Diário de Classe
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Viaje e aprenda com cartões postais - 28/09/2005
Construindo o conhecimento com recursos e formatos variados

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Quadros-de-paisagens

Eu tinha em mãos um caderno especial de um jornal de grande circulação que trabalhava com propriedade e coerência o tema que pretendia discutir com meus alunos. Nesse suplemento estavam disponíveis vários textos, imagens, gráficos, tabelas e referências para aprofundamento. Entre os materiais sugeridos constava um dos livros fundamentais dentro da bibliografia do curso em que estávamos trabalhando. Como utilizar esse material de forma criativa e motivar os estudantes a ler todos os artigos ali disponibilizados?

Pensei na hipótese de simplesmente pedir a leitura para a próxima aula e a partir disso iniciar uma discussão. Achei que não daria certo pelo fato de termos apenas uma semana, outras aulas (de diferentes disciplinas) entre o pedido da leitura e nosso próximo encontro, a resistência dos alunos as necessárias e fundamentais leituras de aprofundamento e ainda a proximidade do ciclo de avaliações finais do bimestre como justificativas que seriam utilizadas para explicar os motivos pelos quais tal leitura não teria sido feita.

Imaginei então que por se tratar de um jornal poderíamos pedir a produção de um outro noticioso em que as informações mais importantes fossem sintetizadas e constituíssem uma versão mais enxuta, no estilo dos clippings oferecidos pela Internet a executivos em busca de informação rápida para orientar suas atividades diárias.

Rejeitei a idéia por imaginar que os clippings acabariam enxugando demais as informações pesquisadas e reduzindo o alcance e impacto da produção final dos alunos. Sabia que seria necessário criar um formato que resumisse o conteúdo e levasse os estudantes a separar o joio do trigo entre todos aqueles dados que estavam sendo apresentados naquele suplemento do jornal.

Caderno-da-Folha-de-Sao-Paulo-e-Estadao
Diferentes cadernos e suplementos publicados em jornais como a Folha de São Paulo
ou o Estadão fornecem informação atualizada, discutida por especialistas e redigida
por seleto grupo de jornalistas. Esse material tem que sempre ser pesquisado pelos
professores para se tornar subsídio às aulas e projetos.

Imaginava que também seria importante provocá-los a escrever dentro de uma informalidade que quebrasse a estrutura mais rígida de um texto jornalístico ou tão fria e objetiva como aquela verificada em clippings.

Queria adicionar à produção final dos alunos a necessidade da arte. Penso que temos que aproveitar as linguagens variadas criadas pelo homem para expressar idéias, conceitos, sentimentos, objetivos e ações, por isso mesmo advogo constantemente a prática de utilização regular da música, do cinema, da pintura, da dramatização, da dança, da escultura e da literatura como suportes e referências fundamentais.

Temos que ir além dos muros da escola, quebrar as paredes das salas de aula, permitir que nossos alunos conheçam o mundo ao nosso redor. Isso significa pedir-lhes que façam visitas, entrevistas, excursões e que entrem em contato com o mundo das idéias, da cultura, das produções clássicas,...

Nossas bibliotecas deveriam ser muito mais visitadas e teriam que contar com recursos ricos e diversos como CDs, fitas de vídeo, DVDs, dicionários, enciclopédias, livros de poesia, revistas em quadrinhos, reproduções de obras de arte de grandes pintores, espaço para conversas com autores e também para dramatizações,... Deixariam de ser simplesmente bibliotecas, se tornariam centros de cultura e poderiam semear muitas e muitas sementes em favor da educação.

Duas-obras-de-Rugendas-e-Portinari
Rugendas e Portinari são dois bons exemplos de artistas que retrataram o
cotidiano de nosso país e que poderiam contribuir para uma melhor compreensão
de nossa cultura e de nossa história num projeto como o dos cartões postais.

Mas, voltando a nossa aula com o caderno especial de um jornal de grande circulação...

Vieram-me a cabeça os bons e velhos cartões postais e a idéia de viajantes que relatam em suas próprias palavras aquilo que viveram, viram, sentiram e aprenderam no contato com diferentes realidades. Pensei que a possibilidade de reunir imagens selecionadas com textos manuscritos nesse formato específico seria um diferencial e também um desafio inédito para aquele grupo de alunos.

Para escrever seus textos eles teriam que utilizar os dados do suplemento do jornal como subsídio. Nesse esforço haveria a necessidade de ler integralmente o conteúdo de cada um dos artigos, reunir os textos que tivessem assuntos afins, selecionar as informações mais pertinentes e importantes e, ainda, adaptar o conteúdo para colocar no restrito espaço de um cartão postal que tivesse apenas 15 cm de largura e 12 de altura.

Para tornar o trabalho ainda mais instigante resolvi dividir a turma em grupos com 3 alunos. Eles teriam que debater as informações dos artigos e entrar em consenso quanto a que conteúdo seria reaproveitado nos cartões e também a linguagem adequada para escrever tais dados no cartão para que ficasse semelhante a cartões postais verdadeiros.

Como a temática que estávamos trabalhando era a História, eles se tornariam viajantes do tempo, passando por diferentes localidades do Brasil entre os séculos XVI e XX para dar suas “impressões” a respeito da alimentação nacional e as influências pelas quais passou nos últimos 500 anos.

Desenho-de-pessoas-trabalhando-juntas
Trabalhos em pequenos grupos exigem organização, divisão de responsabilidades e
tarefas, concatenação dos esforços, conhecimento global dos trabalhos em produção,
orientação adequada dos professores e uma constante supervisão dos trabalhos pelos
próprios estudantes e também pelo professor.

Os cartões postais teriam que ser compostos com imagens históricas, de épocas distintas, de preferência produzidas por pintores e desenhistas de grande expressão. Isso os levaria a uma pesquisa sobre arte e acabaria conduzindo-os a artistas do porte de Franz Post, Rugendas, Jean Baptiste-Debret, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Almeida Jr., Cândido Portinari e tantos outros de grande destaque no cenário brasileiro.

Apesar de utilizar a estratégia para história penso que a mesma pode ser facilmente transposta e adaptada para qualquer outro ramo do conhecimento. Na geografia, por exemplo, poderíamos trabalhar com paisagens naturais ou com a urbanidade; em inglês daria para produzir postais em que se abordassem diferentes países e sotaques dessa importante língua; em matemática seria possível falar em termos de custos de viagens e cálculos de despesas e conversões em países tão díspares como o Japão, a Arábia Saudita ou o México. Seria possível pensar em alternativas também para a biologia, a física, o português,...

A produção final dos alunos teria que se assemelhar a autênticos cartões postais, por esse motivo eles teriam que fazer um levantamento sobre esse formato no que tange a material em que são normalmente produzidos, como podem ser disponibilizadas as imagens, as informações que vem atrás do cartão (espaço para dados do remetente e para os selos) e também realizar o preenchimento das informações sobre a “viagem” de modo informal e manuscrito.

Ainda no início da explicação sobre o projeto, quando nem todas as informações haviam sido divulgadas e explicadas alguns estudantes chegaram a comentar que se tratava de um trabalho de simples realização. Depois de todos os esclarecimentos eles perceberam que iriam ter um bom trabalho pela frente e que isso exigiria deles bastante atenção e empenho.

A intenção final é a de que se realizem leituras compenetradas, discussão de informações, seleção e releitura de dados, criação de uma nova apresentação do conhecimento em discussão, apropriação de conteúdos, pesquisas complementares e, ao findar de tudo isso, uma maior compreensão dos temas discutidos.

Além disso, a interseção entre diferentes recursos culturais como os jornais, a Internet, os livros, a arte e também a própria noção de confecção ou construção do conhecimento de forma artesanal são ingredientes muito eficientes para a educação. Precisa falar mais? Quem sabe através dos cartões postais produzidos pelos alunos possamos dar melhores respostas e esclarecimentos...

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4 COMENTÁRIOS

1 Helena de Souza - Volta Redonda. RJ
Estava procurando argumentos para trabalhara com meus alunos através de cartões postais Artes, e encontrei esta página. Gostei muito, me fez pensar em coisas que faltava para estimular meus alunos. Meu foco será os monumentos históricos entre cidades diferentes, um intercâmbio cultural através das imagens encontradas em cartões postais. Abraços, obrigada pela luz.
10/08/2011 17:06:47


2 Bate ! .o/ .o / . /\ ./\.. /\ Peitinho! .o \o /‾.\ ./\ /\ - fortaleza
Achei o artigo riquíssimo, muito interessante. também sou professora e gosto de trabalhar nessa linha. A criação dos alunos é extremamente importante para um bom desempenho escolar e para sua vida. Parabéns pelo seu trabalho
19/10/2009 15:02:53


3 sandrinha - caruaru
ola esse site faz a gente conhecer novas coisas....
19/10/2009 15:01:37


4 Cleide Bezerra de melo -
Achei o artigo riquíssimo, muito interessante. também sou professora e gosto de trabalhar nessa linha. A criação dos alunos é extremamente importante para um bom desempenho escolar e para sua vida. Parabéns pelo seu trabalho!
14/11/2007 02:03:05


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