Vide Bula - 12/04/2005
Aulas em formato de receituário
A humanidade é pródiga no que diz respeito a criar formas de comunicar informações. Já criamos centenas de modelos e iremos criar tantos outros na medida em que julgarmos necessário. Isso ocorre desde os tempos em que começamos a nos diferenciar dos outros seres que habitavam esse planeta e criamos os primeiros sons e representações significativas. De pinturas rupestres a sinais de fumaça, no princípio de nossa história, passamos a formas cada vez mais elaboradas, chegando aos moderníssimos sistemas eletrônicos, como a própria Internet.
Em recentes aulas nas quais estive presente pude perceber a preocupação cada vez maior por parte dos educadores e pesquisadores quanto a necessidade de utilizar as novas tecnologias como elementos de dinamização e melhoria da educação em nosso país e no mundo inteiro.
Há, por exemplo, um grande contingente de pessoas se dedicando a analisar os efeitos, as possibilidades, os problemas e as melhorias que o uso dos computadores e da rede mundial pode ocasionar ao sistema educacional. Outro setor que carece de pesquisas e que está sendo trabalhado por universidades e grupos de estudos com crescente interesse é a Educação à Distância (EAD).
Das pinturas rupestres aos computadores a humanidade tem criado variadas formas de
estabelecer contato e comunicar fatos, descobertas, acontecimentos e o conhecimento.
Em ambos os casos o que está em pauta é a adequação e o exame minucioso de recursos e ferramentas de grande potencial que estão a cada novo dia mais integradas ao cotidiano de todos os setores de trabalho, produção, educação e pesquisa no mundo inteiro.
Entretanto, temos que lembrar cotidianamente que a escola não se faz apenas a partir da incorporação desses recursos da tecnologia de ponta. Instrumentos como computadores ou ferramentas como a Internet são, também, essenciais aos novos caminhos da educação, porém, não são os únicos ‘aditivos’ que devemos utilizar para tornar ainda mais potentes e dinâmicas as nossas aulas.
Há uma série de outras ferramentas e caminhos que podem e devem ser tentados, executados, revistos ou atualizados pelos professores com o propósito de efetivar aulas e cursos cada vez mais bem-sucedidos. Já falamos, por exemplo, do potencial da música, dos quadrinhos, dos jogos, dos jornais ou mesmo dos catálogos. E olhem que a lista pode ser considerada infindável se pensarmos que para cada uma dessas e de tantas outras alternativas há uma série de variações possíveis...
Pensando nessas alternativas imaginei que uma daquelas que ainda não havia utilizado em sala de aula e que poderia ser interessante para o desenvolvimento do curso no qual estava trabalhando eram as bulas de remédio.
Pensei nas bulas por seu formato peculiar, pelas dificuldades que a produção de um trabalho escrito demandaria ao ser adaptado para tal forma de comunicação escrita e ainda pelo grande desafio que isso proporcionaria aos alunos do 1º semestre de gastronomia do Centro Universitário Senac de Campos do Jordão, no estado de São Paulo.
Trabalhar em sala de aula com jornais ou com filmes, com revistas de informação ou
quadrinhos, com catálogos ou bibliografia especializada, com dicionários ou jogos
são algumas das possibilidades que temos de enriquecer e diversificar a comunicação
e proporcionar uma educação muito mais efetiva e interessante para todos.
As bulas entram como mais uma alternativa para os professores...
Quando formulei a proposta para os estudantes as reações foram as mais diversas. Tive desde pessoas despreocupadas até algumas que, por perceberem de antemão os problemas e dificuldades que teriam para a produção desse trabalho, se mostraram contrariadas e reclamaram bastante. Pareciam prever que apesar do projeto ser realizável, iriam encontrar tantas ou mais dificuldades do que tiveram no desenvolvimento e produção do catálogo, nossa experiência anterior...
Como sempre acontece, entre críticas e comentários, os estudantes prontamente começaram a dizer que isso só poderia ter sido ‘inventado’ em minhas aulas. De certa forma, o que queriam dizer é que minha tendência a “Professor Pardal” continuava a se manifestar e que isso só lhes gerava mais e mais trabalho. Não eram elogios, eram apenas as costumeiras críticas...
Porém, os meus objetivos iam muito além do que eles pareciam pensar naquele momento. O que eu pretendia era promover um estudo mais minucioso dos temas trabalhados em aula durante aquela semana (4 aulas). Para tanto, eu precisava de uma estratégia que os fizesse ler, reler e adaptar o que haviam estudado para o formato das bulas.
As bulas, por si só, eram apenas uma justificativa para que os estudantes se prontificassem a rever todo o conteúdo trabalhado durante a semana para entregar dali a duas semanas já que teríamos um feriado entre os nossos encontros. Sem que ficasse perceptível, estava propondo a eles que mantivessem leituras e matéria em dia durante aquele breve período em que não nos encontraríamos.
Bulas são como mapas. Esclarecem os melhores caminhos, as contra-indicações, as
fórmulas mais propícias para nos oferecer o melhor, seja em termos de tratamento
médico ou ainda no que se refere as rotas mais econômicas ou confortáveis. Nas
escolas
a utilização das bulas pode proporcionar resultados semelhantes...
É claro que tudo tinha que ser combinado nos devidos conformes, por isso, na quinta-feira (dia das duas primeiras aulas da semana), informei ao grupo que teríamos um projeto baseado nas aulas e que seria essencial que eles prestassem muita atenção aos tópicos trabalhados nos próximos dois encontros.
Sem as informações das aulas e o apoio dos textos e materiais selecionados sobre os temas em questão seria impossível produzir as bulas. Eles ainda não haviam sido informados da produção das bulas, no entanto, sabiam que alguma idéia mirabolante (nos conformes dos próprios estudantes) estava sendo gestada...
Com essa recomendação acabei ganhando uma platéia mais interessada e participativa no decorrer das aulas. Não que isso não pudesse acontecer sem essa proposta em curso. Pelo contrário, o grupo em questão é bem disposto e procura sempre estar atento e ativo no curso. É válido, no entanto, lembrar que a variação de aulas e métodos, de recursos e estratégias é importantíssima para qualquer curso e professor...
No dia seguinte, uma sexta-feira, complementamos os referenciais teóricos previstos e tratamos de explicar-lhes o que deveriam fazer dentro do projeto previsto. Disse a eles que de posse dos textos e materiais, assim como atentos ao que havia sido apresentado durante as aulas, deveriam adequar e acondicionar os tópicos mais importantes no formato de uma bula de remédio.
Isso iria exigir que eles fossem capazes de comparar as informações dos textos e da apresentação em PowerPoint utilizada durante os últimos dois dias, relembrar conceitos e explicações dadas em aula, selecionar as idéias mais importantes e, por fim, conseguir colocá-las num pequeno pedaço de papel, sem a possibilidade de ter mais do que a frente e o verso desse mesmo papel para realizar sua produção.
Para tanto teriam as duas semanas seguintes para realizar seu intento.
Passado o prazo previsto e assim que retornei ao convívio com o grupo, minha mesa ficou cheia de receituários de remédios que, na verdade, não continham as previsíveis prescrições médicas, mas os conhecimentos que havíamos burilado algumas aulas antes. Desafio proposto, vitórias alcançadas, dever cumprido...
1 Graciete - Orobó PE
Pelo grande valor pedagógico, imediatamente inclui este site na minha lista de favoritos. Muito bom!
22/08/2009 21:00:36
2 linny - Fortaleza
adorei o site!!!
24/09/2007 20:46:40
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