Aprendendo com a publicidade - 28/03/2005
O contra-exemplo que nos leva a reflexão
A publicidade brasileira é uma das melhores do mundo. Premiada em festivais internacionais diversas vezes pela enorme criatividade de seus produtores e realizadores, é capaz de nos fornecer elementos preciosos inclusive para o trabalho em sala de aula. Um dos exemplos mais recentes dessa possibilidade é uma propaganda de um provedor de internet veiculada nos canais de televisão.
Nesse “comercial” temos uma sala de aula em que a professora pede a seus alunos que entreguem o trabalho requisitado na última aula. Eles deveriam ter pesquisado sobre o matemático grego Pitágoras. O sinal já tocou, as aulas terminaram e os alunos ao saírem da sala vão deixando sobre a mesa da professora as suas produções. Todos entregam trabalhos com imagens, digitados no computador, provavelmente produzidos a partir de colagens ou adaptações de textos encontrados em algum site especializado em educação.
Entre eles aparece um garoto vestido como um homem das cavernas que despeja sobre a mesa um trabalho feito em formato de pedra, como se fosse um livro tirado dos desenhos dos Flintstones...
Seu trabalho é considerado obsoleto, a intenção dessa formatação da publicidade é a de mostrar como a tecnologia de ponta consegue oferecer melhores produtos. Tudo bem se levarmos em conta que o objetivo da propaganda é vender mais assinaturas para aquele provedor de internet. Melhor ainda para nós, educadores, se aproveitarmos a chance dada para revermos nossas posturas e práticas pedagógicas.
O que quero dizer com isso?
Numa das oportunidades em que vi essa propaganda estava acompanhado de meus filhos. Ao final da divulgação comentei com eles que se eu fosse professor daqueles garotos seria muito provável que o trabalho mais bem avaliado por mim fosse justamente o do menino “pré-histórico”...
O advento das novas tecnologias em educação demanda orientação contínua
dos professores
para os estudantes. Devemos estimular o uso dos computadores
e da
Internet, mas nossos
alunos têm que confeccionar mapas da Web
juntamente com seus mestres.
Meu filho, de 9 anos de idade, não entendeu muito bem o que eu quis dizer com aquela afirmação. Acredito que muitas outras pessoas também não compreenderiam. Acho apenas que há uma oportunidade de ouro para refletirmos acerca de dois pormenores desse “comercial”. O primeiro ponto a se destacar refere-se a idéia da criatividade.
Esse quesito diferenciaria totalmente o trabalho do menino “pré-histórico” daquele produzido pelos seus colegas de classe. Elaborar um trabalho e apresentá-lo numa formatação original como aquela (do livro em formato de pedra) mereceria uma consideração meritória. Entregar o trabalho “a caráter”, ou seja, fantasiado de homem das cavernas, também valeria pontos adicionais ao aluno em questão.
É claro que ainda teríamos que olhar e analisar atentamente os conteúdos, as fontes pesquisadas, a pertinência e lógica dos textos, as imagens anexadas ao trabalho e as considerações do estudante acerca do tema em estudos. Não devemos nunca abrir mão dos conhecimentos em construção. A valorização da criatividade é um dos elementos fundamentais em educação, mas não o único...
O trabalho com idéias, conceitos, fórmulas, fatos, mapas, dissertações, leituras e todo o manancial de recursos que nos ajudam a conceber o conhecimento, ou o chamado conteúdo, é igualmente basilar para o trabalho pedagógico.
A avaliação final do trabalho só poderia ser realizada mediante esse olhar mais aprofundado e crítico, analítico e sensível. Entretanto, não dá para negar que aquele aluno ao se diferenciar dos demais apresentando o seu projeto de forma tão exclusiva e original, já se mostrava surpreendente e digno de nota em relação ao restante da turma.
Há uma grande profusão de informações e dados na rede mundial de computadores,
por esse motivo não podemos deixar que nossas crianças usem a Internet sem que
tenhamos fornecido algumas sugestões de caminhos e usos desse poderoso recurso.
Repensar as informações a ponto de criar em relação ao conteúdo uma forma inovadora de apresentação de suas idéias colocou aquele aluno em evidência aos meus olhos de educador. Tive o imenso prazer de trabalhar com várias turmas de alunos que tinham essa disposição, essa capacidade crítica e criativa. Tentei estimular suas capacidades produtivas ao máximo e tive respostas excelentes.
Várias vezes fui surpreendido com trabalhos, projetos e produções diferenciadas (várias das quais já tive oportunidade de falar a respeito na coluna “Diário de Classe”). Meu único mérito foi acreditar no potencial daqueles adolescentes e jovens notáveis. Dei-lhes algumas orientações e muito estímulo e obtive respostas de alto nível, que com certeza lhes permitirão brilhar em seu futuro. Eles são os maiores artífices e responsáveis por todo esse crescimento. Fico feliz de lembrar que pude colaborar um pouquinho com tudo isso...
A propaganda em questão só me fez lembrar daqueles alunos e de suas inovadoras respostas ao trabalho que desenvolvemos durante nossa convivência.
O outro pormenor daquele anúncio publicitário refere-se ao uso dos computadores e particularmente da Internet na educação. Sou usuário e atesto muitas qualidades no trabalho de pesquisa e atualização com a Web, a rede mundial de computadores. Há recursos notáveis, dignos de divulgação e utilização regular por parte de educadores e estudantes. Encontramos portais e sites especializados em ciências, teorias educacionais, pesquisa, línguas, comunicação, utilização de recursos tecnológicos,...
Afirmo, porém, que devemos nos preocupar em orientar o uso da Internet pelos estudantes. Estimular a pesquisa sempre, permitindo que eles sejam capazes de encontrar novos recursos e materiais a serem utilizados em seus trabalhos. Capacitar os estudantes para que conheçam e se atualizem freqüentemente quanto aos mecanismos disponíveis na rede. Cobrar das autoridades a criação de novos laboratórios de informática em escolas que ainda não disponham desse valioso recurso. Pedir a atualização e a manutenção permanente dos recursos de informática disponíveis nas escolas.
Usar a tecnologia na educação é de fundamental importância, porém esse uso deve ser
ponderado,
analisado, compreendido, crítico e criativo. Se não agirmos dessa forma
corremos o sério risco de nos tornarmos apenas reprodutores de informações que
muitas vezes podem ser provenientes de fontes duvidosas...
Tudo isso é importante. Todas essas práticas devem fazer parte de nosso compromisso com a melhoria da qualidade na educação. Como educadores devemos estar conscientes da importância desses novos recursos para o nosso trabalho em sala de aula. Entretanto, considero de fundamental necessidade que os professores se preocupem em conhecer os sites e portais para que possam ajudar seus alunos a separar o joio do trigo oferecido na Internet.
Há muita informação na Web. De todo esse universo de dados, uma quantidade reduzida é realmente de valor. Para que nossos alunos saibam disso é importante que possamos lhes dar orientações. Temos que ajudá-los a confeccionar mapas seguros pelos quais possam trafegar na Internet sem que corram o risco de se perder. Isso não significa que iremos entregar os mapas sem que eles participem desse trabalho de prospecção, pelo contrário, os estudantes devem ser percebidos e entendidos como nossos maiores aliados nessa pesquisa e produção de conhecimentos sobre a Web.
Uma das mais básicas dicas que devem ser dadas a eles se refere à busca de sites que tenham credenciais respeitáveis. Isso significa na prática que devemos sempre procurar portais que estejam associados a instituições estimadas ou a profissionais que se identifiquem pela disponibilização de informações a respeito de seu histórico profissional e que, dessa forma, possam ser reconhecidos como dignos de consideração.
Quando visitamos sites do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), da Universidade de São Paulo, do jornal Folha de São Paulo, do Planeta Educação ou da Fundação Getúlio Vargas temos toda a credibilidade dos profissionais que atuam nesses empreendimentos a nosso favor. Isso tem que ser levado sempre em consideração, tanto pelos estudantes quanto pelos professores...
Informações como essas tem que ser socializadas e difundidas entre os nossos alunos. Assim como temos que nos preocupar em lhes alertar para os perigos do exercício regularmente realizado de “copiar e colar” da Internet. Os materiais podem ser selecionados da Web, de forma criteriosa como dissemos anteriormente, mas devem ser lidos, comparados com bibliografias de apoio, fichados, adaptados para melhor compreensão de quem lê e, depois de todo esse exercício, daí sim, colocados nos trabalhos pedidos pelos professores.
A preocupação que tive em relação a propaganda do provedor de Internet diz respeito justamente a idéia de que basta ter Internet que os trabalhos serão feitos com grande facilidade. Isso realmente pode acontecer, por esse motivo, os professores devem estar atentos e se prestar a orientar o trabalho dos estudantes no sentido de pesquisas e produções comparadas, críticas, criativas e originais. É por isso que gostei mais do trabalho do garoto “pré-histórico”...
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