A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A fábula da desonestidade - 26/09/2005
Num reino não tão distante assim...

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Era uma vez um país onde ser honesto não era um bom negócio. Honestidade havia se tornado sinônimo de estupidez enquanto malandragem, sem-vergonhice e falta de ética (entre tantos outros desvios de comportamento) representavam a idéia de esperteza e a certeza de progresso pessoal e profissional. Para ocupar cargos de importância ou ter dinheiro no bolso não era importante ter competência e qualificação, estudo e aperfeiçoamento. O que bastava era conhecer outras pessoas importantes e se “relacionar” muito bem com elas...

O rei desse país parecia viver numa esfera distante dessa realidade. Eram constantes as viagens que fazia para terras vizinhas ou longínquas. Em sua opinião os problemas vividos no país poderiam ser resolvidos com grande facilidade desde que se nomeassem os culpados. Desvios de dinheiro público para o bolso de particulares não constituíam dificuldades políticas desde que belos discursos sobre fartura, emprego e obras fossem capazes de desviar a atenção do povo simples e humilde, de baixa instrução e muita fé.

Acreditava-se que as falcatruas não eram cometidas pela autoridade máxima do país. Imaginava-se que tudo era fruto da ação desmedida e irresponsável do primeiro-ministro, de seus secretários e das bases de apoio político que formavam uma coalizão em favor do “desenvolvimento” nacional.

O povo que parecia assistir a tudo bestializado, nos dizeres de alguns cronistas locais, estava informado dos deslizes e fazia crer que apesar de pouco instruído poderia virar o jogo em pouco tempo. Trabalhadores organizados em grupos, comerciantes e empreendedores fabris, estudantes, profissionais liberais e religiosos das alas mais críticas se organizavam em passeatas, abaixo-assinados, referendos e até mesmo em ações investigativas para provar os descalabros do poder.

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A manifestação pública de nosso descontentamento e insatisfação com os
desmandos e desvios da política representam uma opção legítima e democrática
de expressão da ilegitimidade dos atos apurados pela imprensa e pela justiça em
questões como o Mensalão, o Mensalinho e até mesmo a corrupção no futebol.

As reações populares pretendiam o afastamento de corruptos e corruptores, o saneamento das contas públicas, a devolução dos valores saqueados do erário nacional, o investimento do dinheiro roubado em ações de caráter social e comunitário e a prisão de todos os envolvidos.

Os responsáveis pelos desmandos utilizaram de todos os artifícios possíveis e imagináveis para se livrarem das eventuais acusações. Alguns chegaram mesmo a renunciar a cargos e mandatos para demonstrar que não tinham apego a posições de destaque e comando político ou a polpudos pagamentos. Por trás dessas atitudes escondiam as intenções de voltar em curto espaço de tempo...

Imaginava-se que o povo tinha memória curta e que em breve não se lembraria mais dos artífices dos esquemas de corrupção e desvio de verbas públicas.

O que ninguém havia percebido é que depois de anos e anos sob a nefasta influência de exemplos que denegriam a história da nação havia surgido um país empobrecido, injusto e muito desigual. No topo da pirâmide social destacavam-se alguns milhares de bem-aventurados destinados a todos os confortos que o dinheiro e o poder permitem. Na base dessa estrutura social podiam ser vistas as pessoas que passavam fome, não tinham instrução, viviam das migalhas que lhes eram repassadas pela sociedade e que já não possuíam aspirações e sonhos.

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As injustiças sociais e a péssima distribuição de renda são também resultantes
da corrupção que existe em nosso país. Verbas desviadas para bolsos de corruptos
deixam de ser aplicadas em educação, saúde, saneamento, habitação, estradas, cultura,...

Roubar e enganar passaram a ser vistos como caminhos naturais e indispensáveis para poder acessar o poder e a distinção. Para quem pretendia levar vantagem em tudo era necessário ultrapassar os limites da dignidade humana e chegar ao fundo do poço da decência. Ética, responsabilidade social, compromisso comunitário, cidadania, transparência, verdade e honestidade deixaram de ser palavras reconhecidas. Por decreto elas chegaram mesmo a ser banidas dos dicionários e da gramática local...

Reuniões que acomodavam partidários dessas palavras, de seus significados, de planos de reativação das mesmas que viessem a redundar em práticas renovadoras e restauradoras de uma sociedade equilibrada e reconhecidamente lícita eram invadidas pelas truculentas forças policiais que desbaratavam esses terroristas e empastelavam suas gráficas clandestinas e instalações provisórias de envio de mensagens pela Internet, pelo rádio ou pela televisão.

O pior de tudo se verificou quando a hipocrisia, o cinismo e a desonestidade ultrapassaram os limites da política e atingiram também outros setores sociais. De repente não dava mais para acreditar em ninguém. Nem mesmo os juízes das partidas esportivas daquele país tinham credibilidade. Descobriu-se um esquema em que eles eram contratados para mudar os resultados dos jogos para ganhar dinheiro em bolsas de apostas...

Autoridades judiciárias, policiais, advogados, médicos, professores, engenheiros, funcionários públicos e até mesmo garçons só prestavam seus serviços com alguma disposição se lhes fosse adiantada alguma propina, um dinheirinho extra que permitisse novos luxos, mais riqueza.

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O imobilismo, os conchavos e articulações para salvaguardar políticos e a impunidade
constituem impedimentos ao restabelecimento da decência, da ética e da dignidade na
política nacional. Precisamos combater a corrupção antes que ela se institucionalize
e deixe apenas de ser ironizada como na imagem acima...

O pior havia acontecido ao se notar que nas escolas as crianças começaram a trapacear em seus jogos. Figurinhas, bolinhas de gude, bonecas e singelas amarelinhas eram ganhas a partir de extorsão, truculência e malandragem. Os pais e professores começaram a ensinar que no jogo da vida os vencedores eram sempre aqueles que dominavam a arte da enganação, do puxa-saquismo ou que tinham a força, as “melhores” amizades e o dinheiro ao seu lado.

Poucos eram os sonhadores que se atreviam ainda a acreditar que tudo poderia ser reconstruído. Eles pensavam na hipótese de uma nova Arca de Noé em que seriam embarcados apenas aqueles que ainda entendiam o sentido da justiça, da dignidade, da ética e da decência. Sonhavam com um novo dilúvio ou ainda com Sodoma e Gomorra aplicadas aos novos pecadores...

A promessa do rei, de cortar a própria carne se fosse necessário para manter a ordem e recuperar a credibilidade e o prestígio não se concretizava. Impunes, os homens que haviam corrompido o sistema pareciam rir de tudo, às escondidas, em seus banquetes e festas.

Um incontestável cheiro de pizza pairava no ar. Ninguém parecia se iludir com a possibilidade de que os responsáveis pela corrupção seriam punidos. Muitos deles falavam abertamente que retornariam em breve e que ainda continuariam sendo chamados de doutores.

Grandes painéis, jingles musicais, propagandas na televisão e campanhas veiculadas em jornais e revistas faziam as pessoas acreditarem que a situação não era tão ruim assim. No governo a crença era a de que uma mentira repetida milhares de vezes ganhava status de verdade e que dessa forma as pessoas logo se acomodariam. Seria necessário apenas aumentar alguns salários, comprar algumas almas, distribuir mais pão e aplicar novas verbas em publicidade que tudo voltaria a velha normalidade...

E para onde vamos? O que podemos fazer? De que formas iremos combater a impunidade e punir corruptos e corruptores?

Essa é apenas mais uma mensagem elaborada por uma pequena oposição que tenta chegar ao ar através das rádios e webs clandestinas antes que a censura e o empastelamento cheguem...

Obs. Não advogo partidarismos; Não penso em derrubar governos ou pessoas; Sonho apenas com justiça, bom-senso, equilíbrio, ética e dignidade. Penso no futuro, nas crianças, no amanhã de nosso país. Quero acreditar que tudo pode ser muito melhor. Imagino que isso só possa acontecer se manifestarmos nossa indignação e descontentamento; mais que isso, só acredito em mudanças se agirmos em função das mesmas desde o nosso cotidiano até atingir as grandes transformações...

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1 COMENTÁRIOS

1 LEONARDO BORGES - Brasilia
Fantástico!! Adorei o texto. Uma pena que esse país exista e que esse povo persista em nada fazer. Parabéns, Professor!
27/08/2012 13:13:23


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