Quanto nos custa a verdade? Há vários momentos em nossas vidas em que nos sentimos compelidos a dizer tudo o que realmente pensamos ou acreditamos mesmo que isso magoe os sentimentos de outras pessoas. Quando as palavras são apenas ditas, jogadas ao vento, colocadas para fora com a força de nossos pulmões, as implicações já são grandiosas... Imaginem então o que ocorre quando resolvemos escrever o que pensamos...

Somos sempre muito cuidadosos quanto as nossas declarações. Procuramos agir dentro daquilo que nos parece mais razoável e, de quebra, adequado para cada ambiente no qual estamos inseridos. Vivemos a era do “politicamente correto” e, por esse motivo, criamos filtros individuais através dos quais procuramos separar o “joio do trigo” e evitar declarações bombásticas ou polêmicas.

Não é isso o que desejamos fazer em grande parte das situações que vivenciamos em nosso cotidiano. Quando lidamos, por exemplo, com nossas chefias será que nos atrevemos a dizer tudo o que realmente pensamos acerca das empresas em que trabalhamos e das políticas/ações escolhidas pelas mesmas?

Muitas vezes engolimos nossas palavras, nossa ética pessoal, os princípios que regem as nossas vidas apenas para não contrariar nossos superiores ou, em certas circunstâncias, para não destoar do grupo.

Jerry Maguire – A grande virada nos coloca em contato com uma situação em que o protagonista (Jerry Maguire, em atuação elogiada do astro Tom Cruise) se sente compelido a dizer o que realmente pensa de seu ramo de atuação (agenciamento de atletas famosos ou promissores) com a finalidade de redirecionar e reorientar as ações de seus colegas de trabalho e da própria firma onde atua.

Saudado por todos pela coragem de suas palavras e pelo idealismo de sua proposta, Jerry Maguire vive o céu, ou seja, a recompensa celestial por sua honestidade. O problema é que a fronteira que separa a salvação das almas da danação no fogo do inferno é tênue e, em função disso, Maguire é demitido por conta de seu memorando/projeto.

Isso quer dizer que não vale a pena ser sincero e colocar o coração quando dizemos ou escrevemos alguma coisa? Quantas situações similares a de Jerry Maguire já foram ou são vividas mundo afora? E o inverso dessa comédia de erros (em que os sonhos, propostas e a própria ética do homem são desprezados em favor da continuidade de políticas de resultados que ignoram ou menosprezam o fator humano em suas realizações), já aconteceu? Quando? Onde? Como?

Penso que não bastam as intenções. Temos que pensar e agir. Propor e concretizar. Temos que nos expor, colocar nossas opiniões e projetos mesmo sabendo que corremos o risco de sermos criticados ou corrigidos. Afinal de contas, os erros e o eventual aperfeiçoamento de nossos projetos de vida acontecem a partir da socialização e divulgação dos mesmos.

Afinal, é preferível morrer defendendo as bandeiras em que realmente acreditamos a ter que sucumbir atrelados aos sonhos alheios...

O Filme

Ser bem sucedido profissionalmente é o que todos aspiram. Nem sempre isso acontece, mas na vida de Jerry Maguire (Tom Cruise) a carreira ia de vento em popa, com os bons resultados surgindo um atrás do outro. Tudo isso era apenas fruto de um trabalho sério e árduo em busca do melhor para seus clientes e, consequentemente, para a firma onde Maguire trabalhava.

O melhor de tudo, no entanto, era que todos na empresa também adoravam Jerry. Alguns chegavam mesmo a idolatrá-lo. Tudo isso inebriou o jovem agente de alguns dos maiores atletas norte-americanos do circuito profissional. Toda sua popularidade, aliada aos seus empreendimentos bem sucedidos, o levou a acreditar que podia dizer tudo o que pensava e o que realmente gostaria de fazer profissionalmente...

Jerry acordou no meio da noite, num dos finos hotéis que tinha que freqüentar profissionalmente e desandou a escrever um projeto acerca da profissão que exercia e suas perspectivas. Falou sobre a necessidade de sermos mais humanos, sinceros e dedicados e afirmou que os agentes desses esportistas deviam se dedicar a menos atletas, dando a cada um deles uma atenção especial, digna de um amigo.

Foi aplaudido pelos colegas após a divulgação do documento que escrevera. Mal sabia que tinha acabado de assinar sua carta de demissão. Poucas horas depois estava na rua, com o memorando embaixo do braço, esquecido e abandonado pelos amigos (exceto pela secretária Dorothy Boyd, interpretada com talento por Renée Zellweger) e sem os clientes que antes representava (a não ser o jogador de futebol americano Rod Tidwell, em outra marcante atuação de Cuba Gooding Jr.).

Sua sinceridade o levara ao fundo do poço. E essa viagem, não tem volta? Ou é possível reverter o resultado quando realmente acreditamos no que estamos fazendo e contamos com o apoio de alguns poucos, mas realmente leais, escudeiros?

“Jerry Maguire – A grande virada” é um filme que surpreende e conquista os espectadores em virtude de seu roteiro bem estruturado, do ótimo elenco, da direção segura de Cameron Crowe e, principalmente por nos fazer crer que vale a pena lutar por nossos sonhos e pela verdade...

Para refletir

1 – O que é verdade? Conceituar tal palavra tem sido o propósito de muitos filósofos ao longo dos tempos. Cada período da história da humanidade registrou as impressões de vários pensadores acerca de tão polêmico assunto. Proponha aos estudantes uma investigação a respeito das definições de verdade construídas pelos mais expressivos pensadores da humanidade e peça ao grupo que construa uma única linha do tempo com as imortais definições de verdade e com imagens dos filósofos que as construíram.

2 – A verdade constitui uma questão relacionada à Ética. Quando nos referimos à ética estamos falando sobre a moral e, de certa forma, tentando esclarecer as demarcações que estipulam o que são bem e mal. Historicamente falando há, entretanto, circunstâncias em que a verdade – relacionada ao bem – tem que ser ignorada ou deixada de lado em prol de outras prerrogativas, como a própria preservação da vida. Entre os casos reais que poderiam ilustrar essa tese está a história de Anne Frank durante a 2ª Guerra Mundial. Tente discutir essa questão com seus alunos e busque junto aos mesmos outros exemplos, retirados da própria história, da literatura, dos filmes, dos noticiários ou de qualquer outra referência cultural ou cotidiana.

3 – Um aspecto interessante retratado no filme “Jerry Maguire” refere-se à profissionalização do esporte nos EUA e, de quebra, no resto do mundo, em menor ou maior grau. Ficamos a par, ao ver o filme, que o papel do agente esportivo é decisivo para definir o sucesso de um atleta, independentemente de seus méritos esportivos. Nesse sentido cabe um importante questionamento, ou seja, será que realmente os melhores são os melhores? Ao mesmo tempo cabe confabular sobre talentos que não vingaram ou até quanto aos promissores atletas que nunca tiveram chances reais de deslanchar no esporte. Será que isso só acontece no mundo dos esportes?

4 – A lealdade a pessoas e princípios é também tema trabalhado no filme de Cameron Crowe. Pena que tal qualidade não esteja tão em uso no mundo em que vivemos atualmente. Políticos trocam de legendas a todo o momento; atletas mudam de equipe constantemente; executivos modificam seu endereço de trabalho muito mais do que deveriam; cônjuges esquecem rapidamente os votos de fidelidade e amor eterno,... Não vestimos mais uma camisa como antigamente fizeram os grandes craques do passado. O dinheiro suplantou a emoção, o frio profissionalismo sucedeu à ética, as convicções e o idealismo... O que fazer?

Ficha Técnica

Jerry Maguire – A Grande Virada
(Jerry Maguire)

País/Ano de produção: EUA, 1996
Duração/Gênero: 135 min., Comédia
Direção de Cameron Crowe
Roteiro de Cameron Crowe
Elenco: Tom Cruise, Renée Zellweger, Cuba Gooding Jr.,
Kelly Preston, Jerry O´Connell, Bonnie Hunt, Jay Mohr,
Regina King, Eric Stoltz, Lucy Liu.

Links
http://www.cineplayers.com/filme.php?id=720
http://www.imdb.com/title/tt0116695/ (em inglês)