Cinema na Educação
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Um Grito de Liberdade -
Abaixo a Intolerância, Black is beautiful

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As cenas iniciais nos colocam no meio de um gueto. Poderíamos imaginar se tratar de mais um filme sobre o holocausto, não é. A palavra gueto é rapidamente associada ao genocídio dos judeus na 2ª Guerra Mundial praticado pelos nazistas. Nos parece que associá-la a outros momentos da história não é adequado, acreditamos que perseguições e violências semelhantes ao que ocorreu na Alemanha entre 1939 e 1945 não devam ter acontecido nas mesmas proporções em outras regiões do planeta.

No entanto, as imagens marcantes de crianças sendo espancadas, mulheres gritando em desespero, homens tentando se defender de agressões covardes e gratuitas nos são apresentadas. Tanques invadindo locais deploráveis, sem as mínimas condições de higiene, propícias ao surgimento de doenças, onde vivem pessoas aos milhares, estão ao alcance de nossos olhos. Impossível não se sensibilizar com tão evidente falta de humanidade. Estamos presenciando cenas da década de 1970, ocorridas na África do Sul, num sub-distrito de Capetown (a cidade do Cabo). As vítimas de toda essa insanidade são os negros, os agressores são os brancos.

Os registros que deram base para as fortes seqüências filmadas pelo premiado e experiente diretor inglês Richard Attemborough (o mesmo que filmou o épico "Ghandi") vieram de dois livros, escritos pelo jornalista sul-africano Donald Woods, que vivenciou os acontecimentos e pode, dessa forma, fazer relatos denunciando toda a violência e a intolerância características do regime de segregação racial sul-africano, o Apartheid.

Além de ter visto, ouvido e sentido na própria pele todo ódio incontido dos brancos em relação aos seus conterrâneos negros, Woods teve a oportunidade de viver proximamente ao ativista Stephen Biko. Inteligência privilegiada, Biko se tornou uma liderança respeitada dentro de sua comunidade desde os tempos em que era estudante, aproveitando-se das poucas chances de estudar concedidas pelos governantes brancos sul-africanos à maioria negra do país.

A estruturação da sociedade do apartheid fazia prevalecer a lógica mesquinha da divisão injusta dos meios e recursos, das oportunidades e bens materiais, legando a comunidade negra, majoritária em termos quantitativos, as piores condições de vida e de trabalho, a humilhação de ter que pedir autorização para se deslocar de um lugar para o outro, a separação de famílias para que pudessem sobreviver (os empregos eram concedidos em locais distantes, homens e mulheres acabavam se encontrando apenas nas folgas e nos finais de semana), os salários irrisórios, as moradias que eram verdadeiros guetos (favelas, cortiços ou como queiram chamar).

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A violência aplicava-se sob a égide de um estado de caráter fascista, a base de pancadaria e de submissão a condições totalmente desumanas. Woods (interpretado no filme pelo versátil Kevin Kline) é um jornalista liberal, que faz críticas a ação desmesurada do governo, mas que, vive em subúrbio luxuoso, afastado de toda a conturbação característica dos bairros pobres onde residem os negros. Parece atento ao que acontece ao seu redor, mas não consegue perceber todas as mazelas e diferenças que matam milhares, que mutilam outros tantos, que ferem os corpos assim como as almas. E o pior, tudo acontecendo por conta da diferença da cor da pele.

Biko (protagonizado pelo excelente Denzel Washington, premiado com o Oscar duas vezes, por seu desempenho em "Tempo de Glória" e "Dia de Treinamento"), é um dos alvos mais freqüentes dos editoriais escritos por Woods. Do alto de toda a sua sabedoria de membro da classe dominante, o jornalista acredita que a ação de líderes negros como Biko aumenta o ódio racial, faz crescer o número de situações de enfrentamento, distancia a comunidade negra dos brancos e estimula a segregação ao invés de combatê-la.

Quando Woods e Biko se conhecem, quebram as barreiras do silêncio impostas pelo estado racista a Biko e estabelecem conexões entre si que reforçam a idéia de que o diálogo, a compreensão e as concessões são o melhor caminho para solucionar o problema sul-africano. A admiração mútua logo se torna mais marcante e o carisma do líder Biko atinge em cheio o jornalista liberal que passa a utilizar seu espaço no jornal para pregar em favor do fim do apartheid. A perseguição aos negros atinge então seu confortável lar de classe dominante num luxuoso distrito reservado a elite branca.

O que lhe parecia distante, próprio dos subúrbios poeirentos em que residiam os negros, também podia chegar a sua casa, atingir a sua família, obrigá-lo a se calar. Os amargos "remédios" dados pelos racistas sul-africanos a Biko e a Mandela (preso desde a década de 1960 tendo sido solto apenas no final dos anos 1980) atingiam Woods. O doce sonho de que toda a situação vivida pelo país poderia ser superada às custas de planos de governo e boa vontade da população iam por água abaixo. Que alternativa resta senão a luta, que possibilidade se apresenta que não seja o enfrentamento. Biko acreditava ser possível alterar os rumos do país seguindo as máximas de Ghandi e Martin Luther King, sem violência.

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Qual foi o custo de toda essa verdadeira guerra civil que se instalou entre os sul-africanos? Quantos homens e mulheres morreram vitimados pela discriminação? As feridas desse verdadeiro genocídio podem se cicatrizar? Será que um dia superaremos todas as formas de preconceito e aceitaremos os outros como são? Assistir a "Um Grito de Liberdade" nos faz refletir sobre essas questões. Alimenta um debate que a humanidade ainda não conseguiu resolver. Permite que falemos sobre problemas que ainda existem. Apesar do fim do regime do Apartheid, será que a situação de vida dos negros na África do Sul melhorou? Como serão as relações entre negros e brancos nesse país hoje em dia?

Ficha Técnica

Um Grito de Liberdade
(Cry Freedom)

País/Ano de produção:- Inglaterra, 1987
Duração/Gênero:- 157 min., drama
Disponível em vídeo
Direção de Richard Attemborough
Roteiro de John Briley
Elenco:- Denzel Washington, Kevin Kline, Penélope Wilton.

Links

- http://us.imdb.com/Title?0092804 (em inglês)

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12 COMENTÁRIOS

1 kleyton - sao jose do egitope
costei desse filfe por que retrata o passado, presente e futuro.
23/10/2012 14:02:51


2 Edilson - Rio de janeiro
Um comentário lamentavel de uma pessoa que c/ certeza não faz a menor ideia do que é ser descriminado seja por qual motivo for.realmente começo a acreditar que ser branco e burguês deve dar ao ser humano uma falsa sensação de mundo perfeito vc meu amigo andré esta hj tão escvravisado quanto os coitadinhoos negros e sera descriminado no futuro só por ser burguês essa idéia que vc abraça trouxe essa discução a tona não me leve a mal mas no século XXI e vc c/essa cabecinha acorda irmão vc esta dormindo vê se sai do seu condomínio fechado c/seguranças armados e vai visitar uma favela lembrando que c/tanta sacanagem fazendo c/que a miséria se prolifere o seu condomínio vai virar a sua senzala de onde vc não podera sair a vc vai ver a necessidade de se organizar e lutar preste atenção espero que leia o que eu deixei para vc de um negro favelado.
20/05/2011 14:42:15


3 Máira - Valença
Um filme muito bom contou um pouco da luta dos negros que já vinha de muito tempo atrás.O filme é com certeza muito longo. Mas se pensarmos bem, menos de três horas chega a ser pouco para contar uma história tão importante. Retrata resumidamente o sistema de arpatheid na África do Sul.
31/07/2010 14:35:32


4 Ana CarolinaBrunaLuanaBiancaKaliany - ValençaBA
A fascinante história real,inesquecível amizade entre dois homens, A tensão e o terror presentes nesta história sobre o ativista negro Stephen Biko e um jornalista branco Woods, que arrisca a própria vida e a de sua família para mostrar a mensagem de Biko ao mundo. Em momentos de horrores do apartheid,os soldados brancos vêem os negros como animais,tanques de guerras,casas destruídas...São aproximadamente 45 anos de luta.Tudo isso pela ``COR DE PELE``
30/07/2010 15:58:39


5 carla alves mooura - goiania go
este filme foi um sucesso porque a gente conheçe um pouco sobre os escrovos e a sua vida antigamente e tudo que eles passaram e atraves desse filme conheçir um pouco a vida dos escravos e de quem lutou pela liberdade dos escravos
22/03/2010 16:09:50


6 Maria Ascenção - QuijingueBa.
Stive Biko leva ao mundo através do filme a luta pela valorização da consciência negra, nos convidando a olhar para nossa realidade hoje. A violência, a opressão, a injustiça, a miséria, a banalização da vida e a falta de cuidado com o outro torna o mundo caótico. Não é preciso muito esforço para perceber, que a nossa volta, hoje, precisamos de muitos stive Biko para ajudarmos a superar as estruturas opressoras, mas com um final diferente do filme, não deixar que calem nossa voz, em vez de medo, a esperança e como prêmio a vida em plena igualdade.
17/11/2009 15:45:56


7 MARIA DE FATIMA - CaxiasMA
EU CONSIDERO O FILME O GRITO DE LIBERDADE UM FILME REFLEXIVO, POIS HÁ VÁRIAS CENAS QUE SÃO ABSOLUTAMENTE CHOCANTES, E NOS FAZ INDAGARMOS SOBRE: COMO PODE EXISTIR TANTO PRECONCEITO NO MUNDO?SE VIEMOS DE UM SÓ DEUS!
19/10/2009 17:16:02


8 Vanessa - Florianópolis, SC
Fabio Belo Horizonte Não dá para acreditar que, depois de assistir a um filme desse , ainda tenhamos comentários tão desprezíveis iguais aos anteriores. Infelizmente, por causa de pessoas como essas, é que tantos horrores existiram e ainda existem. CONCORDO PLENAMENTE!
15/06/2009 14:45:37


9 Elislaine - Coronel Fabriciano
Trabalho com o Departamento de Cultura na cidade, gostaria de saber ,se este filme é recomendado para alunos do ensino fundamental. A escola vai ao cinema, todo mês, passamos filmes para os alunos de acordo com a programação. Obrigada.
16/03/2009 22:26:23


10 keity - limeira
Realmente André, concordo com vc que os negros não são coitadinhos, são lutadores, revolucionários, como Malcom X, Martin Luther King, se é que vc saiba quem são eles! Coitadinho é o povo branco que por mais que nos humilharam ao longo da história não conseguiram nos abalar com discriminação e racismo, lutamos muito e continuamos a lutar por um mundo que pertence a nós também!E se os brancos ficam sem emprego na Africa do Sul, é só a reciprocidade do que nos foi feito a anos atras e em departamento continuam sendo negados direitos de emprego e cargos boms apenas por ser negro. enquanto os negros não forem livres, os brancos não serão livres...Martin Luther King!!!!
23/10/2008 09:21:19


11 Fabio - Belo Horizonte
Não dá para acreditar que, depois de assistir a um filme desse , ainda tenhamos comentários tão desprezíveis iguais aos anteriores. Infelizmente, por causa de pessoas como essas, é que tantos horrores existiram e ainda existem.
06/05/2008 19:12:59


12 André - SP
Eu pessoalmente considero o filme "Um Grito de Liberdade" extremamente tendencioso. Mostra os brancos sob duas únicas perspectivas: ou são cruéis dominadores de uma maioria oprimida ou são simplesmente ingênuos em olhar com bons olhos movimentos agressivos de negros racistas. Nas duas hipóteses, tudo o que se tem é um panfletarismo típico do fim da guerra fria quando passou-se a considerar o apartheid uma aberração somente depois que não havia mais o perigo de uma ameaça soviética na região. Considerar que somente brancos são racistas e que os negros são eternos coitadinhos e vítimas é de um maniqueísmo simplista que faz ate´rir quem hoje vê a situação da atual África do Sul com suas "Ações Discriminatórias Afirmativas" que jogam milhões de pessoas no desemprego apenas em função de terem a pele clara. Não à toa, tantos brancos estão abandonando o país que é tão deles quanto de qualquer negro lá nascido.
26/03/2007 01:46:59


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