A Diferença Incidindo Sobre Nós - 23/05/2006
Marco Antonio de Queiroz - MAQ
Meu nome é Marco Antonio de Queiroz, sou cego há 22 anos devido a uma retinopatia diabética que me retirou a visão aos 21 anos de idade.
Participei, desde que iniciei no mundo dos diferentes, de movimentos de cegos em luta por nossa emancipação social. Ensinei a meus iguais o que a minha profissão aprendida depois de cego permitia fazer: dei cursos de processamento de dados. Além disso, escrevi um livro denominado "Sopro no Corpo" onde, com o mesmo objetivo que minha página da web, a "Bengala Legal", procurei esclarecer dúvidas com relação à cegueira e a tudo que eu podia desmistificar com respeito aos "marginais sociais" dos quais nós cegos fazemos parte.
A idéia, a princípio, era a de produzir uma imagem de todos nós mais próxima de nossa existência real, na tentativa de reformular as fantasias que criam a nosso respeito.
Essa introdução foi feita somente para mostrar que tive preocupações com relação às nossas questões individuais e sociais e que, como vivi até os 21 anos, digamos, "do outro lado" que não o dos portadores de deficiência, possuo alguns parâmetros retirados de minha própria experiência de enxergar que me fazem ter uma percepção bem sedimentada a respeito da relação "deficiente versus sociedade" e vice-versa.
Desde minhas primeiras lutas em prol de nossos interesses que quando meus colegas diziam "a sociedade nos ignora, nos vê com indiferença, nos renega" ou falavam as palavras chave: "preconceito e discriminação" eu pensava em minha experiência anterior, a de enxergar, e tudo aquilo era confirmado. Realmente, no meio ambiente em que vivia, zona de elite de uma grande cidade brasileira, o Rio de Janeiro, raramente alguém mencionava ter tido algum contato com cegos e, da mesma forma, com qualquer outra deficiência.
Lembro-me vagamente de um colega do interior comentar sobre uma conhecida dele que tinha distrofia muscular progressiva (DMP) e fiz uma imagem tão feia da coisa que só me lembro de ter sentido pena, mas sem ter informação alguma que me enriquecesse, fora das fantasias, as idéias e conhecimento a respeito dessa deficiência.
Meu padrinho de casamento também mencionou, certa vez, ter tentado ler para um cego, mas que ficava muito constrangido porque ele sentia que cometia muitos "erros" sem querer, como o de dizer distraidamente frases comuns como "o dia está muito lindo" ou "o por do sol está emocionante!" ao cego para o qual lia.
Eu não sabia muito bem o que pensar a respeito, mas sempre era uma coisa distante, longe de minha realidade, convívio e preocupações. Portanto, como eu mesmo o fazia quando enxergava, depois de cego tinha a certeza que éramos ignorados pela sociedade e algumas vezes, quando isso não acontecia, o que surgia não era o conhecimento propriamente dito a respeito de um cego, mas especulações e sentimentos incômodos. Sendo assim, nossa reclamação a respeito da ignorância e desprezo social era válida e dentro de parâmetros de realidade bem vividos por mim mesmo, como cego ou enxergando.
Sempre tive uma noção que isso também era devido a alguma falta de iniciativa do próprio segmento de cegos, que não lutava por uma melhor divulgação de nossa existência, possibilidades e realizações. Alguma divulgação individual, muitas vezes misturada com uma idéia de superdotação do cego em questão, aparecia. O fato é que o conjunto de acontecimentos individuais e coletivos mudou, aos poucos, a imagem geral dos deficientes no Brasil. Como disse, há 22 anos portador de cegueira, passei por várias iniciativas sociais de mudar essa situação.
A sociedade ainda está muito aquém de ter ciência do que sabemos de nós mesmos, do que podemos fazer, de quais seriam, realmente, os limites de nossas possibilidades. Mas seria ridículo querermos que as pessoas, em geral, soubessem, visto que muitos de nós também não o sabem. O caminho é longo e difícil.
Muitas vezes ficamos tristes e rancorosos com coisas consideradas como sendo "do século passado" como quando algum gerente de banco não nos deixa abrir conta em sua agência, exigindo um responsável, não nós, que a valide. Aí saímos de nosso anestesiado cotidiano de desigualdade para penetrarmos em nossa realidade social em sua parte mais cruel, criando frustrações grupais e particulares, retomando todas as nossas forças na certeza da "ignorância social".
Bem, isso é um círculo vicioso. Eu só o fui compreender com mais profundidade quando entrei em uma lista de discussão na Internet onde se encontravam pessoas portadoras das mais diversas deficiências.
Não só nós cegos, como surdos, paralisados cerebrais, paraplégicos, tetraplégicos, soropositivos, hanseníacos, com osteogênese imperfecta, distrofia muscular progressiva, esclerose múltipla etc. Aos poucos fui sentindo: "Que loucura, como sou ignorante com relação às outras deficiências, como sou sociedade!", Fiquei me xingando de "sociedade"! (risos).
A questão por inteiro é que, sendo sociedade e deficientes simultaneamente, como reclamar do que nós mesmos praticamos como sociedade?
Ignoramos nossos colegas "diferentes", diferentes de nossa deficiência e do comum social, e reclamamos de nos ignorarem em nossa deficiência específica.
Um exemplo disso em nosso meio virtual é em home page de colegas de determinadas deficiências onde só existem links de endereços daquela mesma deficiência, fechando-se em "guetos de conhecimento e divulgação". Podemos expandir esse exemplo para muitos outros e penso estar na hora de mudarmos. Caso contrário, ficaremos sempre sós sentindo-nos discriminados pela sociedade e, como sociedade, ignorando outras minorias como nós mesmos.
Precisamos observar o todo para saber como nos localizar e não nos posicionarmos a favor de uma suposta igualdade. Somos diferentes e, assumindo isso, temos de brigar pelo direito de uma diferença digna, respeitada e produtiva.
Abraços do colega cego, diabético e transplantado renal brasileiro.
Relato exposto no I Congresso Virtual da Réd de Integración Especial
Argentina, 1/11/2000 a 1/12/2000
www.redespecialweb.org.
Este texto tem de ser compreendido dentro de sua época, ano 2000.
Apesar de lentamente, a relação sociedade & pessoas com deficiência, tem estado diferente.
Note-se que, no início do texto, eu me expresso como "sociedade versus deficiência”.
Pessoas com deficiência têm dado as caras, se mostrado, lutado cada vez mais por uma sociedade inclusiva. Por sua vez, apesar de não estarmos diante de tal sociedade, as pessoas em geral têm entrado em contato, se solidarizado, as portas estão, aos poucos, e com muita luta de todos, se abrindo.
Acredito em novos tempos para o futuro social, econômico e político das pessoas como eu em nossa sociedade, como também na informação, derrubando barreiras mesmo entre nós mesmos.
MAQ - Fevereiro de 2006.
1 cleide - são paulo
oi, tudo bem?
fiquei muito enteressada no seu trabalho,estou desenvolvendo um trabalho na faculdade sobre a contribuição da informatica para deficientes visuais que irá ser o tema do meu tcc. gostaria muito que você me ajudasse com essa pesquisa enviando materiais. obrigada
16/03/2007 21:07:47
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