De Olho na História
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A bebida da razão - 01/02/2006
O café e a história do mundo contemporâneo

'

Imagem-de-café-em-grão-e-moedora

De acordo com o Manual Enciclopédico do Café, o Japão foi um dos países que mais resistiu à entrada dessa estimulante bebida entre seus hábitos regulares. Tradicionalmente adeptos dos chás (o chá verde é a bebida nacional japonesa há aproximadamente mil anos), foi apenas entre os séculos XIX e XX que o café conseguiu conquistar algum espaço entre os nipônicos.

O interessante é saber que depois disso os japoneses se afeiçoaram tanto pelo Coffea arábica (nome científico) e suas características que passaram a adotar a prática pouco comum de se deitarem entre grãos de café torrado por imaginarem que isso traz benefícios a saúde da pele.

Quando surgiu enquanto alimento, os frutos do café eram assados em gordura e comidos com açúcar. Foi apenas a partir da Idade Moderna, portanto do século XVI em diante, que surgiu a infusão dos grãos na região do Oriente Médio. Mais recente ainda é a utilização do café como fechamento de refeições, hábito tipicamente brasileiro repassado para o resto do mundo.

Para que o café possa se tornar a bebida que todos conhecem é necessário que passe por um processamento que lhe permita ficar seco, depois torrado e finalmente moído. Seu sabor final, diga-se de passagem, é definido pelo tempo de torragem. Além de ser encontrado em grãos e moído, o café também é disponibilizado em pó solúvel. Além de consumido de diferentes formas enquanto bebida, o café é muitas vezes utilizado como componente para a produção de sorvetes, tortas, bolos e doces.

Entre as diversas variações de café disponíveis no mundo para o consumo de seus fiéis bebedores podemos destacar o expresso, o colonial, o cappuccino, o brûlot, o vienense, o macchiato, o café com leite, o mocha, o hardy, o escocês, o irlandês, o procope ou ainda o turco (que também responde pelo nome de café grego).


Pessoas-trabalhando-com-cafe

Tendo surgido enquanto bebida com grande destaque no cenário mundial justamente no período em que efervesciam as idéias renascentistas, o café foi adotado pelos intelectuais e maiores pensadores do racionalismo e do iluminismo e continuou sendo popular entre as elites pensantes européias em períodos posteriores da história.

Não são poucos os depoimentos de ilustres escritores, políticos, filósofos, cientistas e artistas em favor do consumo do café em virtude de suas grandes qualidades. Honoré de Balzac, por exemplo, escreveu as seguintes linhas sobre o café: “O café cai-nos no estômago e há imediatamente uma comoção geral. As idéias começam a mover-se como os batalhões do Grande Exército no terreno onde a batalha ocorre. As coisas que recordamos surgem a todo o galope, de estandarte ao vento”.

As origens do café remontam ao continente africano sendo originário especificamente da Etiópia, da região de Kaffa. Os grãos consistem no fruto do cafeeiro, que pertence à família das rubiáceas e tem formato pequeno, arredondado e de cor vermelha. Existem registros de sua utilização desde a Pérsia do século VIII e sua migração para a Arábia, de onde ganhou o mundo depois de ter se aclimatado muito bem, data do século XV.

Ao chegar ao continente europeu foi visto inicialmente como um remédio em virtude de seu sabor forte e também do alto preço de mercado que possuía. Entre as qualidades terapêuticas atribuídas nesse período ao café eram listadas possibilidades tais quais o combate a náusea e a embriaguez, alívios a gota e a varíola, melhor fluxo da urina e ainda como estimulante. Há relatos curiosos de pessoas que afirmam terem combatido males como a impotência sexual, calos e até mesmo a cretinice...

Não foram apenas as possibilidades medicinais do café que o tornaram popular entre os europeus, são destacadas também qualidades como:- o café não é uma bebida alcoólica, por isso não causa constrangimentos e embaraços sociais devido à embriaguez; o café torna as pessoas mais lúcidas e dispostas por se tratar de um estimulante natural, o que permitia a seus consumidores maior energia para o dia de trabalho; além do fato do café ser produzido com água quente, que livrava as águas da sujeira e que diminuía a incidência de eventuais doenças. Essas eram também razões para tornar aquela bebida proveniente do mundo árabe em um grande sucesso de consumo na Europa da Modernidade.


Imagem-de-pessoas-carregando-sacos-de-cafe-sobre-a-cabecas

Antes de chegar ao Velho Continente, o caffé (em italiano) primeiro se tornou conhecido dos africanos e dos árabes. Na Etiópia, sua terra natal, era consumido como manteiga sob a forma de pasta. Tornou-se bebida na Arábia do Sul já que ajudava alguns povos locais a se manterem acordados para suas preces noturnas. No final da Idade Média, o café passou a ser oferecido em estabelecimentos do Cairo e de Meca, apesar das resistências dos grupos fundamentalistas islâmicos, que por suas qualidades estimulantes condenavam seu consumo.

Comercializado pelos turcos com as cidades italianas, entre as quais especial destaque para Veneza, o Kaffee (em alemão) foi ganhando terreno em outros países da Europa a partir de estabelecimentos em que as pessoas se sentiam confortáveis para reunir-se e conversar. Esses pontos de encontro tinham ambientes sofisticados e agradaram muito as camadas dominantes e ascendentes, como a nobreza e os burgueses.

O crescente consumo de café em terras européias durante os séculos XVII e principalmente XVIII motivou a ampliação das áreas de plantio, já que os árabes não conseguiam abastecer de forma satisfatória a crescente demanda. Isso fez com que os holandeses conseguissem alguns pés de café e os levassem para suas colônias orientais em Java e no Sri Lanka. Depois de algum tempo essas plantas foram também transplantadas para terras americanas controladas pelos batavos, como a Martinica, São Domingos e o Suriname. A França e a Inglaterra se mostraram igualmente dispostas a trabalhar com o café em virtude de suas grandes possibilidades comerciais e implementaram plantações na Guiana Francesa e na Jamaica.


Imagem-de-camponesa-bebendo-cafe

Foi, porém no Brasil, para onde o produto foi inicialmente trazido por Francisco de Mello Palheta, vindo da Guiné Francesa para o Pará, que o produto viria a se tornar universalmente popular e de grande consumo algum tempo depois.

A história do café no Brasil, a partir do século XVIII, é tão marcante para os rumos do país a partir de então que, de acordo com os economistas e historiadores, não seria possível conceber os avanços pelos quais passou essa nação sem os ricos rendimentos obtidos pelos barões do café. Foram os lucros provenientes dessa lavoura, intensificada a partir das décadas de 1830 e 1840 no estado de São Paulo, que permitiram o surgimento das estradas de ferro, o avanço da urbanização, a entrada de grandes levas de imigrantes europeus (italianos, alemães, espanhóis,...), o deslocamento do centro de poder político do Nordeste para o Sudeste e, até mesmo o refinamento dos modos e costumes brasileiros.

O paralelismo entre o Brasil e o café é tão grande que uma boa parte dos primeiros registros fotográficos feitos no país retrata a rotina das grandes fazendas de café paulistas.

A introdução do café, inicialmente no norte do Brasil, não deu os resultados esperados. Isso acarretou uma espera ligeiramente prolongada, de aproximadamente 90 anos, até que o produto viesse a ser produzido em escala crescente nas regiões aonde iria realmente reinar, ou seja, principalmente em São Paulo. Antes de entrar em terras paulistas foi feita uma incursão no Rio de Janeiro, onde a adaptação do Coffee (em inglês) não foi bem sucedida.

A influência do café no Brasil também pode ser medida pela relação traçada por vários historiadores e pesquisadores sobre sua influência nos rumos da abolição da escravatura ocorrida em 1888. A necessidade de mão de obra mais qualificada e estimulada para o trabalho teria motivado os barões do café de São Paulo a substituir progressivamente seus escravos pelos imigrantes europeus. Isso pode ser percebido até mesmo a partir dos dados relativos aos primeiros centros produtores de café, como o Vale do Paraíba fluminense, comparativamente as novas regiões de produção cafeeira, como o Oeste de São Paulo.

Imagem-de-varias-xicaras-de-café

Convém lembrar que, a partir do século XIX, os registros de consumo do café em termos mundiais destacam crescimentos vertiginosos. Para exemplificar podemos ver o caso da França que entre 1815 e 1938 teve o consumo do vinho dos árabes (como também ficou conhecido o café) multiplicado 24 vezes. Dados mais contemporâneos, como aqueles da Alemanha dos anos 1970, demonstram uma afeição cada vez maior pela bebida ao atestarem um crescimento de 352 litros no início da década para 455 litros por pessoa ao final daquele período.

O surgimento dos cafés como centros de consumo especializado nessa bebida na Europa também foram decisivos para a explosão de consumo do produto mundo afora. O requinte relacionado a esses estabelecimentos, o crescente fluxo mundial de viajantes (a turismo ou negócios) e também a variedade de novos produtos relacionados ao café agregados a esses mercadores sofisticados da bebida certamente auxiliaram no seu crescimento de vendas.

Nos dias de hoje calcula-se que de todo o café consumido mundialmente aproximadamente 95% sejam de duas espécies, o Coffea arábica e o Coffea robusta. Esse café é proveniente de plantações que existem em países como a Colômbia, a Costa Rica, a Arábia Saudita, a Índia, a Etiópia, Angola, Zaire, México e principalmente do Brasil, o maior produtor mundial.

O que se sabe, ao certo, é que hoje em dia é muito difícil ficar longe de um bom cafezinho a nos despertar os sentidos, inebriar a alma e acelerar os passos. Isso nos faz recordar um pronunciamento a respeito do café de um dos maiores personagens da história, o general e imperador da França no início do século XIX, Napoleão Bonaparte: “O café, forte e abundante, desperta-me. Dá-me calor, uma força invulgar, uma dor não sem prazer. Prefiro sofrer do que ser insensível”.

Avaliação deste Artigo: 3 estrelas
COMPARTILHE

DeliciusDelicius     DiggDigg     FacebookFacebook     GoogleGoogle     LinkedInLinkedIn     MySpaceMySpace     TwitterTwitter     Windows LiveWindows Live

AVALIE O ARTIGO





INDIQUE ESTE ARTIGO PARA UM AMIGO










12 COMENTÁRIOS

1 Glauciele Frazão - Natal
Gostei muito da materia,que passou as informações desde o ínicio que o café teve influência no mundo até hoje!Parabéns,bom texto mesmo!
16/08/2009 20:29:41


2 Lela - Conquista
Eu gostaria de saber quais são as relações de produçã no período de introdução e desenvolvimento da cafeicultura no Brasil....?!
23/07/2009 16:24:50


3 marcela - itacaréba
gostaria de saber sobre o café no mundo inteiro
09/06/2009 15:04:37


4 lucas - rj/RJ
muito em feito o site e as informacoes encontradas em tal, obrigado, pos vc me ajudou muito na minha pesquisa escolar
24/03/2009 20:19:22


5 Maria João Oliveira - Coimbra Portugal
Olá. Um trabalho conciso e bem feito. Gostei muito. Parabéns M. João
18/01/2009 12:06:08


6 Sara Nascimento Santos - Brasília.
gostei muito!ajudou no meu trabalho!!
01/08/2008 20:23:57


7 Fernanda - Jacareí
Por favor... quero saber de que maneira a produçao de café auxiliou a industrializaçao brasileira.. e qual o papel do imigrante europeu nesse processo!!!
22/07/2008 09:22:09


8 jucicleide pereira - petrolina
além de ser muito gostosso comtribui muito pra economia brasileira é sem falar q com a decnologia fem gerando empregos figo muito feliz com a criatividade do homem em criar em transformar parabéms
09/04/2008 08:30:51


9 Alessandra Cristino - Itu/Sp
Boa Noite, sou aluna do curso Técnico em Museu da cidade de Itu/SP, gostaria de parabeniza-lo sobre o artigo, pois esta ajudando muito para o tabalho de conclusão de curso , que eu e o meu grupo estamos montando, gostaria de saber mais sober a influência do café nas cidades de Itu e São Paulo. Estamos montando o Musue do café, com tendência mais para o interior. Desde já agradeço pela ajuda. Alessandra
02/10/2007 00:00:34


10 Carlota - Buenos Aires
Em primeiro lugar boa tarde! seria bom se neste site estivesse falando mais coisas,gostaria de parabenizalos pelo site e as informações qu podemos encontrae nele!Camille Pissarro foi um ótimo homem e gosto muito dele!
25/06/2007 17:20:36


11 Julio Cesar Gallo - Jaguariuna
Bom dia... Primeiramente gostaria de parabeniza-lo sobre o artigo acima que ilustra muito bem a trajetoria desse produto. Por fim gostaria de saber um pouco mais sobre as tendencias de mercado do cafe, ou seja, desde consumido com manteiga como vimos acima, até de que maneira hoje em dia é possivel consumir-mos o cafe. Desde já agradeço a atenção dispensada.... Sem mais..... Julio Gallo.
06/05/2007 08:34:49


12 Carolina Pinheiro Gorito Moraes - Paraíba do Sul
Eu queria saber sobre a influência do café na industrialização brasileira, por favor você pode procurar em enciclopédias?
24/04/2007 09:24:47


ENVIE SEU COMENTÁRIO

Preencha todos os dados abaixo e clique em Enviar comentário.



(seu e-mail não será divulgado)


Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.