Diário de Classe
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Aprender a observar - 04/03/2005
Olhar para analisar, refletir e entender

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Tentamos ensinar tantos temas, conceitos e idéias em sala de aula que muitas vezes deixamos de trabalhar alguns assuntos que são verdadeiramente essenciais para a educação. Por exemplo, não pensamos mais em aperfeiçoar (com profundidade) a leitura; raramente nos preocupamos em saber se nossos estudantes estão cientes de determinados tipos de ações e práticas básicas em educação, como a produção de fichamentos, sínteses, resumos ou textos dissertativos; não cobramos (e não realizamos) um maior enriquecimento cultural a partir da visita a museus, centros de pesquisa, cinemas, teatros ou universidades; deixamos de aguçar o interesse, a curiosidade e estimular os sentidos para a pesquisa, especialmente o olhar, a capacidade de observar com atenção e critério...

Pensando nisso tenho utilizado com grande freqüência algumas atividades que pedem um esforço concentrado dos estudantes na observação de filmes e imagens selecionadas, especialmente obras de arte.

E é notável como há por parte desses jovens uma grande dificuldade de ir além daquilo que é óbvio, do que está em primeiro plano. Os cruzamentos de idéias e conceitos, as sinapses que nossas mentes deveriam estar realizando, a reflexão mais aprofundada em relação aos objetos observados e analisados poucas vezes supera níveis minimamente razoáveis.

Pensar em grandes resultados demanda mais prática, muito mais exercício. Esse tipo de atividade vem tentar justamente suprir essa enorme lacuna. Provocar os alunos e ao mesmo tempo tentar lhes atribuir um papel cada vez mais constante de protagonistas da aprendizagem e não de receptáculos de informação já previamente sistematizada.

Imagem-de-Museu
Se não conseguimos levar os estudantes aos museus, que tal selecionar imagens e
trazê-las para a sala de aula para que eles possam olhar, apreciar, analisar e
interpretar num processo de coleta de informações?

Aliás, esse é um dos principais objetivos em curto prazo das pessoas que realmente estão estudando a educação. Superar o trabalho em aula, ampliar os horizontes da educação, provocar os estudantes para que se sintam desconfortavelmente curiosos e instados a procurar novas informações. E nessa busca de novos dados, já não basta mais se preocupar somente com a bibliografia (que continua essencial, primeira e básica nessa conduta de pesquisadores que devemos ter), é necessário ampliar os horizontes em direção as novas (ou não) possibilidades.

O que mais parece próximo dos jovens da atual geração com a qual estamos lidando é o trabalho com as mídias e recursos eletrônicos, especialmente os computadores e a Internet. É claro que consideramos esse trabalho importante e que estimular e orientar ações de pesquisa em relação ao universo virtual constituem responsabilidade e compromisso obrigatórios dos educadores do século XXI.

Porém, quando falo em aguçar os sentidos, especialmente o olhar, me refiro à necessidade de observarmos a natureza, as pinturas, as esculturas, os filmes, as dramatizações teatrais, as danças, as outras pessoas, os animais, profissionais em ação, máquinas em uso, técnicas de trabalho ou mesmo as relações entre pessoas. Desaprendemos a capacidade de olhar e de admirar, de presenciar e aprender com isso.

O que fiz então, no trabalho com alunos de Ensino Fundamental e também na universidade, foi levar a eles algumas imagens selecionadas de obras de arte confeccionadas por povos da Antiguidade (egípcios, gregos, babilônios, sumérios, acádios e romanos). Esse trabalho pode ser feito com fotografias, filmes ou ainda com desenhos. Também não há restrições quanto aos temas ou áreas de interesse que podem utilizar dessa prática.

Imagem-de-fotos-antigas
Fotografias também podem ser utilizadas nessa atividade de observação. Seria muito interessante
trabalhar com fotos antigas dos familiares dos estudantes como forma de perceber as
diferenças entre, por exemplo, o tempo de vida dos avós dos estudantes e os dias de hoje.

As imagens devem ser destacadas com antecedência e, objetivamente destinadas a enfatizar determinadas características, idéias ou conceitos que desejamos vê-los discutir, perceber, entender e aprender a respeito. Esse levantamento prévio das imagens por parte dos professores pode ser feito a partir de acervos públicos (em bibliotecas), com a coleta de fotografias ou reproduções de obras de arte e sua posterior transformação em transparências ou pequenos painéis que possam ser dispostos na sala de aula.

O segundo momento requer muita percepção por parte dos alunos e uma boa dose de silêncio por parte do professor. É uma parte do trabalho em que o educador não deve dar informações acerca das imagens apresentadas. Os estudantes têm que circular entre os painéis ou ter um tempo certo para observar atentamente as transparências.

Dessa observação devem ser extraídos dados que sejam utilizados no cruzamento da matéria discutida em aula previamente ou ainda em relação aos temas que irão ser estudados. Essas informações têm que ser sistematizadas num primeiro momento de forma individualizada. Cada estudante cria o seu próprio rascunho com anotações referentes aos detalhes que mais lhes chamaram a atenção e que podem, em suas opiniões, ser úteis num debate mais amplo, envolvendo todos os alunos e também o professor.

Desenho-de-professor-de-oculo-em-pe
Além de selecionar as imagens de acordo com os objetivos das aulas e relação
com os temas trabalhados, o professor é o responsável pela orientação durante os
trabalhos em pequenos grupos e pelo fechamento da atividade, quando apresenta
novamente as imagens e explica os motivos que o levaram a colocá-las nessa atividade.

O próximo passo é reuni-los em grupos pequenos, com 2 ou 3 integrantes, para que possam comparar o que obtiveram de dados em suas anotações. A comparação permitirá que eles percebam a diversidade dos olhares, a riqueza das diferenças que existem entre eles. Os pontos comuns serão provavelmente reaproveitados pelo grupo. Os diferentes pontos levantados por cada indivíduo serão motivos de debate e se tornarão consenso desde que todos no grupo concordem com os argumentos daquele que propôs essas idéias.

As idéias consideradas válidas a partir da observação e análise de todos os integrantes desses grupos devem ser colocadas numa resposta/relatório que serão entregues ao professor.

O próximo e último ato dessa programação é a interferência do professor na apresentação e reflexão aprofundada a respeito das imagens utilizadas no projeto.

Nesse momento cabe ao educador falar a respeito das origens das imagens, daquilo que representam, de seus autores (fotógrafos, artistas, cineastas, desenhistas), das escolas artísticas as quais estão associadas e, principalmente, da relação que existe entre elas e o conteúdo que estão estudando ou que irão começar a falar a respeito.

Na mais recente aplicação dessa atividade junto a um grupo de alunos, percebi que muitos deles têm grande dificuldade para realizar a observação acurada das imagens e que muitos, por comodidade ou preguiça, preferem respostas simplificadas e curtas, sem qualquer preocupação com detalhes, informações de fundo e divagações que lhes permitam ir muito além daquilo que lhes é oferecido de imediato nas imagens. Cobrem muito, peçam mais!

Falta mais bagagem cultural. Nossos jovens carecem de mais estímulos para olhar muito além e buscar ir mais longe. Os caminhos mais curtos estão mais em voga entre eles. Mas, em educação e ciência, esses atalhos não levam muito longe, tolhem as possibilidades e encurtam a vida útil daqueles que tentam chegar lá dessa maneira. São literalmente vias tortas, que como nos labirintos, não levam a lugar nenhum.

A vontade e a disposição tem que ser semeadas pelos mestres e incorporadas pelos estudantes. Por que, se eles assim não fizerem, estão fadados ao fracasso e não ao sucesso em suas vidas futuras, seja no sentido profissional ou no pessoal...

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10 COMENTÁRIOS

1 Rizo ChãGrande PE - Chã GrandePE
Amei, pois é muito importante se basear nesse artigo,é de rico conhecimento saber que existem algo que nos promovem entendimento.
05/12/2012 19:17:26


2 Lindalva ferreira - Rio de janeoro
Gostei do seu trabalho. Atualmente sou professora de física em escola pública do rio de Janeiro.Trabalho com 2 e 3 anos. Procuro fazer um trabalho de física através das exposições em museos, não é as vezes bem visto por ue ser da área de física, mas física é cultura e está presente nas artes, basta saber olhar. Um abraço, bom trabalho.
30/09/2012 17:30:14


3 Paulo Luiz Mendonça. - S. Paulo.
Reflexões para serem usadas no século 21. Nosso passado é o melhor presente que recebemos na vida, ele será muito importante e útil se for usado com inteligência no nosso futuro. Nós só seremos solidários de verdade quando nós sentirmos o desejo de estarmos em mais de um lugar ao mesmo tempo. Se quiseres amar o próximo de verdade, esqueça por um momento os seus desejos mundanos e caminhe solidário pela senda dos necessitados. Coisas importantes devem ser construídas fora do nosso eu, pois coisas construídas somente dentro de nós são consideradas egoísmo. Quem vive a vida toda só para si, quando morrer sua bagagem estará incompleta, pois estará faltando agradecimentos. Na nossa vida existem dois caminhos, o certo e o errado, cabe a você decidir qual deles receberá os seus passos, nunca deixe que outrem interfira em seu livre arbítrio e sua soberana decisão. Não se esqueçam vivemos em um mundo de realidade, sendo assim temos que acreditar no que vemos e sentimos, qualquer coisa utópica e sobrenatural é fantasia. Se acomodar usando somente a fé é considerado preguiça mental, portanto use sua inteligência para procurar entender o intrincado mistério que envolve a nossa existência na terra. Se quiseres ser humano e solidário no caminho da vida não de a mão somente a quem estiver ao seu lado, se quiseres ajudar dê sua mão preferencialmente a quem estiver mais para traz. Tudo na vida passa. Somente o que não nos abandona é o desejo de sermos felizes, mas a felicidade só virá realmente quando todos os seres humanos se sentirem gozando de uma felicidade plena duradoura e coletiva. Paulo Luiz Mendonça.
20/05/2012 10:50:30


4 Milton santiago - Salinas MG
Sou poeta e estou enviandolhes este poema que tem a ver com o tema. OOLAR E OBSERVAR Milton Santiago Eu sempre tive a intenção de ver E continuei vendo, Até que um belo dia, Eu quis observar, E continuei observando. Compreendi que observar, Vai além, É ver e refletir. Estas duas árvores sobre pedras, Na entrada de Salinas Ensinoume a observar, Sobre o que estou olhando. Gerou em mim, Idéias, questionamentos e conclusões. Mas continuei olhando e observando Aí capturei os mínimos detalhes da natureza. Que beleza! Tudo foi acontecendo ao mesmo instante, Como é instigante. Agucei os sentidos, Ampliei os horizontes da imaginação E fui além Admirei!!! Como a natureza e bela e perfeita. Quanto tempo esta árvores estão Sobre esta pedras Neste sol escaldante deste sertão Continuei admirando. E fui aprendendo, percebendo e compreendendo, Como a vida é interessante. OLAR E OBSERVAR Milton Santiago Eu sempre tive a intenção de ver E continuei vendo, Até que um belo dia, Eu quis observar, E continuei observando. Compreendi que observar, Vai além, É ver e refletir. Estas duas árvores sobre pedras, Na entrada de Salinas Ensinoume a observar, Sobre o que estou olhando. Gerou em mim, Idéias, questionamentos e conclusões. Mas continuei olhando e observando Aí capturei os mínimos detalhes da natureza. Que beleza! Tudo foi acontecendo ao mesmo instante, Como é instigante. Agucei os sentidos, Ampliei os horizontes da imaginação E fui além Admirei!!! Como a natureza e bela e perfeita. Quanto tempo esta árvores estão Sobre esta pedras Neste sol escaldante deste sertão Continuei admirando. E fui aprendendo, percebendo e compreendendo, Como a vida é interessante.
30/08/2011 09:57:05


5 Maria Teresa Medeiros - Lisboa
Muito interessante,sem dúvida é por aí que se despertam as consciências
05/07/2010 19:27:10


6 angelina - LENÇÓIS PAULISTA SP
MUITAS VEZES APENAS OLHAMOS E NÃO PARAMOS PARA ANALIZAR, REFELETIR E COMPREENDER O QUE DIZ POR EX UM QUADRO OU MESMO UM ARTIGO. vC. nOS CHAMA A ATENÇAÕ,PARA ISSO.
30/05/2009 19:18:10


7 Rita de Cássia Braga Bispo - Rio de Janeiro
Olá prpfessor. Adorei sua colocação com relação ao estudo com leitura de imagem. Sou estudante do 4º período de Pedagogia e gostaria de desenvolver minha monografia no tema, Educação Estética na Educação Infantil, agradeço sugestões de bibliografia para compor meus estudos. Grata.
20/09/2007 16:55:57


8 marina - Goiania-Go.
Maravilha! Adorei!!! Estou feliz por ver que tem nesse nosso País, pessoas como voce; precisamos de multiplica isso. Estou a procura, sem parar de artigos, teses e o que tiver nessa área. Acredito, não por ser fotografa, mas que trabalhar com leitura de imagem, seja um dos caminhos na educaçao. Valeu!!!!!!!!!!!
29/05/2007 00:31:48


9 IVONE CALDEIRA COLARES - Montes Claros - Minas Gerais
Olá professor João! Ler os seus artigos enriquecem ainda mais a minha formação; realmente são verdadeiros tesouros, especialmente para nós educadores. Um grande abraço.
19/05/2007 23:10:59


10 Cira R O Hancock - Maceió
Amei! Este artigo é de muita importância... Aprendi aqui nestes sites que muitas vezes vcs esperam respostas do que acham as pessoas...saibam que achamos muitas vezes maravilhos os artigos e copiamos ,aplicamos fguardamos comov erdadeiros tesouros que o são. Apenas temos pressa de ver mais e muitas vezes preguiça de colocarmos algo. Abraços e FELIZ PÁSCOA!
07/04/2007 11:40:59


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