A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Em busca do Foco - 21/03/2005
Perdemos a capacidade de nos concentrar

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Em uma das memoráveis aulas que tivemos no mestrado, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, com o professor e artista plástico Norberto Stori, ficamos sabendo como ele havia aprendido a focar sua atenção e talento em sua produção artística. Norberto nos contou que em uma determinada etapa de sua formação em artes plásticas ele era deixado numa sala vazia, onde os únicos móveis eram uma mesa e algumas cadeiras. Sua companhia, além dessa mobília, eram os instrumentos de pintura e o objeto a ser retratado. Nada de música, televisão, pessoas, revistas, livros ou qualquer outra coisa que pudesse desviar sua concentração daquele que era o seu intento, seu objetivo como artista e estudioso...

Naquele momento entendi os objetivos dos tutores de nosso professor, mas considerei a prática um pouco radical. Afinal de contas, ao longo de minha carreira tenho conseguido escrever e ler embalado pelo som de muita música boa ou ainda tendo ao fundo a movimentação de meus filhos ou o barulho da televisão ligada. Já escutei muitas outras pessoas dizerem a mesma coisa, ou seja, que trabalham com muita interferência e que, ainda assim, conseguem realizar seus trabalhos com eficiência.

Uma outra situação bastante comum e que nos coloca diante da falta de concentração e foco por parte de muitas e muitas pessoas é o excesso de atribuições e responsabilidades legadas a cada indivíduo. Não conseguimos nos envolver somente com um ou dois projetos. Temos sempre que lidar com quatro, cinco ou até mais compromissos. O resultado, como é de se esperar, sempre fica (e ficará) aquém daquilo que realmente podemos realizar...

Imagem-do-pensador
“O Pensador” de Auguste Rodin parece nos convidar ao saudável e necessário exercício da reflexão.
Para isso precisamos objetivamente focar em idéias, tópicos e projetos, caso contrário,
sufocados pelo excesso de compromissos do cotidiano, estamos sujeitos a
deixar de lado essa ação tão fundamental a nossa própria natureza.

Repensando a situação descrita em sala de aula quanto à necessidade de focarmos nosso trabalho em prol de uma maior confiabilidade nos processos e resultados finais (como pude perceber no exemplo de mestre Norberto) e também analisando as circunstâncias pouco favoráveis ao desenvolvimento de nossas ações profissionais no contexto super atribulado em que vivemos, penso ser conveniente revermos muitas de nossas posturas.

Nesse ínterim vale lembrar uma história contada por meu pai, que dizia que quando era jovem, participava de várias equipes esportivas, sempre com um bom desempenho. Estava no time de vôlei, basquete, futebol, futsal e em algumas outras modalidades. Em todas elas tinha resultados expressivos nas competições municipais ou mesmo nas regionais. Porém, nunca conseguia passar dessas instâncias. Já adulto, maduro, pai de família e integrado ao mercado de trabalho, ele ponderou que talvez, se tivesse se dedicado apenas a uma dessas várias modalidades, conseguisse lugares mais altos no pódio, em competições estaduais ou até nacionais...

Essa história é ilustrativa daquilo que muitos de nós temos vivenciado quando me refiro a falta de foco e de concentração maior em uma quantidade menor de projetos.

Nas empresas em que trabalho ou naquelas em que já trabalhei, pude perceber que as pessoas têm se preocupado em “assobiar e chupar cana ao mesmo tempo”, como diz um ditado popular comum no interior de São Paulo. Temos que preparar aulas, cursos diferentes, em instituições diversas, em municípios próximos ou distantes, coordenar projetos interdisciplinares, acessar e-mails, estar por dentro das notícias, fazer cursos de complementação, propor novas idéias, realizar estudos de aprofundamento, corrigir provas e trabalhos,...

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O stress é uma das maiores chagas do mundo contemporâneo. Somos vítimas de nossa
própria incapacidade de definir os limites de nossa saúde e capacidade de trabalho.
Ao trabalharmos excessivamente prejudicamos a nós mesmos e a nossos empregadores,
pois deixamos de realizar o melhor de nós mesmos por estarmos sufocados por tantas atribuições.

Há professores com tantas atribuições que ao final do dia estão completamente tontos, sem saber ao certo para que lado devem ir. Chegar em casa passa a ser uma necessidade ainda maior, já que no dia seguinte uma série de novas responsabilidades e atribuições lhes serão legadas e é necessário que as “pilhas” estejam recarregadas.

Algumas pessoas podem pensar que ao falarmos sobre esse assunto estamos reclamando do trabalho, das oportunidades profissionais que nos são oferecidas. Não se trata disso, mas da constatação que poderíamos fazer muito mais pelas instituições nas quais trabalhamos se pudéssemos focar nossas energias em uma quantidade menor de projetos. Como na história de meu pai e dos esportes que praticava em sua juventude...

Dá para fazer tudo que é requisitado. Conseguimos responder de forma adequada e relativamente pontual quanto a entrega de relatórios, projetos, provas corrigidas, aulas dadas ou qualquer outro compromisso cobrado. O que percebo, no entanto, é que “a pressa é inimiga da perfeição” e que, em virtude da necessidade e do afã de entregarmos tudo que nos é encomendado, fazemos muito menos do que podemos...
Esse é apenas um dos preços que pagamos pelas pressões a que estamos submetidos nesse mundo complexo, veloz e voraz em que vivemos. As empresas demandam produtividade e, ao mesmo tempo, querem criatividade e sanidade de seus funcionários. O capitalismo se aperfeiçoou e percebeu que os melhores produtos a oferecer a seus clientes e consumidores são frutos e obras de mentes pensantes e originais. Sabe que pode demandar essas capacidades produtivas e criativas de seus funcionários, espreitados pelo desemprego ou ainda “estimulados” por melhores salários e condições de trabalho.

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Quando estamos envolvidos com inúmeros projetos não conseguimos pensar criativa e
criticamente. Reproduzimos práticas que poderiam ser aperfeiçoadas e realizamos trabalhos
que conseguiríamos superar, e muito, em qualidade. Não somos apenas peças da engrenagem
capitalista, somos seres humanos. Chaplin já nos avisara disso em seu clássico “Tempos Modernos”.

E aonde chegamos com tudo isso?

Em produções menores, muito menores do que aquelas que poderiam surgir se as pessoas tivessem um pouco mais de tempo para suas realizações. A concorrência e os prazos limitados são inimigos da inventividade e da genialidade dos homens.

Lendo alguns artigos sobre Albert Einstein, fiquei sabendo que uma de suas próprias explicações para seu sucesso e realização profissional como físico e pesquisador estava no fato de que não estava submetido a esse rigoroso cronograma de entrega para suas produções. Einstein bendizia o fato de trabalhar como funcionário do escritório de registros e patentes, o que lhe dava tempo para, cumpridas as formalidades de seu cotidiano, pensar e repensar toda a ciência e a física contemporâneas...

Já imaginaram se pensadores do quilate de Gilberto Freyre tivessem que realizar suas notáveis obras, como “Casagrande e Senzala”, dentro de períodos de tempo reduzidos e pressionados por vários outros compromissos e “deadlines” como aqueles que possuímos hoje em dia? Nenhuma dessas grandes obras teria surgido...

Além do prejuízo material, temos também a questão da própria saúde e sanidade daqueles que são submetidos a essa rigorosa e violenta rotina de trabalho. Não são nada animadores os dados regularmente disponibilizados através da imprensa a respeito do crescimento vertiginoso de doenças como infartos, stress, úlceras ou outros males da modernidade causados pela correria e pelo excesso de responsabilidades.

Não sou contra a modernidade, nem tampouco contra a rápida evolução. Acho apenas que estamos caminhando num ritmo que se torna a cada dia mais incontrolável e devastador. Se não nos preocuparmos em reorganizar nossas vidas estamos fadados a morrer sem ver aquilo que realmente faz diferença em nossas vidas:- o crescimento de nossos filhos, os encontros com os amigos, o amor de nossos parceiros, a fidelidade dos animais de estimação que temos, a portentosa e rica natureza, as produções fantásticas realizadas pela humanidade quando o tempo não era um empecilho (Beethoven, Monet, Shakespeare, Machado de Assis, Charles Chaplin,...), os banhos de mar, os jogos de futebol no final de semana, nossa própria produção qualificada e a disposição das comunidades as quais servimos,...

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