Planeta Literatura
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Entre a Ciência e a Sapiência - 16/02/2005
Os muitos dilemas da educação

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Capa-do-livro-Entre-a-Ciencia-e-a-Sapiencia

“Pensa-se, comumente, que a tarefa de um político é administrar o país: pôr a casa em ordem, construir coisas novas, consertar coisas velhas, cuidar das finanças, da saúde, da segurança, da justiça, dos meios de comunicação, incluída, inclusive, a administração dos meios de escolarização existentes, coisa sob a responsabilidade do ministério da educação. Discordo. Existe uma diferença qualitativa entre aquilo que fazem os ministérios administrativos e aquilo que o ministério da educação deve fazer. A diferença entre eles é simples. Os ministérios administrativos cuidam do hardware do país. Eles lidam com a ‘musculatura’ nacional. O ministério da educação tem a seu cuidado o software do país. Ele cuida da ‘inteligência’ nacional. Seu objetivo é fazer o povo pensar. Porque um país – ao contrário do que me ensinaram na escola – não se faz com as coisas físicas que se encontram em seu território, mas com os pensamentos de seu povo”. (Rubem Alves)

No caminho para o Planeta Educação passei pela escola onde lecionei durante uns 15 anos. Estava devendo uma visita rápida aos alunos que conviveram comigo até o final do ano passado e, além disso, tinha que levar uns materiais que a direção havia requisitado. Os materiais eram, na verdade, uma justificativa para poder encontrar os estudantes, meio filhos, meio amigos, que tive que deixar para trás em virtude de outros compromissos (estudo, trabalho).

Ao me encontrar com eles me dei conta de que ainda não dei aulas esse ano (na verdade estarei começando o trabalho em sala de aula ainda essa semana). Conversei rapidamente com todos eles para não atrapalhar o andamento das aulas em que estavam envolvidos. Também acelerei a conversa porque a emoção sempre bate forte quando estou em contato com eles, com aquele ambiente tão familiar, com a iminência de trocar algumas idéias em aula...

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“Durante anos consecutivos, nossos professores têm aprendido teorias científicas sobre a educação, achando que é assim que se formam professores. Existe, de fato, uma ciência da educação, como também existe uma ciência do piano. Mas a ciência da educação não faz um professor, da mesma forma como o conhecimento da ciência do piano não faz um pianista. Muitos professores maravilhosos nunca estudaram as disciplinas pedagógicas. Se os alunos refutam diante da comida e se, uma vez engolida, a comida provoca vômitos e diarréia, isso não quer dizer que os processos digestivos dos alunos estejam doentes. Quer dizer que o cozinheiro-professor desconhece os segredos do sabor. A educação é uma arte. O educador é um artista. Aconselho os professores a aprender seu ofício com as cozinheiras” (Rubem Alves)

Esse reencontro me faz pensar exatamente naquilo que o grande mestre Rubem Alves escreve na introdução de seu livro “Entre a Ciência e a Sapiência”, ou seja, na grande paixão que tenho pela educação. Emoção gratuita, sem explicações, de onde surge toda a beleza do mundo. Não tenho a mesma experiência de Rubem Alves, a quem admiro pela franqueza e sinceridade em assuntos que a academia parece temer e que, por isso, despreza.

Acho até que, guardadas as devidas proporções, todas as experiências, quando vividas com ternura, profundidade e paixão merecem ser consideradas e partilhadas, mesmo quando são provenientes de pessoas mais jovens, como é o meu caso. Mas, voltando ao mestre e a sua obra, devo dizer que o longo caso de amor vivido por ele com a educação é facilmente perceptível ao longo de todos os textos que compõem “Entre a Ciência e a Sapiência” e também em praticamente todos os seus outros livros e artigos.

O mais interessante nisso tudo é que é muito difícil falar de um amor tão grande sem ser piegas ou meloso. Rubem Alves consegue fazer isso de forma a atrair a atenção dos leitores pela inteligência de seus argumentos e das histórias que conta. Não quer comprovar cientificamente que a educação vai muito além dos livros, dos cálculos, das fórmulas, dos fatos ou das concordâncias. Sabe que ela se estabelece na busca do aperfeiçoamento, da sabedoria, mas não despreza o fator humano, o professor e o aluno.

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Sobre cientistas e pescadores (As semelhanças não são mera coincidência...)
“Os pescadores-fabricantes de redes se organizaram numa confraria. Para se pertencer à confraria era necessário que o postulante soubesse tecer redes e que apresentasse, como prova de sua competência, um peixe pescado com as redes que ele mesmo tecera. Mas uma coisa estranha aconteceu. De tanto tecer redes, pescar peixes e falar sobre redes e peixes, os membros da confraria acabaram por esquecer a linguagem que os habitantes da aldeia haviam falado sempre e ainda falavam. Puseram, no seu lugar, uma linguagem apropriada às suas redes e os seus peixes, e que tinha de ser falada por todos os seus membros, sob pena de expulsão”. (Rubem Alves)

Sua coragem se revela em textos articulados em que se dirige ao já falecido Roberto Marinho (que poderiam ser endereçados a seus sucessores) ou ao ministro da educação (de onde retirei o trecho que inaugura esse artigo) falando do real compromisso que deveriam assumir perante o país. Afinal de contas, estamos lidando com o “software” nacional, ou seja, com a produção da inteligência necessária para realmente melhorar o país...

Suas parábolas nos ensinam lições simples, mas cheias de sabor e autenticidade, como no caso da comparação que tece entre professores e cozinheiros. Mesmo porque, convenhamos, a aula é um momento todo especial em que temos que colocar nossos alunos a todo instante diante de novas “provas” (relaciono essa palavra ao provar proposto pelos grandes chefs da gastronomia), em busca de uma receita toda especial que lhes convença, que lhes seduza para o que estamos ensinando.

Sua fala é tão pertinente que na continuação do livro encontramos um capítulo dedicado especialmente aos livros e a leitura. Nesse ínterim é bom lembrar dos ensinamentos de outro grande e especial educador brasileiro chamado Paulo Freire. Dizia Freire que temos que aguçar nossos sentidos e ampliar o sentido de leitura, entendendo que ao realizarmos essa prática não podemos nos restringir ao contato com as páginas de um livro, jornal ou revista. Temos que ler o mundo.

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“Os relojoeiros, ao fazer seus relógios, pensavam apenas nos relógios: queriam fazer relógios perfeitos, bonitos, obras de arte. Relojoeiros pensam em relógios. Mas os homens da ciência começaram a ter pensamentos diferentes dos pensamentos dos relojoeiros ao olhar para os relógios. Os pensamentos deles começaram a dar grande pulos, pulos enormes; pularam dos relógios para o universo. Perceberam que os relógios e o universo se pareciam. Eram máquinas análogas. O relógio era um universo pequeno. O universo era um relógio grande. E foi assim que o relógio, de objeto criado para medir horas, passou a ser, de repente, modelo do universo. Assim, para compreender o universo bastava compreender os relógios”. (Rubem Alves)

A leitura do mundo depreende a comunicação total, em que todos os sentidos estão atentos, captando os sinais emitidos pela música ou pelo som das ruas, pela expressão das pessoas tanto quanto a partir daquilo que falam, das imagens de um filme que assistimos ou das notícias impressas no jornal diário ou mesmo dos relacionamentos que estabelecemos com nossos amigos, irmãos, maridos, esposas, alunos,...

Rubem Alves vai além ao dizer que “Ler é uma virtude gastronômica” pois “requer uma educação da sensibilidade, uma arte de discriminar os gostos”. O engraçado é que as palavras sensibilidade e gosto são tão refutadas nos ensaios, artigos, estudos, teses ou monografias produzidas pelas universidades...

Falando nisso, o livro “Entre a Ciência e a Sapiência” também discute a ciência e seus caminhos (ou dilemas?). Relação estranha essa que se estabelece entre educação e ciência. Para mim são como irmãs, nascidas do mesmo pai e da mesma mãe, o conhecimento e a curiosidade, separadas no nascimento, que se reencontram alguns anos depois e que parecem ter alguma incompatibilidade de gênio, de comportamento. O que deveria ser um casamento bem ajustado, cheio de paixão e romance, é abalado por uma comunicação precária, pela arrogância que brota de ambos os lados ou mesmo por dogmas ou pretensões por parte de cientistas e educadores...

Penso que a ciência pode ser considerada uma linguagem, muito específica, muito própria. Como a rede da metáfora contada por Rubem Alves em seus textos. Os pescadores que aprenderam a usar essa ferramenta não parecem dispostos a partilhar esse conhecimento com outras pessoas da comunidade. Fecham-se em suas próprias conchas e criam clubes particulares. Dizem que muitas pessoas não teriam condições de entender direito aquilo que pensam. Será? Ou será que, por outro lado, se fizermos uma socialização desse instrumental não estaremos ampliando as possibilidades da pesca e alimentando um número muito maior de pessoas a um custo muito menor?

Abrir os ouvidos é uma das dicas dadas pelo mestre Rubem Alves em seus textos destinados aos cientistas. Escutar o som que vem do coração, da voz simples daqueles que não são como eles, pescadores especializados. Há muita riqueza e sabedoria brotando das experiências mais singelas...

Para terminar seu trabalho, Rubem Alves fala um pouco dessa confusa e apaixonante relação dos homens com a tecnologia. Fala de relógios e de computadores. Lembra como fomos enfeitiçados pelo tique-taque dos relógios a ponto de transformarmos nossa vida numa corrida incessante atrás dos ponteiros dessa máquina incrível. Transporta essa analogia alguns anos adiante e encontra paralelos entre essa estranha relação entre homens e relógios e aquela que se estabelece a cada novo dia entre a humanidade e os computadores. Será que algum dia George Orwell e Aldous Huxley terão razão? Espero, sinceramente, que não...

Obs.: Orwell escreveu “1984” e Huxley “Admirável Mundo Novo” em que olham para o futuro e discorrem a respeito de uma sociedade em que será difícil diferenciar homens e máquinas. O sentimento terá sido praticamente sepultado entre nós...

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas
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19 COMENTÁRIOS

1 Ivonete Ramos Matos - Jiquiriçá
O livro é ótimo recomendo a todos aqueles que tem paixão pela educação e pretende mudar o ensino...
10/06/2012 13:52:59


2 Sara - Moraújo CE
Adorei essa visão, de que não podemos esquecer a verdadeira essencia das coisas, as vezes temos a sensação de perda, é porque esquecemos de ver as coisas com mais emoção. Fiquei com vontade de ler o livro
25/08/2010 15:59:31


3 Magda Lucia de Souza Andrde - Natal
Sou fã de carteirinha,adoro a forma como fala do nosso cotidiano o bom humor presente em todos os textos e livros,com todo respeito eu falo que tenho um caso de amor com Rubem Alves.
28/04/2010 00:49:19


4 Ivete - Curitiba
Eu curso Pedagogia, e um dia quero ser metade do que o Rubens é para ser uma boa Professora. Parabêns Rubens !!!
02/07/2009 21:58:12


5 Noemia Onofre da Silva Soares - Caucaia
Lê Rubens Alves, é abrir o coração para aprender com Ele, pois como ele mesmo fala, a gente tem sempre a sensação que sua fala é aquilo que sempre sentimos, mas nunca tivemos coragem de falar. Sou Psicóloga e educadora e sinto que, não dá pensar numa qualidade de educação se nossas relações não forem permidas e recheadas de amor, pois como fala o nosso mestre, do que adianta saber todas as técnicas, se nossos alunos são entoxicados com nosso saber.
17/05/2009 12:41:56


6 Daiane - cotegipe
Não sei como o livro Entre ciência e a sapência apareceu em meu guarda roupa, quando vir que era de Rubem Alves totalmente relacionado com a minha área comecei a ler, estou fascinada pelo livro, so sei que foi um presente que me aparceu ñ sei como, mais pode se saber é um livro fantatisco, para aquele que ama a educação tem quer ler este livro........
19/04/2009 11:19:37


7 Érica - Nuporaga SP
O Livro de Rubem Alves, entre a Ciência e a Sapiência o dilema da Educação, é apaixonante, de uma singularidade e sensibilidade que toca no fundo da alma, e ainda vai além, alcançando até a minha razão que se deixar tocar por poucos hoje em dia. Realmente é um Mestre de sabedoria e sapiência, crítico e filósofo educador, que sabe colocar em suas palavras o que realmente é a essência do aprender e do ensinar. Sem contar os exemplos que usa, que esses fatos, de tão cotidianos e vivenciados por cada um de nós no diaadia acabam passando despercebido, sendo resgatados de forma poética e realista particularidade que percebo em Rubem Alves através de suas palavras meticulosas e deliciosas aos ouvidos dos olhos.
05/11/2008 15:04:01


8 Radha - são bento do sapucaí
Muitos vêm se preocupando há anos em construir uma nação forte, elevando a condição do ser humano, que só se faz por um único caminho que é a verdadeira Educação. E Rubem Alves é um desses admiráveis mestres. Carinhos Radha
06/08/2008 10:32:18


9 Simone Moreira - Barra do Garças/MT
Rubem Alves é simplesmente extraordinário! Conhecer os seus textos está sendo para mim, além de um grande crescimento cultural, uma experiência de leitura prazerosa, algo que eu desconhecia.
22/05/2008 13:32:54


10 Mara Jane Luz Marins - Miranorte - TO.
Adorei uma conferência que assisti de Rubem Alves,fiquei encantada!
11/03/2008 19:34:42


11 giovanna - rio novo
e imprecionante o rubem alves estou conhecendo ele agora e acho a leitura de a ciencia e a sapiencia muito complexa, cheia de metaforas dificil entender mas o meu brilhante professor explica tao bem que fica facil. So uma coisa me intriga como podem saber que era isso que ele queria dizer? Por acaso foram ate ele e perguntaram se era isso mesmo que queria dizer?
08/03/2008 09:02:34


12 lidiane rodrigues de padua - aragarcas
Eu sou academica em administrcao (1º ano) e estou conhecendo Rubem Alves só agora atraves do professor Telmo (UNIVAR) e ja estou apaixonada pelos seus livros e pelos artigos que acabei de le-los.
12/02/2008 11:39:37


13 Sônia da Conceição Trindade da Fonseca - Santiago-RS
Ao assistir a Conferência de Rubens Alves em minha aulaEAD fiquei impressionada,e porque não dizer encantada com as palavras desse maravilhoso escritor.Meu maior desejo é assistir uma palestra pessoalmente.São de pessoas asim que precisamos na EDUCAÇÃO!!!!!!!!!Um grande abraço.
10/11/2007 10:58:22


14 Sofia Afonso - São Paulo
Ruben Alves escreve metáforas deliciosas.Sua forma de escrever é um descanso para a mente.Tornei-me leitora assídua de seus textos que sempre me fazem relaxar da complexidade de outros!
17/10/2007 14:53:07


15 romeu cesar - oeiras do pará
o site devria pelo menos ter obtido resenhas dos assuntos do livro de Rubem Alves
18/09/2007 12:49:13


16 Déborah de Castro Mello Amorin - Itapeva
Quando me deparei pela primeira vez com um livro de Rubens Alves,não parei mais!!Ele é um jequitibá preciosíssimo,que temos de preservar e aproveitar de sua sombra e de tudo o que produz!!bjss Déborah.
06/08/2007 20:05:00


17 Vivian - Macaé
Rubem Alves é alimento para a alma e mente!!
29/07/2007 15:57:13


18 Marcia Amara da Silva Moura - São Paulo
cada dia que aprofundo minhas leituras nesse autor, que infelizmente conhecia somente de ouvir falar, fico extasiada e pasmem com sua forma tão clara de ver a vida, sobretudo a eduacação. Um abraço Marcia Moura
19/04/2007 11:49:34


19 Perla T. Menezes da Silva - viamão
A importancia de ter como referencia uma pessoa que tem como preocupação o ensino brasileiro, tive a oportunidade de ter em meu municipio a palestra deste homem que é muito fantastico em termos de conhecimento, principalmente quando se fala de educação está de parabéns.
16/04/2007 16:24:39


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