A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Sobre a relatividade do tempo de nossas vidas - 14/03/2005
Desacelerando para viver mais e melhor

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O que estamos conseguindo ver e viver ao longo de nossos caminhos?

Desde a Revolução Industrial até o presente momento fizemos de tudo para conseguir agilizar ao máximo nossas vidas. Criamos uma enorme quantidade de máquinas e recursos para que nossa existência se tornasse cada vez mais prática. Não pensamos mais em velocidade, vivemos de forma acelerada ao quadrado, ao cubo ou a qual potência máxima pudermos atingir.

Quando os primeiros automóveis surgiram e definiram através de seus notáveis motores à combustão que poderíamos andar a uma velocidade que mal atingia os 40 quilômetros por hora estipulamos que nas décadas seguintes teríamos que superar o que até então era uma marca notável para a humanidade.

Quando nossos primeiros computadores surgiram, com suas ainda minguadas velocidades de processamento, pensamos que estávamos próximos do paraíso. Mas resolvemos conseguir muito mais e continuamos pensando em exponenciar suas capacidades e condições a um nível que nos possibilitasse o acesso a todas as informações do mundo em questão de segundos ou frações dessa minúscula unidade de tempo.

A internet e sua incrível capacidade de nos trazer um enorme manancial de informações também sofre constantes alterações em direção ao hiperespaço. Não conseguimos viver sem redes e provedores que se superem mais e mais a cada novo dia. Tempo não é só dinheiro, virou praticamente o karma de todos os seres humanos, especialmente daqueles que vivem no mundo ocidental.

Comemos em poucos minutos e muitas vezes de pé, diante de um balcão, sem as condições adequadas para fazer a digestão como deveria ser feita. Aceleramos nossos veículos e burlamos os limites de velocidade porque temos que ir e voltar para cumprir todos os compromissos. Mudamos várias vezes de canais em nossos televisores para conseguir acompanhar as notícias, o esporte ou o seriado que nos interessa.

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As constantes dores que sentimos são, em muitos casos, decorrentes de todo
o stress e loucura da velocidade que impusemos a nossas vidas.

Até mesmo no amor e na amizade estamos tresloucados pela insanidade da rapidez. Não nos importa mais a qualidade nas relações pessoais. Por esse motivo (e também por outros tão importantes quanto) há tantas separações, desentendimentos, desamor e inimizades acontecendo mundo afora...

Como resultados evidentes de toda essa neurose e histeria coletiva procedentes desse stress da velocidade temos problemas de todas as naturezas. Os mais evidentes relacionam-se a nossa própria saúde. Nunca, em toda a história da humanidade, as pessoas sofreram tanto com crises nervosas decorrentes de stress ou tiveram úlceras e gastrites em profusão devido à má qualidade de sua alimentação. Os casos de infartos ou outros problemas cardíacos aumentaram enormemente ao longo do século XX e na medida em que nossas ferramentas tornavam-se mais ágeis em suas respostas a nossas necessidades...

E o que podemos fazer em relação a toda essa velocidade que nos causa tantos problemas?

O primeiro passo é tentar se conscientizar de que estamos padecendo desse mal. Perceber que subimos os degraus ou corremos pelos corredores quando poderíamos apenas caminhar (mesmo que às vezes um pouco mais depressa, se necessário) pode evitar que seus gastos com saúde se elevem além do necessário. E não é somente pelos custos que isso acarreta. A principal questão passa a ser a nossa própria sanidade e qualidade de vida...

Ao nos darmos conta de tudo que estamos vivendo e do ritmo como estamos vivendo perceberemos que nossa vida tem se tornado superficial em vários sentidos. Não sorvemos mais os sabores decorrentes das possibilidades fantásticas que a vida nos dá.

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Não percebemos mais os aromas, as cores, o brilho e a diversidade de tudo o que
se encontra ao nosso redor. Há tanta beleza e profundidade e só vemos sombras...

Há pais que vão aos eventos da escola de seus filhos somente para filmar ou fotografar. Não se sensibilizam com as produções e realizações das crianças. Parecem querer dizer que compareceram como se estivessem batendo o cartão das empresas em que trabalham...

Quantas pessoas viajam para os lugares mais especiais, com belas paisagens, museus fantásticos, igrejas notáveis ou culturas interessantíssimas para conhecer e acabam passando tão rapidamente por esses locais sem ao menos perceber ou vivenciar com um pouco mais de profundidade esses caminhos...

Uma das mais importantes experiências espirituais do mundo contemporâneo é a peregrinação pela trilha de Santiago de Compostela na Espanha. Milhares de pessoas se aventuram por ela todos os anos e saem revigorados. A espiritualidade aliada as belas paisagens renovam os espíritos de muitas pessoas que a visitam. Já pararam para pensar que esse fôlego renovado associado a caminhada para Santiago de Compostela também deriva da caminhada, da paz e da calma de quem realiza essa rota, da falta de pressa dos andarilhos?

Todos temos vivido dentro de uma anormalidade tão grande no que se refere ao tempo que pensamos que as coisas sempre estão acontecendo depressa demais. O dia de 25, 26 ou até 30 horas é o sonho de muitas pessoas que conheço. Nem mesmo o sono sagrado para o organismo humano tem sido respeitado como deveria (o relógio biológico de cada ser humano está sendo tão desrespeitado que entra em colapso causando noites e noites de insônia para muita gente).

Tomando consciência do problema, o próximo passo é reavaliar nossas prioridades. Vivemos diferentes esferas e temos que pensar qual delas é mais importante para nossas vidas. É lógico que não dá para deixar de trabalhar, mas também não podemos trabalhar e deixar de viver todas as outras importantes instâncias de nossas vidas.

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Ou revemos nossa relação com o tempo e diluímos sua influência sobre nossas vidas ou estamos
fadados a sofrer ainda mais com as pressões insanas exercidas por toda a velocidade em que
vivemos... (acima temos a obra “Persistência da Memória”, de Salvador Dalí).

Em determinado momento de minha trajetória profissional cheguei a ter 60 horas-aula. Isso significava, em média, 12 aulas por dia. É lógico que as instituições para as quais trabalhava naquele período não foram camaradas o suficiente para equacionar a minha carga horária a ponto de me deixar com as tais 12 horas diárias de segunda a sexta-feira. Em certos dias trabalhava 10 horas, em outros, chegava a 14 horas...

O resultado sempre era negativo. Tanto para mim quanto para as escolas e para os alunos. Ao final do dia eu estava tão esgotado que chegava em casa e ia praticamente direto para a cama (afinal de contas outras 12 horas-aula me aguardavam no dia seguinte). Alimentava-me mal e isso também trazia repercussões nada positivas para meu corpo e para minha existência. Minhas aulas perdiam qualidade e os últimos horários eram sempre em piloto-automático...

Recentemente voltei a estudar. Estou fazendo meu doutorado. É mais um desafio e o tempo é, novamente, uma dificuldade. Escutei de dois colegas doutorandos que quando prosseguimos em nossos estudos (seja no nível que for) e conciliamos nossos afazeres profissionais a essa aprendizagem, temos que abrir mão de nossa vida pessoal. Disse-lhes que não pretendo fazer isso. Não posso abdicar das pessoas que amo, de meus filhos e esposa. Não tenho como deixar de ver meus amigos. Preciso encontrar meus pais e irmãos com freqüência. E também vou estudar...

Como vou fazer tudo isso?

Ajustando o relógio. Acordando mais cedo para não chegar atrasado. Tirando o pé do acelerador do carro para conseguir chegar aos destinos previstos (é melhor chegar, mesmo atrasado, do que ficar no caminho...). Sentando para almoçar ou jantar com calma, sem atropelo. Reservando parte do tempo fora da escola ou do trabalho para estar com as pessoas que realmente importam. Lendo ou estudando no ônibus, a caminho do trabalho. Dormindo às oito horas necessárias para recuperar minhas energias. Mantendo meus princípios e minha dignidade de ser humano. Preservando minha integridade e sanidade...

Quando Einstein foi perguntado sobre sua Teoria da Relatividade que versa sobre o tempo (sobre o qual definiu que “o tempo é relativo e não pode ser medido exatamente do mesmo modo e por toda a parte”) respondeu que “quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que se passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente – e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora. Isso é relatividade”. Que tal pensar um pouco a respeito?

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