitetos,...
Se paga caro para estudar no Brasil e, apesar disso, o que é dado de retorno aos estudantes são aulas enfadonhas, onde se repetem as mesmas fórmulas de anos e anos atrás, que acabam levando ao surgimento de profissionais despreparados, descontentes e incapazes de superar essa situação de desesperança.
Cabe aos estudantes questionar as universidades quanto à qualidade do corpo docente com o quais irão ter aulas. Compete aos órgãos que regulam a educação no Brasil cobrar das instituições que tenham os melhores profissionais em seus quadros. É imperioso que a sociedade, sequiosa por progresso econômico e social, questione e clame por universidades de ponta, que nos permitam sair dessa eterna condição de país do futuro. O futuro tem que ser agora, basta de atraso, temos que sair da contramão da história...
Obs. Através desse artigo presto minha solidariedade e amizade a todos aqueles professores e pesquisadores que em algum momento de suas trajetórias foram prejudicados em seus projetos, pesquisas e aulas devido a sua titulação e história. Devoto, em particular, as minhas grandes amigas e verdadeiras mestras no duro e fundamental ofício da pesquisa, Nena e Vera.
1 Michele Bentes Fernandes - Manaus-Am
A realidade é, de fato, cruel e infelizmente poucos atentam para a veracidade das observações listadas neste texto. É muito cômodo para todos permanecer inerte diante de tantas situações que realmente nos levam para a contramão do ensino, é cômodo não questionar, é cômodo ouvir e dar-se por satisfeito, é cômodo contentar-se com o pequeno...
"Quem pensa pequeno está fadado a ser pequeno para sempre. Quem quer ser grande tem que ter responsabilidade e ousadia para crescer."
Precisamos mesmo de pessoas assim como você, João Luís, capazes de ver e não calar, mas falar e denunciar aos demais suas percepções, anunciando a lentidão de todos nessa "corrida em busca de qualificação".
11/03/2007 02:35:53
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