Dois Filhos de Francisco - 23/03/2006
O Sonho Brasileiro
Sempre falamos do “American Dream” quando abordamos o sonho da prosperidade. Esse termo pode ser pensado historicamente a partir de suas bases mais imediatas, relacionando-o a possibilidade de melhorar de vida, de ter um maior conforto material em nossas existências ou mesmo de enriquecer no contexto de uma economia capitalista que nos oferece “constantes” chances de crescimento.
Essa concepção histórica mais próxima no tempo, no que tange a prosperidade, vincula-se ao rápido desenvolvimento e acumulação de capital por parte de uma razoável quantidade de pessoas ao longo da história dos Estados Unidos no período posterior a sua independência (1776), principalmente no século XIX.
As bases de colonização diferenciadas dos demais países colonizados por europeus, a imensidão do território americano conquistado e ampliado ao longo do século XIX, as estruturas comerciais e produtivas inspiradas no modelo inglês, a agressividade e interesse dos governos norte-americanos em expandir as fronteiras e a economia são alguns dos fatores que motivaram a consolidação desse “american dream”.
Há, também, um outro sonho americano, anterior ao mencionado, e fugaz em suas perspectivas para o próprio continente. “Fazer a América” foi a expressão que caracterizava as expectativas e ilusões de muitos europeus que cruzaram o Atlântico em direção a América em busca das riquezas e terras desse novo eldorado.
Seja por influência dos sonhos norte-americanos em sua expansão capitalista ou das ilusões européias quanto às novas terras que estava a conquistar, os brasileiros também criaram a sua versão desse almejado desejo de independência financeira e enriquecimento. A busca do nosso povo “macunaíma” pelo sucesso profissional e sua conseqüente criação de fontes de riquezas perenes é tão antiga quanto o próprio país.
Existe, porém, uma diferença entre os acontecimentos do período colonial ou da época imperial com o que vivemos no período pós-proclamação da República. Se naqueles tempos de outrora prevaleciam títulos, posses de terras e escravos, parentescos ou proximidade com os nobres da corte, o advento e a consolidação do sistema republicano representaram a instauração de uma ordem capitalista plena em terras tupiniquins.
É claro que as relações de proximidade e/ou de sangue ainda influenciam (positiva ou negativamente), dentro do contexto republicano, na maior ou menor proximidade do povo brasileiro com a riqueza; no entanto, ganhar dinheiro se tornou possível a partir de iniciativas pessoais que aliassem talento, esperteza, boas idéias e/ou tino para os negócios. Num país em que um vendedor de canetas se tornou o dono do “baú” que contêm tantas e tão prósperas empresas, materializou-se o tal sonho brasileiro ao qual me refiro no título desse artigo.
O filme Dois Filhos de Francisco, do diretor Breno Silveira, grande sucesso de público e, surpreendentemente, também de crítica, nos coloca em contato com uma dessas fascinantes histórias de superação, dor, amarguras, erros, descaminhos e, é claro, de sucesso indiscutível. Pode-se gostar ou não da música de Zezé di Camargo e Luciano, mas não se pode negar que eles realmente chegaram lá e que, além disso, tudo o que conseguiram foi merecido.
Assim como, deve ficar claro que temos que superar as eventuais restrições ao gênero sertanejo romântico ao assistirmos o filme para que possamos entrar em contato com um outro Brasil, idílico (que parece não existir mais), interiorano e rural, dos migrantes que saem da roça e vão para a cidade em busca da realização e da felicidade. Assistir a Dois Filhos de Francisco foi, sem dúvida alguma, uma grande surpresa e satisfação para mim. Não percam!
O Filme
Francisco (Ângelo Antônio, em grande interpretação) é um agricultor simples do interior de Goiás que vê a família aumentar rapidamente com o passar dos anos. Vive de forma simples ao lado da esposa Helena (Dira Paes, muito à vontade no papel) e até mesmo idílica em uma pequena propriedade que lhe foi arrendada pelo sogro (Lima Duarte).
Sua maior paixão é a música. Por isso mesmo não se arrepende em nenhum momento de sacrificar os parcos recursos auferidos a partir da venda dos alimentos que produz na fazenda para comprar um rádio. Francisco também vê na música a possibilidade de dar a seus filhos uma vida muito mais promissora do que a que vivem, modestamente naquelas terrinhas.
Quando seus filhos começam a crescer ele imediatamente transforma o seu sonho no dos meninos mais velhos, Mirosmar (Dablio Moreira) e Emival (Marco Henrique). Dá um acordeom ao mais velho e um violão para o mais novo e os coloca em contato com a música em eventos locais, com artistas populares, ou através do rádio.
Motivados pela ação do pai, os meninos acabam aprendendo a tocar os instrumentos e começam a cantar. Tentam, então, alçar vôo numa carreira com investidas em rádios e festas regionais. Seu talento é reconhecido por um esperto empresário do ramo musical (José Dumont) que os leva para turnê em cidades maiores do estado de Goiás.
Nesse meio tempo a família já havia deixado o campo e migrado para a cidade em busca de melhores condições de vida. Encontraram a fome e o desamparo, o abandono e a melancolia. Entre idas e vindas vai se escrevendo toda a saga dos meninos cantores e as desilusões de uma vida errante em busca do sucesso.
Das dores e tragédias as alegrias e as vitórias dessa família de gente simples, de pé no chão, apresenta-se um pouco da vida de milhares e milhares de brasileiros que tentam a sorte grande no eldorado das metrópoles brasileiras desde os anos 1950 e 1960 até os dias de hoje. Um filme que apresenta a alma sertaneja e introduz o espectador a uma síntese do sonho brasileiro. Não deixe de assistir!
Aos Professores
1 - “Brasil, terra do futuro”. E que futuro é esse que parece não chegar nunca? O que será que entendemos como sendo o futuro dessa nação que parece sempre tão distante de se cristalizar e se concretizar? Os sonhos de Francisco e de sua família revelam que os brasileiros não estão dispostos a esperar de braços cruzados para efetivar a sua prosperidade. Nesse ínterim, como a escola pode colaborar para que as pessoas realmente melhorem de vida? O que os professores podem fazer para que um Brasil melhor se efetive desde já? O que é necessário para que a própria escola dos nossos sonhos aconteça? Que tal pensar a respeito disso e propor um fórum na sua escola em que se discutam alternativas junto à comunidade para gerar mais progresso e qualidade de vida para todos?
2 - A música brasileira é um das maiores e mais respeitadas referências culturais de nosso país. Somos criadores de letras e partituras que fazem sucesso dentro e fora de nosso país. Não podemos torcer o nariz para nenhum gênero, devemos tentar conhecer todos eles e fazer um importante exercício de seleção de músicas que ilustram a nossa realidade, que falam sobre o brasileiro e que esclareçam a identidade tupiniquim perante o mundo. Uma idéia interessante é realizar pesquisas sobre os diferentes gêneros musicais do Brasil (Bossa Nova, MPB, Rock, Rap, Sertanejo,...) e, ao mesmo tempo, estimular um concurso de bandas na escola. Pode ser um grande sucesso.
3 - Um interessante contraste entre a vida no campo e na cidade é apresentado no filme de Breno Silveira. Há, até hoje em nosso país, um grande preconceito em relação à vida na zona rural. Os habitantes dessa importante e rica porção de nosso país são chamados de caipiras e considerados até mesmo como sendo ignorantes quando comparados com seus “primos ricos” da cidade. Será que é realmente assim? Um projeto interessante nesse sentido seria levar os estudantes ao campo para conhecer o trabalho e as condições gerais de vida do mundo rural brasileiro. Será surpreendente para todos...
4 - A história de Zezé di Camargo e Luciano é apenas uma entre muitas de sucesso de pessoas humildes. Proponha aos alunos que façam levantamentos em revistas, jornais, Internet, televisão ou livros atrás de outros casos de superação e de consagração de brasileiros.
Sempre é bom conhecer as biografias de pessoas que conseguiram deixar para trás trajetórias que pareciam condená-las ao ostracismo e que, num determinado momento de suas vidas, viraram o jogo a seu favor.
Ficha Técnica
Os Dois Filhos de Francisco
País/Ano de produção: Brasil, 2005
Duração/Gênero: 132 min., Drama
Direção de Breno Silveira
Roteiro de Patrícia Andrade e Carolina Kotscho
Elenco: Ângelo Antônio, Dira Paes, Lima Duarte, Márcio Kierling,
Thiago Mendonça, Paloma Duarte, Dablio Moreira,
Marco Henrique, Wigor Lima, José Dumont.
Links
http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/dois-filhos-de-francisco/dois-filhos-de-francisco.asp
http://www.cinemaemcena.com.br/cinemacena/crit_editor_filme.asp?cod=2937
http://cinemaepipoca.blogspot.com/2006/01/2-filhos-de-francisco.html
1 Roger da silva - Campos dos Goytacazes Rj
Adorei seu comentario Márcia Teixeira Bonifácio.Vc do distrÃto de Mineiros?
07/02/2011 12:31:50
2 Márcia Teixeira Bonifácio - Campos dos Goytacazes - RJ
Amei este filme, assisti na faculdade e preciso da ajuda de vocês, pois, já pesquisei mas não consegui encontrar de maneira selecionada as VARIAÇÕES DIATÓPICAS (regionais) e DIASTRÁTICAS (idade, sexo, raça, tecnologica e social) na história do filme. Desde já agradeço.
30/03/2008 17:31:41
3 Nasson Pinto de Amorim - Maceió
Parabens, professor. Concordo plenamente com você. Pena que o governo não esteja nada interessado nisso. Como no filme "2 Filhos de Francisco" muitos brasileiros trilharam esse caminho, inclusive meus pais. Saí da grota, do cabo da enxada para a cátedra do Lyceu Alagoano e para a medicina sem qualquer tipo de ajuda do Estado.
05/05/2007 00:14:10
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