Saboreando a Cultura - 07/11/2005
Com água na boca e saudades de casa...
Estive participando de um evento que considero da mais alta relevância para a cultura nacional, um seminário sobre gastronomia regional. Reunidos em Tremembé, município vizinho (praticamente colado) de Taubaté, no Vale do Paraíba paulista, estávamos mobilizados em mesas em que se discutia a pertinência do tema, a necessidade do resgate histórico, as possibilidades da região valeparaibana no tocante a tal assunto, eventuais parcerias entre setores públicos e privados e, principalmente, a premência de conscientização da população quanto à riqueza da gastronomia de uma localidade específica.
Tive a incumbência, como professor de História da Gastronomia no Centro Universitário Senac de Campos do Jordão, em parceria com a professora Olga Rodrigues Nunes de Souza, professora e pesquisadora em história da Universidade de Taubaté (Unitau), de abrir os trabalhos apresentando e discutindo as relações entre a Gastronomia, a História e a Cultura.
Mediados pelas competentes palavras da professora e paleógrafa Lia Carolina Prado Alves Mariotto, da Divisão de Museus, Patrimônio e Arquivo Histórico de Taubaté, pudemos falar sobre os caminhos trilhados pelos alimentos em sua história valeparaibana. De alimentos e utensílios a influências étnicas, passando por sugestões de literatura e receitas tradicionais, abordando as mudanças ocorridas ao longo dos séculos e atingindo até a necessidade de preservação desses hábitos e costumes nos dias de hoje, procuramos esclarecer os presentes da riqueza desse importante acervo cultural legado pelas gerações que estruturaram a vida em nossa região.
Respaldado pela rica experiência de trabalhar com essa temática nos últimos três anos e meio no curso de graduação de tecnólogos em Gastronomia alertei os presentes para a necessidade de entusiasmarmos os nossos jovens pelos sabores próprios de nossa terra. Os alunos com os quais trabalho demonstram alguma curiosidade sobre o tema, alguns até se aventuram a tentar descobrir um pouco mais, no entanto, a maioria ainda se sente mais tentada a investir tempo, dinheiro, formação e carreira em escolas gastronômicas européias ou asiáticas...
O gostoso e tradicional bolo de fubá é mais do que simplesmente uma iguaria,
trata-se de uma rica parte do acervo cultural gastronômico do interior de São Paulo.
Somos ricos pelas receitas que estão depositadas em gavetas e baús querendo ser descobertas pelas mãos hábeis e criativas de uma nova geração de historiadores, gastrônomos e sociólogos. O problema é que nosso olhar está mais voltado para o mundo, motivado pela globalização, respondendo aos anseios de um mercado comandado por multinacionais até mesmo no setor de alimentação.
Nossos hábitos foram sendo alterados silenciosamente ao longo das três ou quatro últimas décadas sem que percebêssemos. Hoje é pouco comum que um jovem da região valeparaibana conheça ou tenha experimentado uma iguaria como o Bolinho da Prima (ou de quermesse), típico de Caçapava, a farofa de Içá ou ainda a Taiada. Esses são apenas exemplos de iguarias típicas do município onde vivo e do qual sou procedente. Há muitas e muitas outras receitas em Tremembé, Taubaté, Campos do Jordão, Santo Antônio do Pinhal, São José dos Campos e demais cidades da região esperando olhos atentos que as recuperem e as imortalizem...
Enquanto qualquer uma dessas receitas vai desaparecendo já que não são pesquisadas, registradas e preservadas a partir da ação das novas gerações, hambúrgueres, pizzas e cachorros-quentes provocam obesidade, problemas cardíacos, entupimento de veias e ajudam ainda a apagar a memória de nosso povo, de nossas comunidades interioranas...
Desde a segunda metade do século XIX, em alguns países europeus como a França e a Itália, dá-se a devida importância para a preservação e estimulação dos hábitos gastronômicos regionais. Sabe-se que esse fator é de vital importância para a dinamização dos setores de turismo e hotelaria (diga-se de passagem, que a recente criação de uma Secretaria de Turismo pelo governo do estado de São Paulo e a presença do sr. Vanilson Fickert Graciose em Tremembé demonstram a preocupação paulista em valorizar iniciativas nesse setor).
A canjiquinha é outro delicioso acepipe que remonta aos tempos
de nossos avós.
Muito mais saboroso, nutritivo e encorpado que
qualquer
hambúrguer ou cachorro-quente que possamos comer...
Resgatar as tradições é apenas o primeiro e primordial passo a ser dado por parcerias entre o setor público e o privado em busca da consolidação da gastronomia regional. Pesquisas poderiam trazer a tona receitas e pratos originais que iriam encantar visitantes de outras partes do Brasil e do mundo que aqui viessem. As tradições existem, falta apenas trabalhá-las a partir dessas eventuais e necessárias parcerias e pesquisas.
Num segundo momento caberiam orientações de pesquisadores e estudiosos do setor quanto à organização de eventos e estabelecimentos gastronômicos especializados nessas variedades regionais. Há uma crescente demanda, verificada em eventos como o Revelando São Paulo, um festival devotado a Cultura Paulista Tradicional, que vem sendo realizado há dez anos, onde se percebe a curiosidade e a disposição de aprender e degustar os tradicionais sabores das diferentes regiões de nosso estado, inclusive do Vale do Paraíba.
Algumas das pessoas que participaram do evento em Tremembé e que estiveram envolvidas em edições do Revelando São Paulo confirmaram essa procura por pratos regionais do interior de São Paulo pelos paulistanos e também pelos demais visitantes do Festival. De acordo com seus depoimentos, a maior de todas as preocupações dos expositores da gastronomia regional é não poder oferecer aos prováveis visitantes de seus municípios opções de restaurantes em que possam encontrar os saborosos acepipes de suas cidades.
A história, contada através das edificações clássicas da arquitetura colonial, desvendada através dos “causos” relatados ao redor de uma aconchegante fogueira ao ar livre ou na proximidade de uma iluminada lareira, no desfrute de uma bela paisagem natural, realçada pelos sabores da deliciosa comida preparada em panela de ferro e no fogão de lenha podem ser verdadeiramente estimulantes para muitos e muitos turistas.
A comida quente, no fogão de lenha, preparada em panela de ferro embala
os
sonhos de quem dela se nutre. Traz a memória o frescor de outros tempos,
pede uma nova visita, resgata as saudades da casa de nossas avós e mães...
Tudo isso pode gerar empregos, movimentar a economia local, mobilizar empresas, motivar a pesquisa e os estudos regionais, preservar a cultura e dar muito mais vida para as cidades.
Preparar a população, através do estímulo a novas iniciativas e treinamento de mão de obra para atender essa demanda crescente, também é passo importante. Ter diferenciais e oferecê-los aos visitantes embalados de forma simples ou sofisticada, mas entregue com um pungente sorriso nos lábios, pode fazer a diferença em favor de sua cidade. Isso pode acontecer no Vale do Paraíba ou em qualquer outra região do país. Como foi dito no Seminário, as cidades mineiras deram a largada ao oferecer em suas mesas uma comida inesquecível, servida com calor humano e simpatia que convidam o visitante a voltar, muitas e muitas vezes...
Como também foi dito no evento, as Minas Gerais nasceram dos esforços dos bandeirantes e tropeiros paulistas e de migrantes que vieram das mais distantes regiões brasileiras. A herança gastronômica mineira tem um tempero caipira e valeparaibano que não podemos desprezar ou esquecer. Esse sabor que dá saudades de casa e muita água na boca pode e deve ser o ponto de partida para inúmeras iniciativas no setor...
Obs. Parabéns a Prefeitura Municipal de Tremembé e ao Secretário Municipal de Turismo, Cultura e Esportes, Sr. Eduardo Souza e Guimarães e a organizadora do evento, Solange Cristina Barbosa, pela bela iniciativa no setor de gastronomia regional.
1 Fatima Assaf Vieira - CuiabáMT
Já tinha lido esta materia a algum tempo, mas só agora venho fazer um comentário. O texto e o trabalho é maravilhoso e veio ao encontro de tudo que penso. Estou tentando resgatar as receitas antigas e as nodificadas através dos anos , dos bolos genuinamente brasileiros, os que realmente nasceram em nossa terra. Tenho consultado uma gasta bibliografia, mas ainda me faltam muitos dados, para isso gostaria de entrar em contato com o professor João Luis Almeida. Vocês poderiam me fornecer o email, ou o telefone para entrar em contato.
Cordialmente,
fátima
24/01/2011 18:57:08
2 Paula Antunes - Sao Paulo
Oi , adorei seu blog, tenho panelas de ferro da LeCreuset e da Staub mas eu gosto mesmo são dessas da fumil. Comprei de uma loja de Minas que tem preços muito bons e vale a dica o endereço é www.apaneladeferro.com.br . Bjos e parabens
10/01/2011 22:09:54
3 Bárbara - João Pessoa
A matéria escrita acima, me ajudou bastante na feira de ciencias da minha escola.Pois consegui entender melhor tudo o que foi explicado acima !!
OBRIGADO D
22/11/2008 22:39:05
4 Gabriel - São Paulo
Muito interessante o artigo. Com uma vibe parecida, eu quis restaurar minha panela de ferro há algum tempo. Para quem quiser dicas, tem o post abaixo onde um amigo explica o processo
http://guruautodidata.blogspot.com/2006/12/como-restaurar-pea-de-ferro-fundido.html
07/04/2007 00:48:47
5 Beatriz Aguirre - São Paulo
Bom Dia,
Estou realizano um trabalho sobre a arte imaterial, focada em alimentos regionais.
Gostaria de receber mais informações de vocês e de saber como posso entrar em contato com o Professor João Luis Almeida.
Obrigada,
Beatriz
21/03/2007 11:36:38
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