Os erros do meu português ruim... - 14/02/2005
Pela qualidade no uso da língua portuguesa
Tive uma professora de português que era tão rigorosa que fazia questão de corrigir nossos erros, por menores que fossem, mesmo quando falávamos ao telefone. Uma outra professora, tão importante para minha formação quanto a primeira, era muito exigente em suas aulas e fez questão de requisitar a leitura de alguns dos livros mais importantes da literatura brasileira e portuguesa. O mais interessante é que, mesmo sabendo que esses livros eram cobrados no vestibular, o enfoque dado no trabalho com essa bibliografia era a criação de um elo indissolúvel entre os estudantes e a língua: sua importância, sua riqueza, suas possibilidades.
Levantei a questão da qualidade do português utilizado por nossos alunos em recente reunião de planejamento na instituição universitária em que trabalho. A resposta dos colegas foi surpreendente, especialmente se considerarmos que o trabalho em questão realiza-se numa universidade. Foi praticamente unânime o reconhecimento das deficiências de nossos alunos no que tange a produção escrita e mesmo, em alguns casos, a leitura em nossa língua.
Esses problemas repercutem muito além dos limites da escrita ou da leitura. A incapacidade de ler e escrever com a devida correção afetam a compreensão, a memorização, a capacidade de estabelecer conexões entre idéias, a articulação do diálogo em melhor nível e, até mesmo, ampliando o nosso foco, as relações humanas (nas quais se insere o trabalho).
Ler desde criança auxilia na formação de um vocabulário mais rico,
possibilita
maior capacidade de argumentação, aumenta a criatividade
e leva
ao surgimento de pessoas que se comunicam melhor.
Quando falamos de um problema relativo a uma instituição universitária não podemos restringir a nossa leitura dessa circunstância exclusivamente a esse âmbito. Temos que entender que essas dificuldades também são vivenciadas em muitas outras faculdades e universidades, mesmo nas mais conceituadas.
Outra constatação muito importante se refere ao fato de que a preparação de nossos estudantes para que desenvolvam de forma mais apurada a leitura e a escrita se dá nas etapas anteriores ao ensino de 3º grau. Na universidade deve-se dar a língua o necessário polimento para que os futuros profissionais conheçam especificidades próprias de seu ramo de atuação. É claro que toda e qualquer revisão que for necessária deve ser feita, mesmo nessa etapa da formação voltada para a profissionalização do indivíduo. Entretanto, a consolidação de um compromisso mais promissor em relação a essa fundamental ferramenta chamada linguagem deve ser feita nos primeiros estágios de vida escolar de cada um de nós.
Isso quer dizer, na prática, que o trabalho mais importante e significativo para a formação de pessoas mais hábeis no uso do português ocorre entre a partir da passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Além disso, vale lembrar que o referendo de uma boa qualificação no uso dessa ferramenta depende também de um processo de maturação nesse relacionamento que ocorre ao longo de todo o ensino fundamental e, posteriormente, de um bem resolvido desfecho no ensino médio.
Escrever é de fundamental importância apesar do advento da tecnologia de ponta.
Devemos ter sempre a mão nossos cadernos, lápis, canetas e borrachas para
novas composições, redações e muitas outras comunicações por escrito.
É claro que isso depreende muito trabalho, atualização e desprendimento por parte de muitos profissionais que ensinam português (e não somente deles, que devem contar com o apoio de todos os outros professores e profissionais das escolas em que trabalham). Rever os procedimentos adotados até o presente momento. Ler as novas referências na área. Utilizar textos e materiais diversos que possam agilizar e familiarizar melhor os educandos com a língua portuguesa. Ousar nas metodologias para conseguir interessar e mobilizar os estudantes para essa aprendizagem. Conscientizar os alunos, desde cedo, que a utilização correta de nossa língua constitui importante elemento para a vida futura de todos nós.
Quando conhecemos bem o português podemos estabelecer uma relação melhor com o mundo em que vivemos. Podemos conseguir posicionamentos profissionais mais qualificados, melhorar as relações pessoais (diminuindo as chances de sermos incompreendidos quando nos expressamos), nos comunicar mais apropriadamente através de documentos e cartas pessoais, sentir mais segurança quando falamos em público e, mesmo, fazer melhor uso dos recursos tecnológicos que estão a nossa disposição, especialmente a Internet.
Diga-se de passagem, que esse é um dos assuntos que devemos abordar quando falamos sobre o uso da linguagem com nossos alunos. A expansão da Internet e o estabelecimento dos comunicadores instantâneos merecem um estudo por parte dos especialistas em linguagem. A disseminação dessas ferramentas de forma indiscriminada entre as crianças e jovens levou ao surgimento de um novo dialeto. Nessa nova forma de se comunicar prevalecem palavras abreviadas que muitas vezes são difíceis de decifrar para quem não está habituado...
A tecnologia deve ser usada como aliada para a melhoria da capacidade de expressão
escrita e também para a leitura. A criação de projetos com computadores e Internet
que
envolvam
o uso correto da língua pode ser uma boa alternativa.
O interessante é que os novos recursos tecnológicos dependem enormemente da linguagem escrita e que, tendo em vista essa relação de tanta proximidade, deveríamos usar os computadores e a Internet como aliados para a formação de pessoas muito mais habilitadas no uso do português.
Seria uma nova e real possibilidade de aperfeiçoamento e Êxito nessa difícil empreitada, mas não poderíamos abrir mão dos livros, da criação de um elo de ligação mais claro entre a gramática e a realidade e ainda, da necessidade de escrevermos muito mais em nossos cadernos. Pode parecer um pouco de saudosismo dizer isso, mas deveríamos tentar reativar a correspondência em seus moldes mais tradicionais. Criar, quem sabe, um grande exercício a ser realizado por nossos estudantes através da troca de cartas em que relatassem suas experiências nas escolas ou o cotidiano de suas vidas.
Um trabalho como esse, integrando municípios próximos ou distantes, através de parcerias entre secretarias de educação ou mesmo fomentadas pelos próprios professores e alunos a partir de laços de amizade ou parentesco poderia ajudar, e muito, a melhorar a concordância verbal, a ortografia, o vocabulário, a acentuação ou mesmo a caligrafia.
É muito triste constatar que vivemos em um país de muitos analfabetos e de um sem número de pessoas que, mesmo alfabetizadas, se comunicam com grande precariedade e pobreza. A imagem da professora Dora, personagem vivida por Fernanda Montenegro no clássico do cinema nacional “Central do Brasil” denuncia essa carência. A aposentada Dora ganha a vida, numa movimentada estação de trem, escrevendo as cartas que os outros, por não possuírem um conhecimento elementar, não conseguem...
Também me vem a memória a afirmação de Monteiro Lobato, conhecidíssima, de que “um país se faz com homens e livros”. Há muitos e muitos homens sem livros e um outro grupo, também deveras numeroso, de pessoas que até aprenderam a ler e escrever, que não utilizam esse conhecimento, deixando que ele atrofie lentamente, de forma a perdê-lo aos poucos, sacrificando o que para muitos seria uma grande dádiva...
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