A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Biloxi Blues - 05/09/2005
Os Estados Unidos devastado pelo Katrina

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Carnaval-de-Nova-Orleans
O Mardi Gras ou Carnaval de Nova Orleans é uma das mais tradicionais
demonstrações da riqueza e diversidade cultural daquela região dos Estados
Unidos tristemente devastada pela passagem do furacão Katrina.

O estado norte-americano do Mississipi é um pólo de turismo naquele país em virtude da grande diversidade étnica e cultural que permitiu o surgimento de uma das maiores expressões culturais daquele país, o Jazz. Não foi somente o Jazz que por ali floresceu, muitas outras importantes matrizes culturais dos Estados Unidos devem a sua existência a rica, variada e pungente influência de negros africanos e europeus de variadas procedências (como os próprios ingleses, os franceses e os alemães) que se estabeleceram entre o Mississipi e a Louisiana.

Além do Jazz podemos destacar o Blues, a culinária canjun e creole e o carnaval de Nova Orleans.

A última semana foi, no entanto, tão trágica quanto as mais dramáticas e sofridas histórias choradas através das memoráveis músicas do estilo blues compostas naquela localidade. Um furacão, o Katrina, provocou uma devastação comparável a de uma guerra de proporções dantescas.

Blues-e-Jazz
O Blues e o Jazz celebrizaram os clubes e bares noturnos do Mississipi e da Louisiana
e ganharam o mundo para se tornar inspiração até mesmo para a Bossa Nova brasileira.
Músicas de alma negra, improvisos, ritmos inspiradores e cadências inigualáveis, tanto o Jazz
quanto o Blues fazem de Nova Orleans um dos mais visitados destinos dos Estados Unidos.

O que se podia ver através das imagens que ganharam o mundo pelas redes de televisão, na Internet ou nos jornais e revistas de informação era um cenário que fazia a mais rica nação do mundo ficar muito parecida com os atrasados países africanos ou ainda com o devastado Haiti, na vizinha América Central.

Casas que se tornaram pilhas e pilhas de escombros, carros tombados, árvores caídas no meio das ruas, água por todos os lados, pontes e viadutos destroçados pela incrível força da natureza e a vida dos habitantes daquela região passou da normalidade ao caos em poucas horas.

Sem ter onde se abrigar, não contando com energia elétrica, necessitados de alimentos, vendo os parcos estoques de água potável se esgotando rapidamente, precisando de remédios para os idosos e doentes e sem qualquer possibilidade de higiene, uma multidão de desabrigados foi aconselhada pelas autoridades municipais de cidades locais como Nova Orleans e Biloxi a procurar abrigo em escolas, ginásios esportivos ou ainda nos poucos prédios públicos que não desabaram em virtude dos potentes ventos que abateram a região.

Desesperados, os norte-americanos ficaram a espera de ajuda governamental, mais precisamente do governo federal dos Estados Unidos. Para piorar ainda mais a situação, saqueadores e estupradores resolveram entrar em ação para aproveitar a desestruturação promovida pelo furacão e começaram a invadir lojas, restaurantes, shopping Centers, prédios de apartamentos, hotéis e residências em busca de objetos de valor deixados para trás pelos moradores.

Biloxi-cidade-norte-americana
Biloxi, cidade norte-americana do estado do Mississipi, arrasada pelo furacão Katrina,
tem como principal atividade econômica o turismo caracterizado pelos grandes hotéis com cassinos.

A ausência de policiais nas ruas e a grande demora no envio de tropas federais para as cidades devastadas pelo Katrina fizeram essa região dos Estados Unidos viver uma semana que os aproximou das devastadas áreas por eles invadidas no Afeganistão e no Iraque.

Os extremistas árabes chegaram mesmo a considerar o acidente natural promovido pelo furacão como uma clara demonstração da ira divina de Alá contra os Estados Unidos. O Katrina não era parte da milícia comandada por Osama Bin Laden mas passou a ser considerado como tal por radicais islâmicos interessados em assistir o mais rapidamente possível à queda de seu maior inimigo no mundo contemporâneo.

Enquanto tudo isso acontecia, o atual presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, no exercício de seu segundo mandato, dizia tomar as necessárias providências para que a ordem pudesse se restabelecer na região o quanto antes. De acordo com a Casa Branca o exército já estava a caminho e iria combater os excessos dos marginais que roubavam os desesperançados habitantes da Louisiana e do Mississipi.

Além disso, caberia aos militares a tarefa de prover com água, alimentos, cobertores, remédios e colchonetes os milhares de desabrigados que se acotovelavam por um mínimo de condições nos locais destinados as vítimas do furacão.

George-W- Bush
O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, se prontificou a dar rápido auxílio às
vítimas do furacão Katrina e mais uma vez se comprometeu em virtude da ineficiência
de sua administração. Os prometidos auxílios demoraram alguns dias para chegar ao
Mississipi e deixaram a população local em situação ainda mais difícil.

Os anúncios oficiais de apoio federal foram veiculados pelas grandes redes de notícias norte-americanas assim que a devastação acontecia naqueles estados. O efetivo resgate e retirada das vítimas só veio a acontecer no final de semana, depois de praticamente cinco dias durante os quais as pessoas sofreram enormemente com as privações e a insegurança que haviam tomado as cidades locais.

O país mais rico do mundo se viu diante de uma das mais inusitadas situações dos últimos tempos: habitantes de outros países começaram a organizar a coleta de mantimentos e recursos para enviar para os Estados Unidos em socorro aos desabrigados.

A imprensa dos Estados Unidos começou a alardear publicamente a inoperância da administração Bush. A população de outros estados ficou indignada com os acontecimentos e também demonstrou toda a sua perplexidade diante da paralisia do governo federal.

Os saques aumentaram e a violência atingiu índices alarmantes. As pessoas se prontificaram a defender os seus bens e propriedades (ou, ao menos, o que deles restava) com as próprias mãos. A venda de armamentos mais do que duplicou em cidades vizinhas aos centros mais afetados pelo Katrina.

A inflação se tornou outro problema real com os preços dos produtos duplicando ou triplicando em questão de poucas horas. Vários produtos se esgotaram com enorme rapidez onde ainda existiam apesar dos preços altíssimos que por eles eram cobrados.

Enquanto isso, corpos boiavam pelas ruas ou eram mantidos próximos a idosos, crianças, mulheres e homens que tentavam se resguardar da fúria da natureza, da ganância dos espertalhões ou da ineficácia do governo. Os maiores atingidos foram justamente aqueles que viviam de forma mais precária mesmo na normalidade, ou sejam, os negros e todos aqueles que possuíam baixa escolaridade ou ainda que estavam desempregados ou no mercado de trabalho informal.

A tragédia varreu algumas cidades do mapa, ceifou centenas de vidas humanas, demonstrou a fragilidade dos homens diante das forças da natureza, escancarou os desequilíbrios que provocamos no meio-ambiente em virtude de nossa desenfreada ambição, mostrou (mais uma vez) que o governo Bush é despreparado e incompetente e ainda colocou os mais fracos diante do medo e da morte sem que nenhuma sétima cavalaria pudesse socorrê-los com a necessária presteza e rapidez...

Ao ficar sabendo que Biloxi era uma das cidades mais atingidas pela tragédia do Katrina me lembrei de um filme estrelado por Matthew Broderick e escrito por Neil Simon que tinha como título original “Biloxi Blues”. Sendo o Blues nascido naquela região e tendo também o sentido de tristeza, melancolia e decepção, me ocorreu utilizar o nome daquele filme para esse Editorial. Espero, sinceramente, que como no filme, o final para todos os habitantes atingidos pela devastadora ação do furacão, seja também feliz num futuro bem próximo...
ucação

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